Após ter entregue R$ 274 mil a criminosos, um agricultor do norte do Estado, acreditando ser ameaçado por policiais, passou a ser extorquido para entregar mais R$ 250 mil. Bandidos usavam fotos de agentes, falsificavam carteiras funcionais, registros de ocorrências e até mandados de prisão.
Esse cenário foi descortinado pela Polícia Civil, que prendeu 11 pessoas na manhã desta quinta-feira (4) na região de Passo Fundo. Contra o mesmo tipo de trapaça, o chamado golpe dos nudes, outra ofensiva foi desencadeada no Estado em conjunto com a polícia de São Paulo, o que resultou em mais cinco presos.
No norte do RS, chama atenção os altos valores que os bandidos conseguiram extorquir das vítimas: num total de quase R$ 600 mil. A soma pode aumentar, já que somente cinco agricultores que realizaram pagamentos foram identificados até o momento. A polícia acredita que possa haver mais vítimas, pois nenhum dos homens que estava sendo enganado havia registrado o caso.
A explicação está no fato de que os criminosos fingiam ser, justamente, membros da Polícia Civil. Identificavam-se como agentes e delegados, exigindo suborno para que os agricultores não fossem presos, por terem trocados fotos íntimas com uma jovem, que diziam ser menor de idade.
— Todos pagaram valores elevados e seguiram sendo extorquidos. A extorsão não para, até que haja ruptura. A ruptura deve ocorrer no início. Não pagar a primeira vez. Se pagar, vai seguir. As pessoas têm de confiar na polícia — diz o delegado Adroaldo Schenkel, da Delegacia de Sertão e delegado regional de Passo Fundo, que coordenou a operação.
Foi em Sertão, município de pouco mais de 5 mil habitantes, que o primeiro caso começou a ser apurado. Um agricultor ameaçado pagou R$ 110 mil para os bandidos. Quando começaram a investigar esse crime, os policiais descobriram depósitos realizados por outros produtores rurais da região.
Foi assim que mais vítimas acabaram identificadas. Um dos casos que chamou atenção é de um agricultor que já havia repassado R$ 274 mil em seis depósitos, e estava sendo coagido a entregar mais R$ 250 mil. Como forma de intimidação, recebeu uma foto de uma ordem de prisão, junto de uma algema.
— Estava apavorado, pensando na destruição da família, acreditando que ia ser preso, em razão do mandado de prisão falsificado. Não tinha mais de onde retirar dinheiro, então contou que estava pensando em suicídio — descreve o delegado.
Na maioria das vezes, esse tipo de golpe é cometido de forma aleatória, disparando convites de amizade nas redes sociais para iniciar o contato entre o alvo — em geral, homens de meia idade — e o golpista. Os dois iniciam uma conversa, até trocarem imagens íntimas, os chamados nudes. É aí que a trapaça começa a se consumar.
Após ter acesso às imagens, a conversa é encerrada e os criminosos partem para a extorsão. Em alguns casos, fingem ser pais da jovem, dizendo que ela é menor de idade e que o caso será registrado na polícia. Em outros, alegam ser policiais ou mesmo advogados.
Neste esquema montado no norte do RS, os valores pagos levam a polícia a acreditar que as vítimas tenham sido previamente selecionadas por terem poder aquisitivo mais elevado. Para dar seguimento à extorsão os criminosos, faziam uso de diferentes estratégias.
— Em um dos casos, primeiro falsificaram foto e nome de um delegado, simularam carteira policial, aí conseguiram os valores. Para cometer nova extorsão, alegaram que havia entrado o chefe do delegado, e queria mais dinheiro. Criaram outro nome, de mais um delegado, dizendo ser o superior. O receio, o susto, é tão grande, a pressão, que as vítimas perdem a noção do que é real, do que é plausível — afirma Schenkel.
Na operação, foram cumpridos ainda 22 mandados de busca e 20 de quebras de sigilo bancário. A partir dessas quebras das contas a polícia espera conseguir mensurar a proporção do esquema. As 11 prisões preventivas (de seis homens e cincos mulheres) realizadas até agora e a soma de valores são referentes a somente duas contas. Os mandados foram cumpridos em Getúlio Vargas, Erechim, Viadutos e Estação.
Os presos nesta quinta-feira possuem mandado por extorsão e organização criminosa. A maioria havia recebido valores obtidos a partir do golpe, em alguns casos, a mesma pessoa teve depositadas somas de mais de uma vítima. Os detidos possuem outro ponto em comum: a maioria tem familiares dentro do sistema prisional.
— Estamos investigando a real extensão desse esquema e se a coordenação parte de dentro das cadeias ou não — completa o delegado.
Os valores repassados aos criminosos não foram recuperados, já que os golpistas recebiam a quantia e logo repassavam para outras contas. Durante as buscas, a polícia apreendeu documentos, como extratos bancários, e celulares, que serão analisados. Com a quebra do sigilo bancário, espera-se que mais envolvidos sejam identificados. Quatro veículos também foram apreendidos, e será apurado se foram adquiridos com os valores das extorsões.
Investigação em conjunto com São Paulo
Outra operação, que também teve como alvo o golpe dos nudes foi desencadeada nesta quinta-feira no RS: a Cilada II/Quinto Pecado. Essa ofensiva foi realizada em parceria com a Polícia Civil de São Paulo, já que as vítimas eram daquele Estado. A apuração da polícia paulista apontou que criminosos gaúchos estavam por trás desse tipo de trapaça. Cinco pessoas foram presas de forma preventiva, além de 13 mandados de busca e apreensão.
Neste caso, os mandados foram cumpridos em Porto Alegre, Viamão, Vacaria, Santa Maria e Sapucaia do Sul. Dois homens alvo da operação já estavam no sistema prisional, em Vacaria e Sapucaia do Sul, e um, de Caçapava do Sul, foi detido em Santa Maria. Eles seriam os responsáveis pelas extorsões. Duas mulheres foram presas em Vacaria e teriam como função a arrecadação e distribuição dos valores. As somas extorquidas, neste caso, chegaram a cerca de R$ 6 mil. Outras investigadas repassavam as fotos para que fossem usadas no golpe.
À frente da Delegacia de Repressão aos Crimes Informáticos e Defraudações, do Departamento Estadual de Investigações Criminais (Deic), que atuou de forma conjunta com a Polícia Civil de São Paulo nesta investigação, André Anicet acredita que diversos fatores levam pessoas a serem lesadas por esse tipo de golpe.
— Primeiro, a questão da vergonha, já que não querem que as famílias saibam, ou têm medo que as fotos sejam publicadas, por serem pessoas conhecidas, terem cargos públicos. Em outros casos, a pessoa acredita no famoso jeitinho brasileiro, onde vai se livrar da responsabilidade criminal pagando a polícia para isso. Querem se livrar da responsabilidade, fazendo qualquer coisa, mesmo achando que está corrompendo agente público — afirma.
A orientação é para que a pessoa não compartilhe esse tipo de imagem íntima pela internet e, caso seja vítima desse golpe, procure a polícia imediatamente.
— O pagamento não é nenhuma garantia de que a imagem não vai ser utilizada da mesma forma. A partir dos primeiros pagamentos, eles continuam extorquindo, até a pessoa dizer chega. E aí eles podem usar as fotos da mesma forma. A orientação é jamais efetuar pagamento, jamais encaminhar nenhum tipo de foto, até para quem conhece. A partir do momento em que a foto é compartilhada, se perde o controle da utilização dela — diz o delegado.