Enquanto esperava atendimento em um posto de saúde de Charqueadas, na manhã desta segunda-feira (26), um estudante do Instituto Estadual de Educação Assis Chateaubriand ouviu um vizinho contar ao seu avô sobre um acidente. O homem havia cortado o pé com um machado.
— Pelo amor de Deus, não me fala em machado! — pediu o menino de 12 anos.
A súplica remetia a um trauma. Trata-se de um instrumento parecido à machadinha que o feriu, no início da tarde da última quarta-feira (21), em um ataque ao ambiente escolar.
Inspirado no episódio de Suzano (SP), um adolescente de 17 anos entrou na sala de aula onde estava a turma 71, do 7º ano, estourou um coquetel molotov e distribuiu golpes. Além do garoto, outros dois alunos foram feridos.
O menino soube, pela voz de uma enfermeira, que tiraria os seis pontos que levou no corte na próxima quarta-feira (28), antes do previsto. A boa notícia veio no mesmo dia em que o estudante retomaria a sua rotina. Depois de suspender as atividades, o Assis, como é conhecida a escola, reabriu nesta segunda-feira para restabelecer as aulas e superar o baque.
Antes de sair, o menino contou que estava nervoso. Na casa do avô, onde mora, preparou-se para o retorno. Tomou banho, vestiu a camisa de um dos seus times preferidos, o Manchester City, almoçou e colocou os cadernos de matemática, português e ciências na mochila.
— Mas, hoje, a aula não vai ser para estudar. Vai ser para recuperar a mentalidade dos alunos — avisou.
Por que não divulgamos os nomes dos envolvidos?
GaúchaZH não divulga os nomes dos jovens feridos no ataque à escola em respeito ao Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). Eles são considerados menores em situação de vulnerabilidade. O autor confesso, de 17 anos, também é amparado pelo ECA.
Na escola, o menino passou a ser reconhecido como herói desde o ataque. Ao ver o agressor indo em direção a uma colega com a machadinha, arremessou o seu corpo em frente a ele, para protegê-la. Ele ainda reuniu as meninas nos fundos da sala para ajudá-las a sair pela janela. Depois que o adolescente escapou, saiu correndo para tentar alcançá-lo. Foi impedido por uma professora, que socorreria o seu machucado.
— Eu sinto um pouco de medo, ainda. Quando eu me deito, é a hora que eu começo a refletir sobre o dia... Aí, me lembro de tudo o que aconteceu. Mas eu fecho os olhos e durmo bem rapidinho — contou o menino.
Pouco antes das 13h, saiu rumo à escola, na carona da bicicleta do avô. No percurso de 1,5 quilômetro, encontrou um colega, que também presenciou o ataque. Perguntou se ele havia se machucado ao pular a janela.
— Eu não saí da sala, fiquei agachado com uma cadeira nas mãos para me proteger — respondeu o garoto.
Ao chegarem ao Assis, viram o movimento atípico. Dois brigadianos faziam o policiamento em frente ao prédio, e os corredores estavam enfeitados com cordinhas coloridas, balões azuis e brancos e um varal de cartazes com frases de acolhimento. Logo na entrada, encontrou a diretora da escola, Ana Cristina de Paula, em quem deu um longo abraço.
— Os alunos realmente estão bastante sensíveis. Em cada um, há uma intenção de receber e de ajudar — disse Ana Cristina.
Aos olhos do avô, o menino passou distribuindo abraços e perguntando como os colegas se sentiam. Pelas paredes, dezenas de cartazes com frases de apoio, confeccionados pela turma da manhã, davam as boas-vindas aos estudantes. "Não é o que te acontece, mas como você lida. Estamos aqui para ajudar vocês a lidarem com isso", dizia um deles. Dentro da sala da turma 71, o clima era de agitação. O assunto, um só.
— Estou com medo de ficar aqui — admitiu uma das colegas, com as mãos trêmulas.
As crianças só se aquietaram quando a professora entrou. Foi seguida de três psicólogos da cidade, que se voluntariaram para atendê-los. Os profissionais se organizaram em um grupo de WhatsApp e estão se revezando para conversar com os estudantes.
— Somos todos sobreviventes aqui. Hoje, é voltar para fazer o enfrentamento da realidade. A rotina está nos puxando de volta, estamos aqui para celebrar a vida e a união — disse à turma uma das psicólogas, Rosângela Owicki.
A sua fala foi seguida pela do professor de educação física Juliano Mantovani, que desarmou o agressor no momento do ataque, evitando uma tragédia. Logo que entrou na classe, ele chamou uma das meninas, que chorava, para sentar ao seu lado. Pela sala, outras se abraçavam.
— Por onde eu passo, as pessoas dizem "parabéns, o senhor é um herói". Na verdade, pessoal, o verdadeiro herói não mostra a sua identidade. E vocês são os verdadeiros heróis — discursou Mantovani.
Após a recepção, a turma 71 foi chamada para o pátio, onde se reuniu com os demais estudantes do Assis para assistir a um culto religioso, antes da hora do lanche coletivo. O mini-herói posicionou-se em frente aos colegas, chamado pela diretora que queria homenagear a sua coragem.
— Tenho esperança de que tudo volte ao normal, que as pessoas se recuperem bem. Aconteceu, mas não vai se repetir. Bola para a frente — afirmou o garoto.