A 3 mil quilômetros do Rio Grande do Sul, em Macapá, capital do Amapá, uma servidora pública negra recebeu em 12 de julho uma série de mensagens ofensivas pela internet. O perfil por trás dos insultos se identificava como um homem de 32 anos, morador de Porto Alegre, que selecionava modelos. A maior parte das informações era falsa, exceto a cidade de origem. No início deste mês, a polícia amapaense indiciou por injúria racial uma gaúcha de 23 anos.
Quando recebeu a primeira mensagem pelo aplicativo de mensagens do Facebook, Claudenora Tavares Mougo, 30 anos, pensou que fosse uma brincadeira de algum amigo. O perfil masculino foi quem iniciou a conversa, ao escrever "jura que tá magra", e na sequência disse que era responsável por selecionar modelos e que ela não se encaixava no perfil. O diálogo, que seguiu questionando sua forma física, evoluiu e, com ela, as ofensas. "Volta para sua rede no Amapá", escreveu. Por fim, chamou Clau, como é conhecida, de "nordestina cabeça grande" (o Amapá está localizado na Região Norte).
Ao pesquisar sobre o perfil, a servidora percebeu que uma familiar sua também era amiga da mesma pessoa. Em conversa com a jovem, soube que ela também havia recebido mensagens ofensivas. Desconfiada de que se tratava de um perfil falso, Clau, que é formada em Direito, decidiu procurar a 6ª Delegacia de Polícia de Macapá. Reuniu os prints das conversas e entregou aos policiais.
— Pensei que fosse alguém próximo a mim. Nunca imaginei receber esse tipo de mensagem, ainda mais de uma pessoa que nem mora aqui. As pessoas pensam que estão escondidas atrás de um celular ou um computador. E que isso vai ficar assim. Alguém se prestar a esse papel, se esconder atrás de um perfil falso. Não é normal. Ela precisa se tratar, se cuidar — afirma.
Clau conta que não chegou a se sentir abalada pelas ofensas, mas que se preocupa com outras pessoas que possam passar pelo mesmo e não reajam da mesma forma. Após a conversa, ela bloqueou o perfil — mais tarde, a conta foi desativada, segundo a Polícia Civil.
— Não me senti para baixo com o que essa pessoa falou. Uma pessoa que eu nem conheço, não sabe a minha história. Mas se ela ataca uma pessoa com depressão, que está passando por problemas, fragilizada, é muito grave. Quem é ofendido, deve procurar seus direitos — diz.
A investigação
— Entendemos que é um caso de injúria preconceituosa por causa da procedência nacional da vítima. Ela usou a expressão "nordestina cabeça grande" de forma pejorativa, tentando ofender a vítima — explica o delegado Leandro Vieira Leite.
Desde que teve acesso às mensagens recebidas pela vítima, ele suspeitou que quem estava por trás das ofensas era uma mulher. Por causa de um detalhe. A pessoa usou a palavra "obrigada", ao invés de "obrigado". Para descobrir a autoria, os policiais solicitaram ao Facebook que fossem informados dados sobre o perfil fake. Foi assim que chegaram até a gaúcha.
— Conseguimos localizar o IP (número que identifica um dispositivo em uma rede) e identificar o telefone dela vinculado ao perfil. Quando faz a conta do Facebook, ele te pede código de verificação de telefone ou e-mail. Ela usou o telefone. Tudo indicava que seria uma mulher. Chegamos à conclusão de que seria ela mesma — explica o delegado.
A jovem foi intimada por meio do WhatsApp e interrogada por videoconferência. Aos policiais, ela negou ter sido a responsável. Mas, para a polícia, ela cometeu injúria racial. O indiciamento se deu com base nas ofensas à procedência da vítima.
— A investigada se mostrou surpresa com o contato da polícia do Amapá. Pediu desculpas várias vezes. Disse que gostaria de se retratar. Ela afirma que não é ela. Mas, na delegacia, todo dia senta um na minha frente e afirma que não praticou um fato. A prova técnica está materializada no inquérito, razão pela qual ela foi indiciada — detalhou o delegado.
A pena para o crime de injúria racial é de reclusão de um a três anos e multa.
"Já me desculpei por algo que não fiz", alega investigada
GZH entrou em contato com a investigada, moradora da zona sul da Capital. Mãe de dois filhos e grávida do terceiro, ela nega que tenha sido a responsável pelas ofensas. Assim como em depoimento à polícia, ela se desculpou pelo fato, mas disse que não enviou as mensagens.
— Com certeza não fui eu. Jamais faria uma maldade dessas. Estou sem ação. Se fosse no meu nome, mas é uma conta que não sei de quem é. Não faço ideia — afirmou.
Questionada sobre o fato de a investigação ter identificado seu IP e telefone, ela atribuiu as ofensas a outra pessoa que tenha usado seus dados para isso. Afirmou ainda que não usa o chip vinculado ao perfil no Facebook há três meses.
— Pode ser que alguém tenha usado meu telefone. Tenho crianças. Perguntei aqui em casa, tentei pesquisar no meu celular, não encontrei essa conta. Estou sendo acusada de injúria racial. Vai contra todos meus princípios. Já me desculpei por algo que não fiz. Outra pessoa pode se passar por mim na internet. Qualquer pessoa pode ter pego o chip. Peço desculpas. Continuo pedindo, mas isso não saiu da minha boca — diz.