Numa tentativa de transformar a dor em alerta, familiares e amigos de Michele Pires, 35 anos, percorreram 1,7 mil metros entre a capela onde foi realizada missa de sétimo dia da morte da bancária e o condomínio onde ela morava. O protesto, no bairro Ipanema, na Zona Sul, na noite dessa segunda-feira (17), tenta despertar a atenção para violência doméstica e feminicídios.
Ex-companheiro de Michele, Alisson Frizon, 31 anos, soldado da Brigada Militar, afastado da função há meio ano, foi preso em flagrante logo após o crime. A bancária realizava confraternização com amigos no residencial para onde havia se mudado recentemente, na noite de terça-feira, quando foi morta a tiros. Naquela tarde, ela esteve na Delegacia da Mulher.
— Oito horas antes de ser morta, por três vezes a policial insistiu para que representasse contra ele. Talvez isso tivesse ajudado. Eles detectaram o perfil violento. A minha sobrinha, pela questão emocional, não conseguiu entender. É preciso que as pessoas acreditem que isso é possível acontecer – lamenta o tio Marcos Pires, 53 anos, um dos organizadores do protesto.
A família entregou à policial que atendeu Michele uma camiseta com a fotografia da bancária. Segundo o tio, na noite do crime, a sobrinha disse para amigos estar com medo do ex, de quem havia se separado há cerca de seis meses. Ele não aceitava o fim da relação. Chegou a dizer que tinha receio que ele a matasse.
No trajeto entre a Capela Nossa Senhora Aparecida e o condomínio onde aconteceu o crime, na Avenida Juca Batista, cerca de 100 manifestantes pediam justiça e seguravam cartazes com frases como “Somos todos Michele” ou “Em briga de marido e mulher se mete a colher. Só não pode deixar morrer mais uma”.
— Queremos que mulheres e familiares não se calem perante a violência e as ameaças. É preciso que se fale, exponha. O silêncio é o principal cúmplice do feminicídio. É preciso romper o silêncio. Para não terminar dessa forma — disse o tio de Michele.
O filho da bancária, um adolescente de 12 anos, ainda tentou intervir quando viu a mãe ser atacada pelo ex-padrasto. Pulou sobre Alisson, mas acabou sendo retirado do apartamento pelos amigos de Michele.
— É um trauma. Ver tudo isso acontecer ali, ele correndo risco também — afirma o tio da bancária.
Envolvimento com facção motivou término da relação
Dias antes do crime, Alisson esteve no condomínio onde Michele morava, alegando que pretendia alugar um apartamento. Assim, teve acesso às chaves para entrar no residencial.
Segundo a delegada Tatiana Bastos, da Delegacia da Mulher da Capital, os porteiros relataram que tiveram de evitar a entrada dele no prédio. Na data do crime, o PM teria pulado uma cerca para acessar o prédio. Ele teria encontrado a bancária no corredor. Pediu para lavar as mãos no apartamento dela porque havia se machucado ao pular a cerca.
– Estava pingando sangue. Disse que queria ficar sozinho com a Michele e o filho dela. Foi aí que começou a briga. Os dois rapazes (amigos de Michele) tentaram intervir. Mas ele conseguiu atirar na direção dela – relata o tio da vítima.
Após os disparos, Alisson foi preso por um policial civil que reside no mesmo condomínio. A delegada Tatiana espera concluir o inquérito até o fim desta semana. Alisson optou por ficar em silêncio.
O policial foi afastado das funções em junho, quando uma operação investigou a ligação de um grupo de policiais com facção. À época, foram encontradas drogas na casa dele. O rompimento da relação teria ocorrido por causa do episódio.