O Tribunal de Justiça (TJ) decidiu fechar o setor que era a principal porta de entrada de denúncias sobre o sistema prisional gaúcho no Judiciário. O chamado "Setor de Fiscalização de Presídios" das Varas de Execuções Criminais (VEC) de Porto Alegre, que funcionava numa sala do Foro Central, não opera mais desde sexta-feira (17).
Os dois funcionários que assessoravam os magistrados das VECs foram exonerados. A dupla tinha como atribuição principal ouvir presos, familiares, policiais e agentes penitenciários sobre problemas no sistema prisional. Esse trabalho era feito em visitas às casas prisionais e nos balcões das próprias VECs. Além de receber as demandas, o setor dava o devido encaminhamento para soluções. As denúncias eram as mais variadas, desde questões de saúde até corrupção e violência. Em nota enviada a GaúchaZH, a coordenadora do Departamento de Direitos Humanos da Associação dos Juízes do Rio Grande do Sul (Ajuris), juíza Karen Louise de Souza Pinheiro, diz que o assunto será discutido pela entidade.
"Por intermédio do Departamento de Direitos Humanos da Ajuris, será pautada no Conselho Executivo da Associação a discussão acerca da fiscalização dos presídios, tendo em vista a importância da estrutura criada. Para além da fiscalização, pensa-se que se trata de forma de aproximação com o preso, atendendo-se questões relativas à violência, saúde, segurança. Além disso, embora a superlotação das casas prisionais, com a implementação do modelo, houve uma releitura e ressignificação do sistema prisional e progresso no atendimento. Por tais motivos será proposta a discussão da matéria, a fim de que sejam apontadas sugestões, evitando-se prejuízos à segurança, bem como à execução das penas e prisões provisórias em condições humanitárias", afirma o texto.
O coordenador do Núcleo de Apoio à Fiscalização de Presídios do Ministério Público (MP), Gilmar Bortolotto, que na época da criação do setor era promotor e atuava diretamente no sistema, destaca a importância desse espaço.
— Quando este projeto iniciou, considerei como sendo um passo importante no aprimoramento da atividade de fiscalização de presídios. O resultado dessa intervenção foi muito positivo, e inúmeros problemas foram evitados. O sistema carcerário brasileiro se transformou em um grande problema, e esta realidade pede que avancemos sempre mais no que diz respeito ao controle das prisões.
O dirigente do Núcleo de Defesa em Execução Penal da Defensoria Pública do Estado, Alexandre Brandão Rodrigues, manifesta preocupação com o fechamento do setor.
— Esse setor era a principal porta de entrada do Judiciário de denúncias da sociedade. Não só da Defensoria Pública, mas de familiares e de defensores dos direitos humanos. Esse setor colhia as denúncias e verificava a procedência. Com o fechamento desse setor, essas denúncias seriam encaminhadas para o próprio cartório da VEC. A nossa preocupação é se vai ter a mesma estrutura que tinha esse setor. Se não acontecer isso, é muito preocupante. Vai repercutir muito negativamente no trabalho da Defensoria Pública, como todo os outros setores do sistema interessados em descobrir abusos. É uma porta de acesso ao Judiciário que está se fechando.
Estrutura montada há 10 anos
O setor foi criado em 2008 pelo então presidente do TJ, desembargador Armínio José Abreu Lima da Rosa, em razão de um polêmico episódio que ocorreu no sistema prisional do Pará. Em 2007, uma adolescente de 15 anos ficou na cela de uma delegacia, no município de Abaetetuba, com 20 homens durante um mês. A partir disso, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) aprovou resolução que exigia dos juízes relatórios mensais de fiscalização dos presídios.
Servidores que atuam no sistema prisional que pediram para não ser identificados relatam que trata-se de um retrocesso o fechamento desse setor. Afirmam ainda que o acompanhamento de perto dos problemas reduziu drasticamente a violência e as mortes não esclarecidas nas cadeias. Além disso, o setor teria trazido maior transparência ao que ocorre atrás das grades.
O presidente do Conselho de Comunicação do TJ, desembargador Túlio Martins, afirma que não houve fechamento da estrutura, e sim um corte na equipe.
— O setor não fechou. Foi diminuído o número de assessores. Esse setor continua. Não alterou em nada a VEC. O Tribunal administra a escassez de recursos. As vagas foram redistribuídas. Está mantida a assessoria, mas foi diminuída para equalizar entre os magistrados — afirma Martins.
Nesta terça-feira (21), a porta do Setor de Fiscalização de Presídios do Foro Central de Porto Alegre estava chaveada.