Na contramão da interiorização do crime organizado e do crescimento da população, o Rio Grande do Sul caminha para ter menor número de policiais civis em quase quatro décadas. O Estado tem 873 agentes e delegados a menos do que no início dos anos 1980. São 4.976 responsáveis por investigar crimes, 48% abaixo do ideal. Há, em média, um servidor para cada 2.276 gaúchos. O efetivo não é o menor da história da Polícia Civil – em 2016, havia 50 a menos – mas representa o déficit a ser enfrentado pela nova cúpula da segurança. Na Brigada Militar, o cenário é similar: são 15 mil PMs a menos, o que significa ausência de 47% em relação ao que previsto em lei.
Num cenário de escassez de recursos, a Polícia Civil teme ficar ainda mais enxuta. Segundo o subchefe da corporação, Fabio Motta Lopes, 694 agentes estão aptos para se aposentar. Nos últimos cinco anos, 1.683 policiais civis deixaram a ativa no Estado. Somente em 2016, foram 535 baixas e, no ano passado, outras 247.
– Quando há indicativos de reforma na Previdência, a gente percebe um movimento grande de aposentadorias. Isso pode acontecer este ano – preocupa-se Lopes.
O subchefe confirma que o déficit obriga policiais a alterarem a forma de investigação. Em 2018, foram 693 mil ocorrências registradas pela corporação, ou seja, 139 por agente. No mesmo período, foram 222 mil inquéritos – média de 45 por policial. Caso o efetivo fosse o ideal, 9,7 mil, seriam 71 ocorrências e 22 inquéritos por servidor.
Quando há indicativos de reforma de Previdência, a gente percebe um movimento de aposentadorias. Isso pode acontecer este ano.
FABIO MOTTA LOPES
Subchefe da Polícia Civil
— Somos obrigados a focar em investigações dos crimes de maior gravidade e distribuir o efetivo de acordo com índices de violência. É um desafio, mas estamos acostumados porque nunca tivemos o efetivo ideal – afirma o delegado.
Criar estímulos para manter os agentes na ativa é, na visão da Ugeirm Sindicato, que representa investigadores, escrivães e inspetores, a forma de tentar evitar agravamento da situação.
— Desde a década de 1980, a violência se intensificou e não temos política de enfrentamento. É preciso levar em consideração melhores condições de trabalho, por exemplo. Quem vai querer permanecer numa delegacia abarrotada de presos e com estrutura caindo aos pedaços? A questão da reforma da Previdência tem causado insegurança sobre o nosso futuro e vai resultar em corrida às aposentadorias — analisa o vice-presidente da entidade, Fábio Castro.
"Não se faz segurança sem o elemento humano"
No início da década de 1980, o maior número de policiais foi registrado em 1985, quando chegou a 6.289. À frente do Sindicato dos Policiais Civis, Emerson Ayres espera que a nova chefia crie política de recomposição da categoria:
— Entendemos que a polícia trabalha com integração, inteligência e tecnologia, mas não se faz segurança pública sem o elemento humano. Não adianta comprar viatura e computador e não ter quem opere, não ter nem alguém para investigar e chegar à autoria.
O mundo do crime está se alastrando para o Interior, com assaltos a bancos, presença do tráfico, uso de armamentos pesados. Em contrapartida, temos efetivo enxuto.
CLEITON DE FREITAS
Presidente da Associação de Delegados
Cleiton Silvestre de Freitas, presidente da Associação dos Delegados de Polícia, também sugere que, além dos concursos, o Estado invista nos servidores da ativa, com treinamento e melhoria das condições de trabalho. O delegado diz que houve mudança no perfil da criminalidade no Interior, com a interiorização de facções, o que torna o déficit mais preocupante:
— Há cidades onde existe comarca, com juiz, e não tem delegado. O mundo do crime está se alastrando para o Interior, com assaltos a bancos, presença do tráfico, uso de armamentos pesados. Em contrapartida, temos efetivo muito enxuto.
Há uma esperança na corporação: 421 agentes estão em formação e devem estar aptos até maio. Há, ainda, cem delegados em fase de do concurso. Além disso, 1,2 mil agentes aprovados em seleção, em tese, podem ser convocados ao longo dos próximos anos. Isso depende de autorização governamental.
— Em razão da crise financeira do Estado, a gente não tem a certeza – afirma Motta.
15 mil PMs a menos, mas 2 mil em treinamento
Na Brigada Militar, o déficit se assemelha à realidade da Polícia Civil. De acordo com o comandante-geral, coronel Mario Ikeda, faltam mais de 15 mil policiais militares, o que representa 47% do ideal, 37.050.
Recentemente, 2 mil aprovados no último concurso foram chamados. A formação deve ocorrer até metade do ano. Além disso, outros 2,1 mil estão aptos para ser chamados, além de 500 do cadastro reserva. A decisão para chamar esses 2,6 mil é do Palácio Piratini.
– Quanto antes começar um curso e se iniciar o outro, vai auxiliar a diminuir esse déficit – observa oficial.
Solis Antônio Paim, presidente em exercício da Associação Beneficente Antonio Mendes Filho (Abamf), que representa cabos e soldados, entende que a possibilidade de reforma da Previdência é comentada na categoria e pode agravar a situação de escassez de recursos humanos.
– Quem já tem tempo de contribuição e idade, vai acabar indo embora – analisa.
“Há unidades com viatura, mas sem PMs”
Retirando o efetivo que atua em setores administrativos e batalhões específicos – como o Comando Rodoviário e o Batalhão Ambiental, apenas 10 mil PMs estão nas ruas. Para Paim, a solução é convocar mais aprovados e realizar concursos regularmente:
– Tem de investir em material humano. Tem unidades da BM que até tem viatura, mas não tem efetivo. É complicado.
Em entrevista recente a GaúchaZH, o vice-governador Ranolfo Vieira Júnior observou que a convocação de concursados é avaliada e depende da situação financeira do Estado.