Sobre trilhos ou plataformas, cenas de violência volta e meia rondam passageiros do trensurb. Na relação de histórias cotidianas do meio de transporte público que liga Porto Alegre a Novo Hamburgo cortando outras quatro cidades, com média diária de quase 150 mil passageiros, há muitas de furtos, roubos, arrastões e vandalismo. Quem as relata são os próprios usuários.
A reportagem realizou uma viagem de ida e outra de volta da Estação Mercado, no Centro Histórico da Capital, à Estação Esteio, na Região Metropolitana. No trajeto e nas plataformas, foram ouvidas 60 pessoas e nove delas afirmaram terem presenciado cenas de violência em período recente, inferior a um ano. Uma, inclusive, foi vítima. As demais, testemunhas.
Ainda na Estação Mercado, antes de embarcar, uma secretária de 42 anos descreve um furto que testemunhou.
— Vi a correria e as pessoas gritando. Depois, fiquei sabendo que tinham roubado o Iphone de uma guria — conta.
Já com o trem em movimento, quem faz o relato é o passageiro que diz ter sofrido diretamente os reflexos da violência. Trata-se de um militar de 21 anos, morador de Porto Alegre que presta serviço em um quartel de São Leopoldo. O rapaz diz que, em um arrastão há cerca de seis meses, em uma viagem noturna, após as 22h, três homens levaram o celular dele e os de outras pessoas.
— Estavam com uma faca, que pode ser uma arma mais perigosa do que as de fogo — diz.
Mesmo que celulares sejam um dos alvos preferenciais dos ladrões que agem no trem, as pessoas não se sentem intimidadas em usá-los durante as viagens. Em pé ou sentados, os passageiros navegam nas redes sociais, trocam mensagens, ouvem música ou, em menor número, telefonam. Muitas reclamações estão relacionadas a vendedores e pedintes.
E não é para menos. Durante as viagens, suas vozes, em altura de discurso, são constantes e se misturam durante o trajeto. Os ambulantes oferecem principalmente acessórios para celular, como fones de ouvido, suporte, carregadores e protetores. Um deles até dispõe de máquina para pagamentos com cartões. Balas, chocolates e rapaduras também são ofertadas aos montes. No outro grupo, o dos pedintes, a tônica são histórias tristes, de doença e dificuldades financeiras.
O auxiliar de carga e descarga Patrick Souza, 25 anos, conta que testemunhou uma ocorrência na plataforma de uma das estações de Canoas, recentemente. Por volta de 22h, uma mulher foi assaltada.
— Desci do trem e perto da saída vi um homem dar um puxão em uma mulher. Ele pegou o celular e correu — lembra.
Já o furto relatado por uma demonstradora de 33 anos não foi percebido no momento da ação.
— Quando uma mulher foi desembarcar, caiu tudo que estava na bolsa. Ela foi cortada com um estilete, gritou e houve tumulto — conta.
Outra vítima também teve a bolsa levada, no início do ano.
— Na hora em que o trem parou e a porta foi aberta, um rapaz puxou a bolsa e saiu correndo — lembra.
Confusão, assalto e correria
Na plataforma de Esteio, a universitária Amanda Araújo, 27 anos, também presenciou um crime. Ela assistiu a uma cena a distância, em uma viagem, por volta de 21h30min.
— Estava saindo da faculdade e vi a confusão no vagão de trás. Foi uma correria, um assalto — relata.
Mas não são apenas os furtos e roubos que causam confusão. Um corretor de 57 anos conta que, lá pela metade de 2018, um homem foi acusado por uma mulher de tê-la molestado.
— Quando ela reclamou, outros passageiros pegaram ele e o fizeram descer na Estação Esteio. Mas ficaram ali até a chegada da Brigada Militar.
Durante a viagem feita pela reportagem, três guardas ferroviários embarcaram na Estação Petrobras. Percebendo a presença do trio, um vendedor de suporte para celulares escondeu a mercadoria e misturou-se aos passageiros. Acabou sobrando para um músico que, denunciado pelo violão, foi obrigado a desembarcar na Estação São Luiz, em Canoas. Mal eles desceram, outro ambulante anunciou sua mercadoria.
— O cara do violão, que anima a viagem, eles (os guardas) põem para fora. Agora, esses caras que vendem contrabando não são pegos — diz um idoso.
Sentado de frente para ele, um gráfico de 64 anos afirma que brigas, arrastões e vandalismo são comuns nas primeiras viagens de sábado, no sentido Interior.
— Entram bandos que parecem ter passado a noite em festas. Eles fumam maconha, bebem, despejam o líquido de extintores (de incêndio), brigam, fazem arrastão, é um horror.
Contraponto
Por meio de nota, a empresa Trensurb informou que mantém um sistema complexo de segurança e de assistência ao usuário, que engloba rondas móveis, postos fixos e monitoramento por meio de um circuito fechado de TV com cerca de 400 câmeras com linhas diretas de comunicação e espelhamento de imagens com órgãos da segurança pública.
Confira trecho da nota:
“A empresa orienta que usuários do sistema que presenciem ou sejam vítimas de violência entrem em contato com a empresa por meio do telefone de emergência (51) 3363-8026 ou enviem SMS para o canal de denúncias/emergências (51) 98463-9863 (ambos disponíveis 24 horas). Também podem procurar um dos empregados do metrô nas estações. Em caso de denúncia, a segurança metroviária busca atuar da forma mais breve possível, estando preparada também para atender a vítima e/ou para conduzi-la até uma delegacia de polícia para registro de ocorrência. É possível ainda entrar em contato com a Ouvidoria da Trensurb (que funciona em dias úteis, das 7h às 19h) por meio do telefone ponto a ponto disponível em todas as estações, pelo telefone (51) 3363-8477, por Twitter (@trensurb), Facebook (TrensurbOficial) ou e-mail (ouvidoria@trensurb.gov.br ).”