* O escritor e colunista de GZH Jeferson Tenório foi consultor desta e de outras pautas relacionadas à Semana da Consciência Negra.
Desde outubro deste ano, por decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), o crime de injúria racial passou a se equiparar ao de racismo no Brasil. Na prática, a violação tornou-se imprescritível, ou seja, sem limite temporal para a punição, o que, na avaliação de especialistas, representa mais um passo contra a impunidade.
O tema começou a ser debatido na Corte após a morte de João Alberto Freitas, homem negro espancado em uma unidade do supermercado Carrefour, em Porto Alegre, em 19 de novembro de 2020.
Os dois crimes têm conceitos jurídicos distintos. A injúria racial está prevista no artigo 140 do Código Penal e prevê pena de um a três anos de prisão e multa. É a ofensa à honra de um indivíduo, com base em elementos como raça, cor, etnia, religião e origem.
Já o racismo, considerado crime inafiançável e imprescritível na Constituição, ocorre quando o ataque atinge uma coletividade (veja mais detalhes abaixo). Nesse caso, a punição pode chegar a cinco anos de detenção e multa.
Até então, era comum haver a desclassificação de um delito de racismo para injúria racial, que tinha prazo de prescrição de oito anos (a contar da data do fato). Dependendo do caso, muitos agressores acabavam impunes.
— É, sem dúvida, um avanço no combate à discriminação e ao preconceito de cor — resume a delegada Andréa Mattos, titular da Delegacia de Polícia de Combate à Intolerância (DPCI), em Porto Alegre.
Na avaliação do ex-juiz e advogado Márlon Reis, que trabalha em ações envolvendo esses crimes, a mudança vai ao encontro do sentimento social de busca por equidade.
— A decisão do STF foi importantíssima, porque a prescrição dos crimes contra a honra, incluindo a injúria racial, se dava em um prazo muito curto. Agora, é possível alcançar fatos ocorridos com maior antecedência e rever casos transcorridos quando a cultura de direito era menos presente — diz Reis, que representou movimentos antirracistas no caso de João Alberto Silveira de Freitas.
Para o advogado, ainda há um outro debate a ser travado no Judiciário: a imprescritibilidade das ações cíveis relacionadas às questões raciais.
— Nesse caso, o prazo de prescrição é de apenas cinco anos. Isso precisa mudar — defende o idealizador da Lei da Ficha Limpa.
Ouça o podcast sobre o caso João Alberto
O que significa cada crime
Injúria racial
- Ofender a dignidade utilizando elementos de raça, cor, etnia, religião, origem ou condição de pessoa idosa ou portadora de deficiência. É comum pelo uso de xingamentos relacionados à raça ou à cor, com a intenção de ofender a honra da vítima, entre outros. O crime está previsto no artigo 140, parágrafo 3º, do Código Penal.
- Pena: de um a três anos e multa
Racismo
- Ato discriminatório dirigido a determinado grupo ou coletividade: recusar ou impedir acesso a estabelecimento comercial, impedir o acesso às entradas sociais em edifícios públicos ou residenciais e elevadores ou às escadas de acesso, negar ou impossibilitar emprego em empresa privada, entre outros. É definido na Lei nº 7.716 de 1989.
- Pena: pode chegar até cinco anos e multa
O que o STF decidiu
O STF firmou o entendimento de que a injúria racial é uma modalidade do crime de racismo e equiparou os dois, tornando a primeira imprescritível (passível de punição a qualquer tempo), como no caso do racismo. A alteração é considerada um avanço na luta antirracista.