Um forte tiroteio registrado no começo da madrugada desta segunda-feira (23) foi ouvido em diferentes bairros da zona sul de Porto Alegre. Relatos de pavor e indignação e áudios dos disparos circularam nas redes sociais. Em um ponto, todos os depoimentos se repetem: o tráfico de drogas está tirando a paz de parte dos moradores dos bairros Teresópolis, Nonoai e Santa Tereza.
Ainda assustado com os barulhos que ouviu por 10 minutos, um vendedor autônomo de 19 anos conta como passou pelos momentos vividos pela família, definidos por ele como "apavorantes".
— Estávamos em casa sentados conversando, perto da 0h20min, quando começaram os tiros. E foi bastante tiro. Daí parou por uns cinco minutos, depois começou de novo e não parou mais. Pela janela, dava pra ver as rajadas das balas. Foi muito apavorante. Ficamos assustados. As crianças estavam até chorando. Eu tremia de medo — disse.
Segundo o jovem, um de seus familiares ainda conseguiu ver um dos veículos fugindo em direção à Rua Orfanotrófio, após os cerca de 10 minutos de disparos.
Começamos a ouvir disparos regularmente. Eram poucos tiros, um aqui e outro ali, mas como ontem foi a primeira vez. Me preocupo, pois isso vem em uma crescente. Será que isso vai se tornar comum, como já vemos em outros Estados?
MORADOR DA ZONA SUL DE PORTO ALEGRE
— Com certeza foram mais de cem tiros — conta.
Outro morador do Teresópolis contou que os disparos foram ouvidos com muita intensidade. Segundo ele, a ação teria ocorrido em duas ruas diferentes que limitam o bairro com o Nonoai.
Para outro morador, a sensação era de que o prédio onde vive estava sendo atingido pelos tiros.
— Por volta da meia-noite, estávamos acordados, ainda com trabalhos do dia, quando ouvimos disparos muito fortes e intensos. Naquela hora, só pegamos nosso filho, que dormia, e levamos ele para o meio da sala de casa — contou.
Segundo a mãe da criança, quando sentiram-se mais seguros, foram para outro quarto, onde a cama fica afastada da janela.
— A gente tinha medo de ele ser atingido por uma bala perdida — relatou.
O casal, que mora próximo à Vila Alto do Erechim, onde aconteceu grande parte dos disparos, está inseguro:
— Começamos a ouvir disparos regularmente. Eram poucos tiros, um aqui e outro ali, mas (intenso) como ontem foi a primeira vez. Me preocupo, pois isso vem em uma crescente. Será que isso vai se tornar comum, como já vemos em outros Estados? — disse o homem.
Assaltos à luz do dia
Um aposentado de 42 anos também foi ouvido pela reportagem e desabafou:
— Nos últimos dias, vemos assaltos à mão armada em plena luz do dia nas ruas e no comércio. A praça onde os brigadianos fazem a ronda está coberta por mato e sujeira e o arrombamento das residências na região tem sido cada vez mais frequente. O clima está cada vez mais tenso.
O comandante do 1º Batalhão da Brigada Militar, tenente-coronel Mário Augusto, afirma que a polícia chegou ao local, mas os suspeitos que promoveram o tiroteio em três veículos já haviam saído.
Por volta da meia-noite, estávamos acordados, ainda com trabalhos do dia, quando ouvimos disparos muito fortes e intensos. Naquela hora, só pegamos nosso filho, que dormia, e levamos ele para o meio da sala de casa.
MORADOR DA ZONA SUL DE PORTO ALEGRE
— O Alto do Erechim é uma região de difícil acesso, pois chega um ponto do local em que é necessário deixar as viaturas e subir andando. Mas temos acompanhado de perto a situação, que nas últimas duas semanas se intensificou. Inclusive, fizemos apreensão de armas e a prisão de duas pessoas no dia que antecedeu o tiroteio — afirma o comandante.
Outra moradora do Nonoai afirmou que a situação nesta segunda-feira (23) foi de tensão e forte presença da polícia.
— A gente percebe que as pessoas não andam da mesma forma que costumavam andar. Vi muita presença de polícia, com revistas e parando os veículos — detalha.
Para o tenente-coronel, moradores de diferentes bairros acabaram ouvindo os disparos, pois a ação ocorreu em uma parte muito alta da cidade, fazendo o som ecoar por muitos lugares. Entretanto, o tiroteio ocorreu somente em um local, com posterior dispersão dos três veículos para diferentes bairros, ao perceberem a aproximação da polícia.
O diretor de Investigações do Departamento de Homicídios e Proteção à Pessoa (DHPP), delegado Gabriel Bicca, observa que no período no qual atuou como delegado de uma DHPP, sentiu maior dificuldade em efetuar prisões e apreensões na região, devido a uma característica particular: a possibilidade dos bandidos de visualizar todas as ações ocorridas na parte baixa da cidade.
— É importante ficar claro que isso não impediu a ação de policiais, mas dificultou bastante, porque era possível ver quando os agentes subiam, entravam por outra parte do morro. Andei por ali diversas vezes e a dificuldade é perceptível nesse local — afirma.
A disputa entre criminosos
De acordo com Bicca, o ponto de tráfico existente na região é disputado por grupos rivais há anos. Um grupo oponente, pertencente a uma quadrilha de um bairro da Zona Sul, estaria tentando retomar o controle da região, mantido hoje por um grupo local, que seria subsidiado por uma facção.
— Este problema na região ocorre há bastante tempo. A primeira morte registrada após a criação das delegacias de homicídios aconteceu naquela região — recorda.
Para um morador, os traficantes da região já não se sentem inibidos com a ação policial, pois os horários de patrulhamento já seriam conhecidos de criminosos.
— Teve uma ocasião em que uma mansão foi invadida por traficantes e usuários de drogas e a polícia conseguiu retirá-los de lá. Mas uma ou duas horas depois da saída dos policiais, todos já estavam de volta. Aqui tem trabalhadores, comércio, pessoas que não sabem como enfrentar isso — reflete.