Para desvendar o desaparecimento do gerente do Sicredi Jacir Potrich, 55 anos, a polícia se lançou a uma verdadeira trama de possibilidades. De sequestro, suicídio, até chegar a uma briga de vizinhos. Uma a uma, as hipóteses foram esmiuçadas. Algumas ganharam força. Outras foram descartadas por falta de indícios. A movimentação dos policiais no caso — que na próxima semana completa três meses — jogou os holofotes para a pequena Anta Gorda, município no Vale do Taquari com pouco mais de 6 mil habitantes.
Após o inquérito perder o caráter sigiloso, GaúchaZH teve acesso ao documento entregue à Justiça. Das 302 páginas, 48 são de operações bancárias suspeitas realizadas por clientes do Sicredi. As informações foram exigidas pela polícia e entregues no dia seguinte à solicitação, em 13 de dezembro. Consta também montagem de imagens de câmeras com os últimos passos de Potrich: a saída do banco, a passada rápida em casa no meio da tarde e o retorno da pescaria, às 19h07min. Foram obtidas gravações de pelo menos sete locais diferentes.
As imagens ajudaram a polícia a entender o que pode ter acontecido no condomínio, construído por Potrich com outros dois amigos — o dentista Carlos Alberto Weber Patussi, 52 anos, e um empresário.
Na época, outras versões estavam sendo investigadas. Patussi, que teria uma desavença financeira com o bancário, não virou o alvo número 1. Só em 17 de janeiro o delegado Guilherme Pacífico pediu a prisão do dentista, autorizada pela Justiça quatro dias depois. O homem foi preso em Capão da Canoa, no Litoral Norte, em 23 de janeiro. Ele foi solto após a defesa ingressar com um pedido de habeas corpus no Tribunal de Justiça (TJ-RS), no dia 31.
Após quase três meses à frente das investigações do desaparecimento, o delegado Guilherme Pacífico deixou o caso na última sexta-feira (1º). Natural do Espírito Santo, o policial retorna à terra natal para assumir a subchefia da Secretaria de Estado da Segurança Pública e Defesa Social (Sesp). No lugar dele ficará o delegado Márcio Marodin, que também trabalhava em Soledade.
Entenda os passos da investigação que culminaram na prisão, e depois soltura, do vizinho de Potrich:
1 — Sequestro de gerente
Inicialmente, a polícia tratou o caso como sequestro com intuito de obter vantagem financeira. Por isso, a Delegacia de Roubos do Departamento Estadual de Investigações Criminais (Deic) passou a atuar com a polícia local. A hipótese ganhava força pelo fato de Potrich ser gerente de banco. No dia seguinte ao desaparecimento, era esperado um carro-forte no Sicredi. Com o sumiço do bancário, a rota do veículo foi alterada e chegou à cidade duas horas mais tarde.
Além do banco, a polícia se ateve ao condomínio onde a família morava. Buscas foram feitas com cães farejadores. Até um açude do residencial foi esvaziado. Na época, os investigadores cogitaram a possibilidade de os criminosos terem acessado o terreno por uma parte dos fundos onde não há monitoramento. Mas não foram localizados sinais de passagens recentes nem danos na cerca. Com o passar dos dias e sem pedido de resgate, a hipótese de sequestro foi descartada.
2 — Suicídio
O sumiço repentino do bancário também lançou luzes sobre a hipótese de suicídio. As investigações mostraram que em 13 de novembro, dia do desaparecimento, Potrich seguiu a rotina normalmente. Chegou à agência no horário de sempre, almoçou em casa, foi a uma pescaria. No retorno, limpou peixes no quiosque do condomínio e tomou uma caipirinha.
Mas objetos deixados sujos fizeram a família desconfiar de que os últimos momentos dele fugiram ao habitual. Um funcionário do condomínio constatou que o bancário pescou dois tipos de peixe. No freezer, Potrich guardou jundiás, já limpos. Na bancada de serviço, havia escamas de carpas.
"Possivelmente, durante a limpeza das carpas, aconteceu o desaparecimento de Potrich", observa a polícia no inquérito. Além disso, facas e outros utensílios deixaram de ser limpos, o que fugiu à personalidade de Potrich, classificado como "metódico e sistemático" segundo as testemunhas.
Os investigadores ouviram uma série de pessoas, que relataram que Potrich e a mulher, Adriane Balestreri Potrich, 53 anos, viviam "ótimo momento pessoal, profissional e financeiro", segundo inquérito. "Jacir gozava de boa saúde e estava emocionalmente estável, não recaindo nenhuma suspeição ou motivação para possível suicídio", consta no inquérito.
Para a polícia, o suspeito do crime — Carlos Patussi — tinha a intenção de mostrar que "Jacir seguiu a rotina e, após terminar, decidiu sumir, cometer suicídio".
3 — Vingança de cliente com dívidas
Um homem que perdeu terras para o Sicredi também acabou na mira da polícia. Preso diversas vezes por tráfico de drogas, o suspeito já havia ameaçado o bancário de morte — ele está em prisão domiciliar desde maio. Potrich ia pessoalmente fazer cobranças a devedores, "nutrindo desafetos ao longo dessas práticas", salienta o relatório da polícia.
No dia do desaparecimento, funcionários do Sicredi fizeram pessoalmente uma cobrança a dois fiadores do homem, "sendo recebidos de forma agressiva", conforme inquérito.
Devido à suspeita, os telefones do ex-cliente e de outras duas pessoas foram interceptados pela polícia em 19 de novembro, com autorização da Justiça. A intenção era identificar alguma possível extorsão. "Não apareceram elementos de suspeição sobre ele e envolvimento no caso", apontou o inquérito. A polícia também conseguiu descobrir que o investigado não estava na cidade no dia do sumiço.
4 — Quadrilha de estelionatários
As investigações apontaram ainda para um grupo de estelionatários que atuava em todo o Estado, mas tinha base em Anta Gorda. “A referida quadrilha executa suas ações abrindo empresas, adquirindo produtos, realizando os primeiros pagamentos e, na sequência, realizando compras maiores e deixando de efetuar o pagamento, lesando numerosas vítimas”, diz o relatório da polícia.
Os investigadores identificaram o pagamento em um agente credenciado (máquina de pagamento de títulos) instalada no escritório de contabilidade da mulher de Potrich e do filho do casal, Vinicíus Ballestreri Potrich.
“Constatamos que Jacir Potrich tomou conhecimento dos fatos e que aconselhou Adriane e Vinícius a não mais aceitar qualquer tipo de pagamento efetuado pelos suspeitos, enfatizando que tomaria providência para denunciar a quadrilha.”
Na época, o delegado pediu a interceptação telefônica de oito números de membros do grupo de estelionatários, o que foi atendido pela juíza Jacqueline Bervian. Nenhum indício que ligasse os integrantes da quadrilha ao sumiço de Potrich foi encontrado.
5 — Possível envolvimento de outra família
Nem mesmo uma mulher próxima à família de Potrich escapou do crivo da polícia. Segundo inquérito, os parentes dessa pessoa têm “envolvimento em crimes graves”. Além disso, a abertura de duas franquias de café por um homem que mantém relacionamento com essa mulher foi apurada.
O dinheiro para o negócio havia sido emprestado pelo bancário – R$ 600 mil para unidade em Passo Fundo e R$ 450 mil para Erechim. “Informações deram conta de que Potrich não estava satisfeito com a forma que o dinheiro seria restituído, nem com a sociedade da franquia de Erechim”, no qual figuravam como sócios essa mulher, um irmão e a mãe dela. A polícia grampeou o telefone da família da jovem e, após 15 dias, foi descartado o envolvimento dos parentes dessa mulher no sumiço.
6 — Vingança
A vinda repentina de um parente do Mato Grosso do Sul para Anta Gorda também intrigou a polícia. O sobrinho de Potrich, Arthur Gonçalves Balestreri, chegou à cidade em abril do ano passado — sete meses antes do sumiço do bancário. Recém-formado em contabilidade, o jovem afirmou em depoimento à polícia que recebeu um convite de Adriane para trabalhar no escritório. Arthur passou a morar na casa dos tios e, segundo relatou à polícia, era tratado como filho.
O pai do jovem, Valdir Balestreri, foi morto em 2004 em Campo Grande e o caso nunca foi solucionado. Natural de Anta Gorda, foi para o Centro-Oeste trabalhar como veterinário para uma família gaúcha. Acabou sendo demitido e ingressou com uma ação trabalhista. Logo depois, foi assassinado. Na época em que Potrich desapareceu, ocorreu o último julgamento do caso, que determinou o pagamento de R$ 800 mil à família de Valdir.
"Informações deram conta que Jacir interveio nas investigações da morte de Valdir, bem como na ação trabalhista, o que teria desagradado aos herdeiros."A polícia chegou a suspeitar que o desaparecimento do gerente do Sicredi pudesse ser uma vingança contra a família Balestreri.
No dia do desaparecimento, o sobrinho trabalhou no escritório da tia. Depois, foi a um salão pintar os cabelos. Imagens de câmera de segurança mostram Arthur chegando ao condomínio às 20h29min, quando nota a ausência de Potrich. Ele telefona para Adriane, que está na casa do filho, em Passo Fundo. A mulher tranquiliza o sobrinho.
"Era o dia do tio sair para pescar ou caçar rãs, e que ele não teria hora para chegar", disse Adriane à polícia.
Após 40 minutos, câmeras gravam Arthur saindo da residência pela parte da frente, após ouvir barulhos na maçaneta. Em depoimento, o jovem relatou que ficou em casa vendo séries e só foi dormir à 00h40min.
A hipótese de uma vingança do Mato Grosso do Sul foi descartada no começo de dezembro, a partir de documentos aos quais a polícia teve acesso — não há detalhes sobre o conteúdo deste material.
7 — Briga de vizinhos
Um dia após o desaparecimento do bancário, os investigadores já sabiam da desavença entre Potrich e o vizinho Carlos Alberto Weber Patussi. Com o passar dos dias, a desconfiança em relação ao homem foi crescendo. Os investigadores notaram resistência dele em dar aos policiais o computador no qual estavam imagens de câmeras de segurança. Os agentes tiveram ajuda do outro morador, considerado o apaziguador da rivalidade entre os dois, para ter acesso ao material.
Horas depois, Patussi exigiu a entrega da memória alegando fragilidade na segurança do condomínio. “Esse momento foi o único em que Patussi se aproximou de algum agente que trabalhou na investigação”, pontua o inquérito.
Devido ao tempo limitado, os investigadores só conseguiram copiar as imagens do período das 19h à 00h01min. Uma testemunha afirmou que, após a devolução, o equipamento foi trocado por Patussi. Para a polícia, o gesto foi entendido como uma forma de “eliminar provas contra si”.
A partir das imagens, a polícia concluiu que Patussi foi a última pessoa a ver Potrich vivo no quiosque, após o bancário chegar de uma pescaria. Além do dentista, estava no condomínio a sua mulher, que entrou em casa, tomou banho e saiu para um curso em Porto Alegre. Ela permaneceu no local por 37 minutos. As câmeras gravaram o momento em que Patussi voltou do quiosque, sobiu no telhado, analisou o local, desceu e mexeu em duas câmeras. Uma delas foi apontada para o alto e outra acabou sendo desligada.
Segundo a polícia, o dentista apresentou versões diferentes para a movimentação dos equipamentos, justificando uma “limpeza das câmeras”, citando teias de aranha ou retirada de ninhos de pássaros. Para os investigadores, o motivo era outro: “Alterar o foco, intencionalmente, impedindo que a parte dos fundos de sua casa fosse vigiada, permitindo assim a livre circulação, após aquela movimentação suspeita flagrada”.
O desinteresse de Patussi pelo desaparecimento do vizinho fez dele um suspeito. As imagens comprovam que o homem tentou agilizar a saída da mulher do condomínio, manobrando o carro dela. Segundo depoimento dela, o marido estava “nervoso, ansioso, insistindo para que ela fosse para Porto Alegre logo, pois teria um temporal”.
“Mas o principal fato que nos leva à derradeira culpabilidade de Patussi foi a ação de obstrução de captação de imagens de videomonitoramento. Resta-se claro que a intenção de Patussi era de eliminar as câmeras, para, a posteriori, dar destino/ocultação ao corpo” , diz o documento.
As interceptações telefônicas permitiram que a polícia identificasse “contradições” de Patussi, além de “mudanças de comportamento e criação de álibis para atrapalhar o serviço policial”. Durante as buscas no condomínio, realizadas por dois dias seguidos, todas as ações policiais eram relatadas a Patussi por um funcionário dele.
Uma das contradições do dentista foi afirmar que ele teria subido ao telhado para verificar o serviço realizado pelo pintor na caixa d’água. Os investigadores constataram que não houve preocupação em analisar o serviço, a ponto de ele encostar na parede da chaminé – que deveria estar com tinta fresca. “Não estava agindo normalmente.”
Entre as razões apontadas para o dentista ser considerado suspeito de matar Potrich está uma desavença antiga decorrente da troca de endereço da sede do Sicredi na cidade. O antigo imóvel fica em frente ao local atual, próximo da praça principal da cidade, e é de propriedade do dentista. Segundo testemunhas ouvidas pela polícia, Patussi se sentiu “traído por não ter sido avisado da troca de endereço”.
GaúchaZH teve acesso à matrícula do imóvel, na qual consta que a sala comercial tem 178 metros quadrados e está avaliada em R$ 196 mil. Hoje, funciona no local uma empresa de informática.
O que diz a defesa de Patussi
O advogado do dentista, Paulo Olimpio Gomes de Souza, nega que Patussi tenha demonstrado resistência em entregar as gravações e salienta que houve seleção das imagens, fazendo com que fossem "desprezadas outras que o mostravam em situação de naturalidade".
Olimpio reforçou que era hábito de seu cliente subir ao telhado, inclusive quando estavam sendo feitos serviços na casa. O advogado negou que o dentista tenha manobrado o carro da mulher para agilizar a saída dela.
— Fazia isso sistematicamente. Ela não gostava de fazer essa manobra no carro.
Além disso, o advogado salienta que Patussi e Potrich não se encontraram no quiosque e que o local não era monitorado por câmeras.