— Tive vergonha de procurar a polícia. Meu marido e meus filhos não sabem. Não vão saber.
O segredo guardado há quatro meses pela aposentada, de 72 anos, moradora de Porto Alegre, expõe a realidade constatada pela Polícia Civil. Desde o fim de outubro, agentes dissecam materiais apreendidos durante operação contra o golpe do book fotográfico no Centro Histórico. Identificaram, pelo menos, 650 idosas ludibriadas. Dessas, apenas 82 fizeram registro — o que representa 12% dos casos. A estimativa é que cerca de R$ 500 mil tenham sido extorquidos das vítimas.
Álbuns, fotografias e documentos apreendidos nos estúdios alvos de mandados permitiram chegar até os nomes das vítimas, mesmo sem o registro dos crimes.
— A maioria, quando vem, diz que só quer esquecer a história e seguir em frente. Muitas não informam por vergonha da família, por constrangimento — afirma a delegada Larissa Fajardo, titular da Delegacia do Idoso, que coordenou a operação 15x21, desencadeada há um mês.
Além da vergonha, sentimento comum entre vítimas de estelionato, estes casos envolviam outra artimanha, como forma de coação. Os golpistas incentivavam as vítimas a serem fotografadas em poses sensuais. Se as idosas se negavam a pagar, ameaçavam divulgar as imagens na internet. Com medo de serem expostas, cediam.
Os policiais também descobriram que o que parecia uma abordagem ocasional, na verdade, fazia parte de um método com orientações e treinamento. Os estúdios tinham, inclusive, metas de captação de vítimas por dia.
A maioria, quando vem, diz que só quer esquecer a história e seguir em frente. Muitas não informam por vergonha da família, por constrangimento
LARISSA FAJARDO
Delegada
— Se vê que era algo premeditado. Havia orientação de como fazer, do que falar e sobre as fotos. Quanto mais fotografias, mais cobravam — relata a delegada.
Seis empresas foram alvo dessa investigação inicial. No entanto, o material foi apreendido em quatro delas. Duas não funcionavam mais no endereço alvo — uma se mudou para Santa Catarina. Outras três passaram a ser investigadas ao longo da apuração.
— Os estúdios investigados ou fecharam as portas ou não estão com clientela. Sabemos que existem outros, mas isso está em investigação separada. Acreditamos que a divulgação tenha reduzido o volume de vítimas — avalia Larissa.
Valor pode ser superior
O inquérito deve ser concluído no fim de janeiro. Os investigadores estão ouvindo vítimas que registraram ocorrência, testemunhas e suspeitos. As idosas que não procuraram a Polícia Civil, embora identificadas, não devem ser ouvidas. Documentos seguem sendo analisados.
— Pela análise da documentação, a gente conseguiu contabilizar valor superior a R$ 500 mil. Mas temos expectativa que seja bem maior — afirma a delegada.
Segundo Larissa, o golpe vinha sendo aplicado há anos, no entanto, desde julho de 2017 a polícia percebeu que houve aumento dos casos. A investigação se concentrou nesse período, já que as ocorrências mais antigas são do ano passado.
Os policiais não conseguiram apontar vínculo entre as empresas investigadas, embora isso não esteja descartado devido ao modo de ação semelhante. Os golpistas devem responder por estelionato contra idosos e por extorsão, já que as vítimas eram coagidas a fazerem o pagamento.
"A vergonha é o pior"
A idosa passeava pela Rua dos Andradas, próximo da Rua Doutor Flores, quando foi abordada pela jovem. A moça insistia para que fizesse teste de maquiagens. Depois, receberia algum brinde.
— Quando vi, já tinha subido com ela. Era uma salinha. Me maquiaram e começaram a fazer as fotos. Trocavam de roupas. Disse que não tinha como pagar, mas insistiam que era brinde — conta.
A fotógrafa elogiava a idosa e incentivava para que fizesse diferentes poses.
Fiquei com medo, desconfiada das pessoas. Elas pareciam boas. A gente se sente desamparada e triste. Mas a vergonha é o pior, não conseguir falar.
IDOSA
Vítima do golpe
— Dizia que estou muito bem para minha idade. Elas te envolvem — recorda.
Ao fim das fotos, o álbum foi oferecido por R$ 1,4 mil. A aposentada argumentou que não tinha dinheiro e o valor acabou em R$ 1 mil, dividido em oito parcelas. O álbum deveria ser retirado quatro dias depois.
— Em casa me dei conta que aquilo não estava certo. Não queria pagar, elas me pressionavam. Diziam que tiveram trabalho. Comecei a chorar — lembra.
A aposentada não voltou para retirar as fotos e agora evita circular sozinha pelo Centro. Sem coragem de contar para a família e registrar na polícia, segue tendo o valor descontado.
— Fiquei com medo, desconfiada das pessoas. Elas pareciam boas. A gente se sente desamparada e triste. Mas a vergonha é o pior, não conseguir falar.
Fique atento
O golpe:
Aliciadores, em geral jovens, abordam idosas, com cerca de 70 anos na rua. Prometem brindes, maquiagens e fotos de graça. Assim, as vítimas são convencidas a ingressar nos prédios comerciais, onde estão os pequenos estúdios. Lá, fazem diversas fotos. Na hora da saída, no entanto, vem a cobrança, com valores exorbitantes. Há registros de até R$ 4 mil. As vítimas são coagidas a fazerem o pagamento.
Como evitar:
O principal meio de se proteger é não conversar com estranhos. Não dar oportunidade para os golpistas. Eles têm capacidade de persuasão muito grande. Quando as vítimas se dão conta, já estão dentro do estúdio fotográfico.
Onde denunciar:
Quem foi vítima de algum golpe, deve procurar a Polícia Civil. Na Capital, o registro pode ser feito nas delegacias distritais ou na Delegacia do Idoso, localizada na Avenida Ipiranga, número 1.803.