Diante de um intrincado quebra-cabeças, nos quais as peças precisam ser encaixadas aos poucos, a polícia catarinense tenta há pouco mais de um mês elucidar o maior roubo da história do Estado. Entre a noite de 30 de novembro e a madrugada de 1º de dezembro, um grupo criminoso, armado com fuzis e com uma metralhadora capaz de abater blindados e aeronaves, aterrorizou Criciúma, no sul de Santa Catarina (SC). O bando fugiu com uma quantia estimada em R$ 80 milhões, levada da tesouraria regional do Banco do Brasil. Um policial militar foi ferido na ação e segue hospitalizado em estado grave.
Até o momento, pelo menos 14 suspeitos foram presos — cinco deles no Rio Grande do Sul — e cerca de R$ 1 milhão foi apreendido pela polícia. A polícia já sabe que o ataque foi planejado pelo grupo por meses. Uma das suspeitas é de que um imóvel em Criciúma tenha sido usado pelo bando durante esse planejamento para monitorar a área do banco. Um mandado de busca chegou a ser cumprido no Estado do Ceará pela Polícia Federal, em colaboração com a investigação, atrás de pistas. No município de Aracati, foram apreendidos celulares, notebooks e documentos.
— As investigações não pararam em todos estes dias, vão tendo avanços e sempre sendo juntadas mais informações. Aguardamos ainda as respostas de uma série de diligências — afirma o diretor da Diretoria Estadual de Investigações Criminais (DEIC) de SC, delegado Luis Felipe Fuentes.
À frente da investigação, o titular da Delegacia de Roubos e Antissequestro da Deic, delegado Anselmo Cruz, usa a analogia do quebra-cabeça para explicar a forma como a polícia vem trabalhando ao longo desse período. Diz que cada personagem identificado precisa ser encaixado na trama. Ou seja, é preciso entender qual a participação de cada um dos envolvidos e quem são eles. E é a partir desses que a polícia vem chegando a novas peças.
— Essas peças iniciais, das prisões, vão ajudar a construir o quebra-cabeças. Apesar da fuga da grande parte dos criminosos, peças foram identificadas desde aquela madrugada e estão sendo postas na mesa. Todos identificados até o momento são peças que já temos colocadas na mesa, que vão gradativamente se encaixando. Mais peças estão sendo agregadas a esse cabeça para que no final consiga ver toda aquela cena — explica.
A polícia não detalha se algum dos 14 presos participou efetivamente do ataque em Criciúma ou se estão todos envolvidos na parte de apoio e logística. O policial afirma que neste momento individualizar as ações pode atrapalhar a investigação. Sabe-se, no entanto, que parte dos presos eram de São Paulo.
Sobre a participação do maior grupo criminoso do país na ação, o delegado diz que não há indício de que o roubo tenha sido orquestrado pela facção criminosa, mas assaltantes vinculados à quadrilha teriam participado do roubo, numa espécie de associação para o crime. Um dos presos durante as investigações, em Gramado, na serra gaúcha, é considerado uma das lideranças da facção paulista.
— Não se trata de um crime comandado ou planejado pela própria facção. E sim de indivíduos que são profissionais nesse tipo de roubo e tem uma certa associação, uma colaboração com facção criminosa, até por serem indivíduos oriundos de SP, onde a gente sabe que há um domínio forte. Acaba tendo (vínculo) a título de colaboração de associação. Mas não ser um crime comandado ou ordenado pela facção mesmo, nenhum indicativo nesse sentido — afirma Anselmo.
A investigação não tem prazo para ser encerrada, devido à complexidade do caso e poderá também se estender por meses. A polícia diz que, assim como os criminosos planejaram o ataque por longo período, é necessária cautela para chegar ao maior número de participantes do maior ataque já realizado no Estado.
— (Foi) uma ação tão complexa, envolvendo tanta gente, com vários meses de planejamento. A logística que eles empregaram foi muito grande. Por conta disso, a apuração disso também tem que ser detalhada e levar um bom tempo — diz o delegado Anselmo.
Relembre o ataque
Durante cerca de duas horas, cerca de 30 criminosos sitiaram o município, deixando moradores aterrorizados. Tiros foram disparados para o alto e em direção aos comércios. Mas a ação iniciou antes, quando os bandidos atacaram a tiros sede do 9º Batalhão de Polícia Militar (BPM) perto da meia-noite do dia 30 de novembro. Além dos disparos, que deixaram marcas nas paredes, em frente ao prédio, incendiaram um caminhão, para impedir a saída dos policiais.
A cerca de meio quilômetro dali, enquanto tentava acudir os colegas, um dos policiais militares deparou com parte do grupo, trocou tiros e acabou baleado. O disparo de fuzil atravessou o colete à prova de balas e atingiu o abdômen de Jeferson Luiz Esmeraldino, 32 anos. Pai de uma menina de cinco anos, o soldado continua hospitalizado, sem previsão de alta. O colete que Esmeraldino usava era de nível 2 – após a ação a PM de SC anunciou que está distribuindo coletes mais resistentes, de nível 3.
Os bandidos ainda utilizaram moradores como reféns, para impedir a aproximação da polícia. Seis deles foram obrigados a permanecerem como espécie de escudo-humano, enquanto o grupo detonava as dependências do Banco do Brasil. Antes da fuga, os criminosos espalharam dinheiro em frente à agência, com intuito de criar mais confusão. Quatro pessoas acabaram presas em um apartamento com R$ 810 mil após terem recolhido parte do valor deixado.
O grupo deixou Criciúma a bordo de 10 veículos, que seriam localizados horas depois em um milharal, no município de Nova Veneza. Nove dos carros eram blindados. Em pelo menos dois deles havia vestígios de sangue, que foram recolhidos para possível comparação genética com suspeitos. Acredita-se que pelo menos um dos criminosos tenha sido baleado durante a troca de tiros com a Polícia Militar. Cerca de 200 quilos de explosivos foram deixados para trás pelo bando e precisaram ser removidos pelo esquadrão antibombas.
— Desde o início, tratamos como o maior roubo já acontecido no nosso Estado, não só pela questão de valores, mas pela violência empregada e pela logística. Estamos falando de dezenas de criminosos, veículos blindados, caminhões e armamentos pesados — afirma o delegado Anselmo.
As prisões*
02/12
- Em Passo de Torres, logo após a divisa com o RS, foram abordados pela Polícia Rodoviária Federal (PRF) três homens que estavam em um Citroen. Dentro do veículo, havia cerca de R$ 50 mil em espécie. Dois deles estavam foragidos.
- Dois paulistas, de 30 e 44 anos, foram presos após abordagem da PRF na BR-116, em São Leopoldo, no Vale do Sinos. Eles estavam a bordo de um HB20, onde foram encontrados celulares e R$ 8,1 mil. Há suspeita de que este veículo tenha sido usado como um batedor.
- Uma mulher foi presa pela Polícia Militar na zona sul da cidade de São Paulo. Na casa onde ela estava, foram encontradas drogas e munição para fuzil – mesmo tipo de arma usada no assalto. Ela é companheira de um suspeito de envolvimento no ataque.
03/12
- Um homem e uma mulher foram presos em Campinas, interior de São Paulo, suspeitos de participar da logística do roubo.
- Dois homens foram presos pela Polícia Civil em uma casa em Gramado, na Serra. Entre eles, Marcio Geraldo Alves Ferreira, o Buda, identificado como um criminoso com envolvimento com a maior facção do país, com origem em São Paulo. O outro homem tentou escapar e foi detido em um matagal nas proximidades da casa pelos policiais.
- Em uma casa no litoral do RS, perto do limite com Morrinhos do Sul, foi preso pela Brigada Militar um homem, natural do Paraná. No local, foram apreendidos materiais, entre eles roupas sujas de sangue. Quando foi ouvido de maneira informal pelos policiais, o preso alegou que recebeu R$ 5 mil para ir até este sítio e queimar tudo que estava no local.
05/12
* Além dessas, ainda foram realizadas mais duas prisões, não detalhadas pela polícia, num total de 14.