Em dezembro de 2016, Jonathan Martins de Almeida, 37 anos, falou com a família pela última vez. Natural de Uruguaiana, na Fronteira Oeste, ele residia a quase 800 quilômetros de lá, em Arroio do Sal, município de 10 mil habitantes no Litoral Norte. Desde então, os familiares buscavam respostas para o paradeiro dele. Quatro anos depois, o mistério pode estar perto do fim, após uma ossada humana ser encontrada na residência onde ele morava na época em que sumiu. A principal hipótese é de que o homem tenha sido morto pela companheira – a mulher de 59 anos foi presa, assim como o atual marido — os nomes deles não foram divulgados. A investigação da Polícia Civil deve ser concluída até esta sexta-feira (20).
O primeiro registro que chegou à polícia sobre o sumiço de Jonathan, segundo o delegado Adriano Koehler Pinto, foi feito por uma das irmãs dele, ainda em dezembro de 2016. Na época, só se sabia que ele havia sumido, sem deixar pistas. A mulher com quem ele morava em Arroio do Sal contava que ele havia saído de casa e não tinha mais retornado. No início de janeiro de 2017, a companheira procurou a polícia para registrar uma ocorrência de abandono de lar. Ela informou que ele havia deixado a casa onde eles viviam na Avenida Medeiros de Quadros, no bairro São Jorge, e desde então não tinha mais feito contato, deixando inclusive uma motocicleta.
Ao longo da apuração do desaparecimento, a polícia recebeu informações de que o relacionamento dos dois estava conturbado. Jonathan teria iniciado uma relação com outra pessoa e pretendia se separar. A mulher, por outro lado, não aceitaria o fim da união. Pessoas próximas a Jonathan relataram à polícia que ele teria sido vítima de crime, mas a polícia afirma que não obteve nenhuma prova naquele momento. A companheira sustentava que ele havia ido embora.
Outro ponto que intrigava os investigadores era o fato de que, quando desapareceu, Jonathan tinha valores a receber. Ele trabalhava fazendo vigilância em residências. No período do fim do ano, deveria ser pago uma gratificação natalina. Mas ele havia sumido pouco antes do pagamento. A polícia rastreou o celular dele, mas o aparelho nunca mais foi utilizado após o desaparecimento.
— Ouvimos essas pessoas que relataram o conflito. Havia a suspeita de um possível homicídio, mas não tinha corpo, não tinha nada. Ela mantinha a versão de que ele foi embora, por conta de um novo relacionamento. Sempre revisávamos o caso, buscávamos algo que poderíamos ter feito — diz o delegado.
Ao longo dos anos, segundo o policial, os familiares de Jonathan continuaram em busca de respostas. Faziam publicações frequentes em redes sociais, divulgando as fotos dele. Já a ex-companheira se manteve afastada do caso. Começou outro relacionamento. Neste ano, os parentes levaram à polícia nova informação. Um auxílio emergencial havia sido solicitado no nome do desaparecido – a polícia ainda está rastreando quem foi a pessoa beneficiada. Mas, segundo o delegado, foi um telefonema anônimo que apontou para uma nova pista, crucial para que os policiais obtivessem um mandado para vasculhar a residência da suspeita.
— Recebemos essa informação de que o corpo estava dentro da casa, sob um piso de concreto e lajotas de cerâmica. Era algo bem específico. Voltamos a monitorar a residência, pelo lado de fora, e percebemos que havia uma construção principal e, ao lado, um anexo novo, de uma construção mais recente. Era possível ver a marca na parede. As informações começaram a fechar — descreve.
Com um mandado de busca e apreensão, os policiais ingressaram na casa na manhã do dia 12 de novembro. A moradia é uma construção ampla, em alvenaria, com uma piscina. Na busca, foram empregados cães farejadores do Corpo de Bombeiros – entre eles, Bono, um labrador que atuou nas buscas na tragédia de Brumadinho. A equipe vasculhava a residência, enquanto a proprietária insistia que não havia nada para ser encontrado. Até os policiais e bombeiros chegarem na área de serviço, coberta por um telhado. O piso era cerca de 10 centímetros mais alto do que o restante da casa. Ali, com auxílio de Bono, enterrada sob o piso de lajotas, foi localizada a ossada.
_ Era uma área onde ficava a máquina de lavar, o local de estender roupas. Ela convivia diariamente ali nesses últimos anos, com naturalidade. É um caso inusitado, que desperta a atenção _ diz o delegado.
Perícia
Para confirmar se realmente são os restos mortais de Jonathan, o material foi encaminhado para perícia. Segundo o delegado, a análise inicial aponta que seriam os restos mortais de um homem. Nesta semana, foi coletado em Uruguaiana pelo Instituto-Geral de Perícias (IGP) o DNA da mãe do desaparecido, para confrontar com o que for coletado. Ainda não há previsão de conclusão dessa análise, depende do tempo que será necessário para extrair o material genético na ossada. Mas a polícia está convicta de que a localização permite concluir que Jonathan nunca deixou a casa: foi assassinado e enterrado no local.
Outra suspeita, que deve ser confirmada pela análise dos peritos, é de que a vítima tenha sido esquartejada. Havia marcas nos ossos que indicam que tenham sido serrados. Sobre a causa da morte, segundo o delegado, há hipótese de que a vítima tenha sido envenenada ou alguma outra substância tenha sido administrada. Mas não há provas no momento sobre isso. O policial espera que a perícia possa contribuir para elucidar isso. O delegado afirma que o crime foi motivado por ciúmes.
— Isso está claro. Ela não aceitava o término. Ele estava mesmo decidido a ir embora, mantinha relacionamento com outra pessoa, mais nova. E ela não aceitou esse fim — diz.
Vizinhança
Morador do bairro São Jorge há mais de três décadas, Celio Bitencourt, 48 anos, conta que o caso chocou a vizinhança. Em uma região pacata, a descoberta de que Jonathan pode ter sido assassinado e enterrado dentro de casa, apavorou os moradores.
— Foi uma coisa macabra, a pessoa viver todo esse tempo com esse corpo dentro de casa. Ela frequentava a igrejinha na esquina da minha rua. A mesma que a minha esposa vai. Ela voltava com a minha esposa à noite. Minha esposa ficou apavorada. É um lugar bem tranquilo. É o tipo de coisa que a gente vê na televisão, em cidade grande. Ficamos nervosos quando soubemos o que tinha acontecido — descreve o construtor.
Jonathan vivia com a companheira em uma casa verde, a cerca de duas quadras de distância da moradia de Celio. O vizinho conta que tinha pouco contato com Jonathan no período em que ele residia no local. Costumavam se ver porque o rapaz trabalhava para uma empresa de vigilância, monitorando residências.
— Era muito estranho, uma pessoa sumir quatro anos sem deixar vestígios. Desde que soube do sumiço dele, fiquei intrigado, mostrava a foto dele para outras pessoas, para ver se tinham visto algo. É muito chocante — diz o morador.
Os crimes
A polícia não sabe quando a obra do anexo foi realizada, mas suspeita que o corpo inicialmente tenha sido enterrado no pátio, sendo coberto depois pela construção. Além da mulher, o atual marido dela também foi preso por ocultação de cadáver. Segundo o delegado, ele é pedreiro e teria sido responsável pela obra.
Já a mulher, além da ocultação, deve responder pelo homicídio qualificado (pelo motivo torpe) e por ter comunicado falsamente o abandono de lar. Tanto a investigada como o atual companheiro, após serem presos, optaram por permanecer em silêncio. Os dois tiveram a prisão preventiva decretada pela Justiça. O inquérito deverá ser concluído pela polícia até esta sexta-feira.
GZH entrou em contato com a advogada que acompanhou os dois presos no dia do flagrante, mas ela informou que não será responsável pelo atendimento deles durante o processo. A reportagem fez contato com outro advogado. Vitor Hugo Gomes disse que esteve no Presídio Feminino de Torres para conversar com a investigada e que ela pretende confessar o crime à polícia.