A cena, gravada em vídeo com o uso de um celular, surpreende pela quantidade de carreiras de cocaína organizadamente dispostas em seis fileiras sobre uma mesa de madeira. São pelo menos 120. Próximo a ela, há cerca de 40 homens se acotovelando em um corredor, formando fila para consumir a droga. Mais espantoso ainda é o local onde ocorre o fato: a Cadeia Pública de Porto Alegre, conhecida como Presídio Central.
O vídeo escancara a farra das drogas na prisão. Na quarta-feira (3), a Brigada Militar (BM) abriu procedimento administrativo disciplinar (PAD) para apurar a festa dos presos de uma facção criminosa do Vale do Sinos e uma quadrilha da Capital. Na gravação, durante um minuto e 53 segundos, pelo menos 12 detentos consomem pó, incentivados por outros que assistem.
A Força-Tarefa da BM que atua no Central analisa o vídeo para verificar em qual pavilhão foi feita a gravação, a data e, principalmente, os envolvidos. Extraoficialmente, a reportagem apurou que o vídeo seria de outubro e teria sido gravado na terceira galeria do Pavilhão B.
Casos como esse não são novidade. No final de 2014, outro vídeo com detento cheirando cocaína em uma das galerias do Presídio Central chegou à reportagem de GaúchaZH. Gravações semelhantes foram compartilhadas a partir de uma prisão de Bento Gonçalves em novembro, e de Santa Cruz do Sul, em dezembro do ano passado.
Com a experiência de quem dirigiu o sistema prisional do Rio de Janeiro por quatro anos (entre 1991 e 1994), a cientista social Julita Lemgruber aponta o combate à corrupção como forma de o Estado evitar que fatos como o apresentado no vídeo sigam ocorrendo.
– No período em que estive administrando o sistema penitenciário no Rio, isso era rotineiro. Mas sempre que ocorriam grande apreensões de drogas nas prisões, nunca eram com familiares de presos. Eram com servidores – diz.
Para ela, é fundamental que o Estado fortaleça as corregedorias, como forma de investigar e coibir casos de corrupção.
– O Presídio Central não é exceção. No Brasil inteiro a corrupção no sistema é rotina – afirma.
O Presídio Central já deveria ter sido fechado há anos, como foi feito com o Carandiru.
RENATO SÉRGIO DE LIMA
Diretor-presidente do Fórum Brasileiro da Segurança Pública
O diretor-presidente do Fórum Brasileiro da Segurança Pública, Renato Sérgio de Lima, vê no Presídio Central e cadeias semelhantes a raiz do problema:
– O vídeo é uma evidência de que o Estado, em suas várias esferas e poderes, não só perdeu o controle do sistema prisional para o crime organizado como, no limite, acaba por incentivar a reprodução destes absurdos ao fazer mais do mesmo sempre e não mudar a política criminal e penitenciária.
O especialista complementa:
– O Presídio Central já deveria ter sido fechado há anos, como foi feito com o Carandiru, em São Paulo. Ele se mantém, pois as instituições de justiça criminal e de segurança pública ainda insistem em velhas receitas e soluções.
"A maior boca de fumo de Porto Alegre"
Para o sociólogo Marcos Rolim, historicamente ocorre troca entre o Estado e os presos, que acaba facilitando irregularidades, como o uso de drogas nas prisões:
– O Estado faz vistas grossas, em troca da manutenção da ordem nos presídios. Isso é um subproduto do encarceramento em massa, que delega às facções o controle das prisões. Com isso, ocorrem distorções, como a de que a maior boca de fumo de Porto Alegre está dentro do Presídio Central.
O Estado faz vistas grossas, em troca da manutenção da ordem nos presídios.
MARCOS ROLIM
Sociólogo
A BM informa que, após confirmar todos os fatos e identificar os presos envolvidos, vai adotar medidas, como transferências e procedimentos administrativos para cada um dos detentos. O secretário da Segurança, Cezar Schirmer, afirma que é necessário ir além:
– A Brigada Militar e a Susepe tomarão suas medidas administrativas. Mas isso decorre de décadas de omissão e de entrega dos presídios aos presos. É muito grave e tem de terminar.