O caso João Alberto Freitas — homem negro morto por seguranças dentro o hipermercado Carrefour, na zona norte de Porto Alegre, em novembro de 2020 — ganhou mais um capítulo nesta quarta-feira (21). O juiz João Ricardo dos Santos Costa, da 16ª Vara Civil da capital gaúcha, determinou o pagamento pelo conglomerado empresarial de R$ 3.450.000 a título de honorários aos advogados das duas entidades que representam movimento negro. A decisão é referente a ações coletivas. O magistrado fixou o pagamento em 3% do valor do acordado no Termo de Ajustamento de Conduta (TAC), que ficou em R$ 115 milhões.
A fixação dos honorários não constava quando foi celebrado o TAC no dia 12 de junho e foi proferida durante a homologação do acerto entre as partes. Até então, havia o acordo, mas era necessário que fosse homologado pelo Judiciário, o que acabou acontecendo, já com a definição dos valores que devem ser pagos aos advogados das entidades Educafro e Centro Santo Dias.
"O deferimento de honorários às autoras é a medida mais adequada para preservar a garantia da acessibilidade à justiça. Notadamente em um litigio que coloca na pauta o racismo estrutural existente na sociedade brasileira e reconhecido no Termo de Ajustamento de Conduta celebrado entre as partes. Neste contexto, e pelo fato do judiciário ser um espaço de resistência, a representação judicial adequada da população negra, o acesso é central ao processo de superação de uma chaga social histórica. Daí que a relutância das requeridas em incluírem os honorários no TAC, confronta com os propósitos externados na referida convenção", disse o magistrado em sua decisão.
O TAC foi celebrado entre Carrefour, Ministério Público do Estado do Rio Grande do Sul, Ministério Público Federal, Ministério Público do Trabalho, Defensoria Pública do Estado do Rio Grande Do Sul, Defensoria Pública da União e as entidades Educafro e Centro Santo Dias.
Os honorários deverão ser pagos ao escritório Márlon Reis & Estorilio Advogados Associados, que representa essas organizações sociais de combate ao racismo. O advogado Márlon Reis, sócio-fundador do escritório, diz que a decisão representa uma grande vitória dos movimentos sociais brasileiros.
— Existe uma tentativa de se negar a importância da atividade jurídica das organizações sociais. O juiz foi muito feliz ao dizer que há uma certa incoerência do Carrefour a se predispor a apresentar um plano antirracista e não reconhecer os advogados do movimento negro que moveram ação — pondera o advogado, ex-juiz e um dos idealizadores da Lei da Ficha Limpa.
Para Márlon Reis, "a decisão repara um erro histórico que não tem só a ver com a questão racial, mas diz respeito a todas as organizações sociais". Apesar de satisfeito com a decisão, o advogado adianta que vai recorrer, porque entende que o percentual definido ficou abaixo do que seria o mínimo de 10%.
— O juiz acertou, os fundamentos perfeitos, mas precisa ser observada a questão do valor —destacou Márlon.
Para o frei David Santos, diretor-executivo da Educafro, " a luta contra o racismo estrutural está se enriquecendo a partir de novas vitórias".
- Temos certeza de que essa vitória vai ampliar o leque de ferramentas usadas pelos líderes, para defendermos nosso povo afro - destaca o religioso.
O que diz o Carrefour
Procurado, o grupo enviou nota:
"O Grupo Carrefour vai analisar a decisão, seguindo comprometido com a luta antirracista que se materializa no maior investimento privado já feito para redução da desigualdade racial no Brasil. São valores que superam R$ 115 milhões e serão majoritariamente investidos em educação e geração de renda para a população negra."
Processo criminal
Na esfera criminal, seis pessoas respondem por homicídio triplamente qualificado: o ex-PM temporário Giovane Gaspar da Silva; o segurança da empresa terceirizada Vector Magno Braz Borges; a fiscal do Carrefour Adriana Alves Dutra; o funcionário da empresa de vigilância Vector Paulo Francisco da Silva, por autoria do crime; e outros dois funcionários do Carrefour por participação: Kleiton Silva Santos e Rafael Rezende.