O temor de uma convulsão social entre os caingangues devido às disputas de poder na reserva da Guarita levou a Fundação Nacional do Índio (Funai) e o Ministério Público Federal (MPF) a pedirem intervenção federal no local. Ainda não há resposta do governo federal. Segundo a procuradora da República Camila Bortolotti, uma das quatro que analisa questões da reserva da Guarita, os arrendamentos ilegais de terra são problemas crônicos, além de outros crimes que estão sendo investigados.
— Vamos tentar um Termo de Ajustamento de Conduta que substitua os arrendamentos por parcerias de fato — diz ela.
Nas três últimas décadas, o maior número de processos judiciais relacionado à reserva envolve venda de madeira e extorsões variadas, mas há também casos de exploração sexual por parte de lideranças caingangues. Confira alguns dos casos.
Venda de madeira: em 1986, o então cacique da tribo foi indiciado e processado por venda ilegal de madeira na Reserva Caingangue da Guarita. Agentes da Polícia Federal, disfarçados, acertaram a compra de palanques de madeira-de-lei vendidos em quatro serrarias de Tenente Portela. Compravam a madeira já cortada e vendiam pelo dobro do preço. Ela era oriunda de árvores de mata nativa da reserva. O próprio cacique admitiu que deu autorização para venda do material, mas assegurou que era proveniente de árvores caídas na floresta.
Arrendamentos ilegais de terra: em 2005 um servidor da Fundação Nacional do Índio (Funai) foi denunciado por improbidade administrativa. Ele emitiu mais de 50 autorizações de trabalho para brancos dentro da reserva caingangue da Guarita. Essas pessoas ingressavam com máquinas agrícolas, semeavam e colhiam, mediante repasse de propina às lideranças indígenas. O inusitado é que o servidor da Funai dava autorização para que assim procedessem. O processo judicial concluiu que o servidor teve "... conduta omissiva, procedendo de forma desidiosa, ao não representar às autoridades competentes contra a ilegalidade dos arrendamentos na Terra Indígena Guarita, praticados sob a forma de prestações de serviços".
Venda de bens da Funai aos índios: o ex-cacique Valdir Joaquim (processado agora por assalto a banco) foi condenado em primeira instância por trocar um trator pertencente à Funai, ano 1978, por um trator mais velho, ano 1973, e mais cinquenta sacas de soja. A transação foi feita com um grupo de agricultores brancos que arrendava terras na Reserva da Guarita. O juiz federal concluiu que ocorreu peculato (corrupção envolvendo bem público). O ex-cacique Ivo Ribeiro também foi condenado por peculato por vender outro trator, ano 1990, pertencente à Funai. Ambos foram condenados a dois anos e dois meses de reclusão.
Exploração sexual de adolescentes: em 2000 o então cacique Valdir Joaquim, da reserva caingangue da Guarita, foi indiciado e processado por exploração de adolescentes indígenas com fins de prostituição. A ação judicial transformou 10 pessoas em réus, quatro delas de origem indígena. O caso tinha sido denunciado em reportagem de Zero Hora (confira trecho abaixo), que flagrou índias menores de idade se prostituindo com caminhoneiros da região. Várias delas afirmaram terem sido estimuladas pelo cacique. O cacique também foi indiciado numa comissão de inquérito na Câmara dos Deputados que investigava prostituição.
Cacique preso por roubo a banco aguarda julgamento
O cacique caingangue Valdonês Joaquim e o pai dele, o ex-cacique Valdir Joaquim, ambos líderes na reserva da Guarita, estão presos desde 16 de novembro de 2017 por conta de inusitada acusação contra chefes indígenas daquela região. Os dois são processados judicialmente por envolvimento em assalto a banco. A sentença deve sair nos próximos dias.
Valdonês é o cacique que antecedeu Carlinhos Alfaiate na liderança na Guarita. Ele e seu pai teriam dado abrigo a um grupo de assaltantes, que se escondeu em uma das aldeias do município de Tenente Portela. Em 6 de fevereiro de 2017, um bando de criminosos rendeu guardas e clientes da agência do Banrisul de Miraguaí e fez cordão humano com reféns em torno do prédio.
Um dos guardas da agência foi amarrado em um veículo, enquanto um sargento da Brigada Militar (BM) era atado em outro carro. O policial teve arma, colete balístico e algemas levados. Os ladrões fugiram para a reserva da Guarita, mas, ao longo do ano, 21 pessoas foram presas por envolvimento no assalto. Duas delas são ligadas ao Primeiro Comando da Capital (PCC), facção paulista que tem ramificações no RS.
Vários indícios ligaram os criminosos aos dois caciques:
- A partir de um helicóptero, PMs avistaram um Uno abandonado, que teria sido usado para fuga dos bandidos e era de propriedade de um familiar do cacique Valdonês Joaquim.
- O rastreamento de celulares do cacique e do pai dele teria demonstrado comunicação com bandidos na véspera e na hora dos assaltos.
- Testemunhas da aldeia reconheceram os ladrões como grupo com o qual os dois caciques, pai e filho, teria promovido churrascadas na área indígena.
- Buscas na reserva localizaram um acampamento dos assaltantes. Foram detidos quatro índios.
- Num diálogo telefônico interceptado com autorização da Justiça, um dos envolvidos no assalto, o não índio Alessandro dos Santos, o Palmeirinha, relata que o cacique Valdonês deu ajuda ao bando de criminosos que assaltou dois bancos de forma simultânea em Miraguaí, em fevereiro deste ano. "Na real, piá, quem apoiou vocês em tudo mesmo foi o cacique. Quem mandava boia para vocês lá embaixo, o acampamento lá embaixo é do cacique, a moto é do cacique, tudo... Quem apoiou vocês em tudo foi o cacique", disse ele a outro ladrão.
Valdonês e Valdir estão presos no Presídio Regional de Três Passos. O processo está em fase de alegações finais.