A dona de casa Lidiane Espinosa dos Santos, 36 anos, e a filha Annaí, 13, faziam compras em uma loja em um shopping de Porto Alegre, quando teriam sido agredidas pelo segurança do estabelecimento, na tarde desta quinta-feira (5). O caso foi registrado junto à Polícia Civil.
Moradora do bairro Nonoai, na Zona Sul, Lidiane foi até o Shopping João Pessoa comprar um chinelo para a filha, que tem necessidades especiais. Após comprar o produto, foi nas Americanas para adquirir fraldas para Annaí. Foi nessa loja que, segundo Lidiane, a abordagem ocorreu:
— Quando cheguei na fila do caixa, um rapaz de camiseta bordô começou a me cuidar. Eu também fiquei olhando para ele. Quando chegou a minha vez, ele me atendeu e perguntou três vezes: "É isso mesmo que tu vai levar?"
Lidiane pediu então que a fralda fosse trocada, pois o preço que ela havia visto na prateleira era menor. Depois, pagou o produto e se encaminhou à saída da loja, onde o segurança teria pedido para revistar a sacola que a menina trazia nas mãos. Após, teria solicitado a bolsa de Lidiane, que não aceitou a revista e pediu para falar com o gerente:
— Eu disse para ele: "Foi tu quem falou pra ele (segurança) me abordar, porque é tu quem está achando que estão roubando". Joguei a sacola com a nota nele. Eu não roubei nada. Eu comprei isso. Nisso, o segurança veio e me agarrou pelo pescoço e me arrastou para fora da loja. A minha filha começou a chorar. Ele deu um empurrão nela para ela parar e disse para chamarem a polícia. A minha filha começou a gritar e eu disse para pararem porque ela é especial.
Pessoas teriam testemunhado a cena. A corretora de imóveis Neiva Begrow, 35 anos, e o filho estavam no local quando se depararam com mãe e filha chorando.
— Eu chamei um Uber e trouxe ela para o Palácio da Polícia para fazer o registro. O pessoal que testemunhou criou até um grupo de WhatsApp para falar sobre o caso — contou Neiva.
— Eu acho que estavam procurando alguém já. Devem ter feito isso comigo pela minha roupa, porque eu e a minha filha estávamos de chinelo dentro do shopping e porque sou preta — disse Lidiane.
O segurança envolvido no caso também foi até a polícia para o registro da ocorrência. Sem se identificar, ele disse para a reportagem que a gerência da loja não o autorizou a dar entrevista.
Já em depoimento à Polícia Civil, o segurança relatou que foi orientado pelo gerente da loja a abordar Lidiane, pois ela teria furtado no estabelecimento. Segundo ele, na saída, teria solicitado que Lidiane mostrasse a bolsa. Ela teria se ofendido e utilizado um par de chinelos para agredi-lo no rosto. Na sequência, ela teria desferido chineladas no gerente da loja. Para separá-los, o segurança alega que puxou a cliente pela cintura.
Conforme o delegado Leandro Cantarelli Lisardo, interino da 10ª DP, que investigará o caso, serão ouvidas as versões de ambos os envolvidos, além de testemunhas. Também serão analisadas imagens de segurança que possam ter registrado os fatos. Até a tarde desta sexta-feira, a ocorrência registrada na tarde de quinta-feira não havia chegado à 10ª DP.
— Com base no que for levantado, vamos verificar se foi um caso de lesão corporal, se houve ameaça ou injúria racial. Veremos se é preciso fazer exame de perícia. Também precisaremos verificar a situação da adolescente, se houve a agressão, se ela é portadora de necessidades especiais — explica o delegado.
Contrapontos
Em nota, a assessoria de comunicação da Americanas S.A. disse que “repudia todo e qualquer tipo de discriminação e está apurando o ocorrido internamente para que sejam tomadas as providências cabíveis.”
A administração do Shopping João Pessoa também se manifestou por meio de nota. O texto destaca que o fato ocorreu “isoladamente com a equipe de segurança particular das Lojas Americanas, não do shopping.” A nota frisa, também, que o João Pessoa “não apoia nenhuma situação de preconceito, constrangimento e falta de respeito a quaisquer tipo de diversidade ou condição dos seus visitantes e colaboradores.”
Leia a nota do shopping na íntegra: "Em relação ao fato ocorrido na última quinta-feira (6) no interior de uma das lojas do Shopping João Pessoa, a administração do empreendimento lamenta profundamente a abordagem equivocada à família e declara que a ocorrência se deu isoladamente com a equipe de segurança particular das Lojas Americanas, não do shopping. Ao ser comunicada sobre situação desagradável ao qual a família foi submetida dentro da loja, a segurança do Shopping João Pessoa prontamente se colocou à disposição para auxiliar no que fosse necessário.
A administração ressalta que não apoia nenhuma situação de preconceito, constrangimento e falta de respeito a quaisquer tipo de diversidade ou condição dos seus visitantes e colaboradores. O shopping é comprometido com causas sociais e também apoia projetos voltados à conscientização sobre saúde física e mental, sempre pautando debates importantes na sociedade, como acredita que é o seu compromisso social, cedendo inclusive seu espaço para a campanha municipal de vacinação contra a covid-19.
Durante os seus mais de 50 anos de atividades, o Shopping João Pessoa sempre prezou pelo respeito, o acolhimento e a segurança de cada pessoa em seu espaço, e pretende se manter dessa forma. É por isso que conquistou o carinho dos moradores de Porto Alegre e segue sendo o mais antigo shopping da capital gaúcha, pautado pela boa convivência entre todos."