A farmacêutica Luiza Dias da Silveira, 31 anos, sentiu, na prática, o efeito da Campanha Máscara Roxa — que visa auxiliar mulheres que estejam passando por situação de violência doméstica — quando recebeu, durante o trabalho, o pedido de socorro de uma cliente. Enquanto abria o estabelecimento, uma mulher entrou na loja e pediu por uma máscara roxa. A solicitação representa um pedido de ajuda, um indicativo de que mulher sofria violência. Luiza, então, entrou em contato com a polícia.
O pedido por esse item se repetiu dezenas de vezes em todo o Estado. Cerca de nove meses após o lançamento da campanha, foram contabilizadas 88 denúncias por violência contra mulheres em farmácias, uma média de 11 denúncias por mês. Foram registradas também duas prisões em flagrante pelo mesmo crime.
A campanha, lançada em 2020, funciona da seguinte forma: a mulher vítima de agressão procura por uma farmácia que tenha o selo "Farmácia Amiga das Mulheres" e pede pela máscara roxa, como se estivesse fazendo uma compra comum. O atendente, que foi treinado, afirmará que o produto está em falta e pedirá informações sobre a cliente, como nome e números de telefone, como se fosse para avisá-la quando o produto chegar. Na verdade, depois que a cliente vai embora, essas informações são repassadas à polícia, que inicia a investigação para resgatar a vítima de violência.
Idealizada pelo Comitê Gaúcho Impulsor Eles por Elas/He for She, ligado à ONU Mulheres, e em parceria com órgãos da segurança, do Judiciário e do setor privado, a ação foi pensada para ajudar mulheres diante do isolamento social causado pela pandemia do coronavírus. Com a quarentena, vítimas de violência doméstica passaram a ficar mais tempo em casa, perto de seus agressores, o que dificulta o registro de denúncias e pedidos de ajuda.
Diante desse impasse, o comitê e as autoridades idealizaram a campanha, dialogaram com responsáveis por redes de farmácia, treinaram os funcionários e colocaram a ação em prática. Atualmente, cerca de 1.500 estabelecimentos no RS integram o movimento. As farmácias foram escolhidas como canal de acolhimento porque, por serem consideradas serviço essencial, permanecem atendendo durante a pandemia, além de serem um local discreto.
A mulher ajudada por Luiza, que trabalha há oito anos em uma farmácia localizada em Bagé, na Região da Campanha, procurou ajuda porque o ex-marido não se conformava com o término do relacionamento e, na noite anterior ao pedido de ajuda, ele havia tentado arrombar a residência dela.
— Como a farmácia estava vazia, porque era bem cedo, nós conseguimos conversar mais. Ela disse que, na noite anterior, ela tinha conseguido se defender, e o homem não tinha conseguido invadir a casa. Mas que, naquele momento, ela precisava ir para o trabalho e tinha deixado o filho em casa. Ela estava com medo de o homem voltar, de algo acontecer com o filho, com a residência. Ela estava assustada, mas conseguiu se sentir segura naquele momento e pediu ajuda — lembra Luiza.
A atendente conta que colheu as informações da mulher e enviou para a Polícia Civil. Algumas semanas depois, Luiza atendeu novamente a cliente:
— Ela voltou para me agradecer. Disse que tudo se resolveu e que estava bem. Para mim, foi um alívio, me senti útil em poder ajudar para uma causa tão importante. Só consigo imaginar o pavor dela, de querer seguir a vida e não poder, precisar trabalhar e ter medo de sair. Ninguém merece viver assim, e fico feliz que ela tenha nos procurado — resume.
Segundo o comitê, as 88 denúncias recebidas até o momento foram registradas em 33 municípios: Porto Alegre, Canoas, Nova Santa Rita, Gravataí, Alvorada, Guaíba, Viamão, Novo Hamburgo, Sapiranga, Charqueadas, Triunfo, Capela de Santana, Pareci Novo, Capão da Canoa, Santo Antônio da Patrulha, Antônio Prado, Casca, Bento Gonçalves, Rio Grande, Pelotas, Capão do Leão, Pinhal, Carazinho, Taquari, Venâncio Aires, Santa Maria, Panambi, Santana da Boa Vista, Dom Feliciano, Três Passos, Giruá, São Luiz Gonzaga e Palmeira das Missões. As duas prisões em flagrante ocorreram em Porto Alegre e Rio Grande.
A rede de farmácias é composta por Associadas, Agafarma, Vida, Preço Mais Popular, Tchê Farmácias e Líder Farma. Todas elas têm o selo "Farmácia Amiga das Mulheres" em suas vitrines e portas, para que as vítimas as identifiquem.
Cerco aos agressores
Coordenador da campanha e do Comitê Gaúcho Eles por Elas, o deputado estadual Edegar Pretto avaliou como positivo os números da ação até agora e afirmou que a campanha pretende ainda aumentar o número de farmácias que participam da ação, além de incluir outros tipos de estabelecimentos.
Pretto destacou ainda o pioneirismo da campanha, que não contou com nenhum tipo de suporte financeiro e se baseia na articulação e no diálogo entre o setor público e o privado, afirma. Segundo ele, a campanha seguirá em andamento até o final da pandemia, para continuar servindo como ferramenta de ajuda a mulheres.
— Nós sabemos que grande parte dos casos de violência contra a mulher não é denunciado, muitas vítimas acabam não pedindo ajuda. E não por que não querem, mas porque não conseguem encontrar ou acessar uma rede de proteção, um meio que lhe estenda a mão, que lhe tire desse cenário. Nesse contexto de pandemia, muitas vítimas não conseguem sequer fazer uma ligação para pedir ajuda. Então, o que fazemos na campanha é unir o poder público e a sociedade civil em um verdadeiro cerco aos agressores. Nós queremos que eles se sintam acoados, com medo, e não as mulheres — disse o coordenador.
De acordo com a titular da 1ª Delegacia Especializada no Atendimento à Mulher (Deam) de Porto Alegre, delegada Jeiselaure Rocha de Souza, 90% dos casos de violência contra a mulheres não são notificados.
Segundo ela, a campanha traz um diferencial importante: durante a pandemia, muitas vítimas de violência doméstica só conseguem sair de perto do agressor por poucos minutos, e, muitas vezes, com o argumento de que precisam ir, justamente, a locais como postos de saúde e farmácias. Outro ponto positivo da campanha, de acordo com Jeiselaure, é que o anonimato, tanto da vítima quanto do atendente da farmácia, é garantido pela Polícia Civil. O medo de colocar outras pessoas em risco é outro motivo que faz com que muitas mulheres deixem de pedir ajuda, explica a delegada:
— As pessoas que atuam nas farmácias não precisam se identificar para fazer a denúncia. A identidade delas é preservada. Com as informações que elas colhem junto as vítimas, nós iniciamos a investigação e avaliamos a melhor forma de resgatar essa mulher da situação de violência. Oferecemos medida protetiva, fazemos o acolhimento da vítima. É importante que essas mulheres conheçam essa ação, que é mais uma ferramenta que podem usar para pedir ajuda.
Conforme a delegada, durante a pandemia, o número de denúncias de agressão contra mulheres feitas em delegacias do RS tiveram uma "leve diminuição", mas um "aumento significativo" de registros nos canais online. Desde o ano passado, na tentativa de que mulheres em situação de violência durante a pandemia tivessem para onde recorrer, as autoridades ampliaram as ferramentas virtuais para registro de denúncia. Nos canais como o WhatsApp e a própria Delegacia Online, é possível incluir fotos, capturas de imagem de telas de celular ou computador com ameaças e demais materiais obtidos pela vítima.
Para a Polícia Civil, o reforço no atendimento online é um dos fatores que contribuiu para que a prisão de agressores tenha dado um salto em Porto Alegre durante o primeiro trimestre deste ano. Foram 38 prisões preventivas nos três primeiros meses do ano, contra oito registradas no mesmo período de 2020 — um aumento de 375% no encarceramento. Os dados foram divulgados na terça-feira (6) pela Deam.
— As mulheres estão procurando mais a polícia e estamos encoranjando que façam isso. Esse aumento nas prisões preventivas de agressores é uma prova disso — explicou a delegada.
Onde pedir ajuda
- WhatsApp da Polícia Civil: (51) 98444.0606
- Emergências: 190 (Brigada Militar)
- Disque-Denúncia: 181
- Denúncia Digital 181: ssp.rs.gov.br/denuncia-digital
- Delegacia Online
Delegacia da Mulher de Porto Alegre
- Endereço: Rua Professor Freitas e Castro, junto ao Palácio da Polícia
- Telefone: (51) 3288-2173 ou 3288-2327 ou 3288-2172 ou 197 (emergências)
- Horário: 24 horas
- As ocorrências também podem ser registradas em outras delegacias