Há mais de dois meses, a família de Lisyane Lopes, 16 anos, tenta velar o corpo da adolescente. No entanto, os parentes são impedidos de retirar o cadáver da jovem do prédio do Departamento Médico-Legal (DML), junto ao Palácio da Polícia, em Porto Alegre.
A alegação dos peritos é de que o laudo, finalizado no dia 15 de agosto, confirma, apenas, que o corpo é de uma mulher, filha de Fernanda Rodrigues Lopes, de 38 anos. Por isso, não pode liberar o corpo sem ter a certeza de que é Lisyane, que havia desaparecido no dia 22 de julho. No entanto, para a família, a afirmação não faz sentido, já que Lisyane só tem uma irmã da mesma mãe. Lidyane Lopes, de 20 anos, irmã da vítima, foi uma das pessoas que retirou o sangue para o teste do DNA.
O DML afirma que depende, agora, de uma autorização da Justiça para liberar o corpo, e lembra o caso Thiellen, em que uma mãe teve de esperar cinco dias para conseguir retirar o corpo de sua filha. Para agilizar a liberação, a família procurou a Defensoria Pública, que entrou com um pedido judicial.
O Tribunal de Justiça afirma que ainda precisa de um laudo de necropsia para liberar o corpo. O pedido do documento foi realizado pela Defensoria Pública no dia 16 de outubro e, até o momento, não houve retorno.
Enquanto isso, Lidyane e os familiares sofrem. A perda precoce da adolescente marca a terceira pessoa assassinada na mesma família. O irmão dela, William Giovane Lopes Barcellos, foi morto aos 17 anos no bairro Bom Jesus, junto com outro rapaz, em fevereiro deste ano. O pai foi assassinado no bairro Cefer há 10 anos, quando as meninas ainda eram novas.
— A gente já perdeu meu outro irmão e meu pai, por isso está sendo difícil. E eu tenho meu bebê também, está sendo muito difícil para a guriazinha, chora todo dia perguntando pela tia. Fica tudo mais difícil por que a gente não enterrou ela ainda. Aí fica aquela sensação, parece que ela vai entrar a qualquer momento. A gente fica na dúvida, já que não enterrou ela ainda — desabafa a irmã, Lidyane.
A família, inclusive, fez uma vaquinha para conseguir pagar os atos fúnebres de Lisyane. Familiares e vizinhos do bairro Bom Jesus doaram até a quantia desejada. O dinheiro até hoje é guardado pela família.
A irmã já perdeu as contas de quantas vezes foi ao DML para tentar retirar o corpo. Ela faz uma súplica às autoridades para conseguir finalizar mais um capítulo de dor envolvendo seus familiares.
— A gente só que enterrar ela para poder descansar. É muito difícil saber que ela está lá dentro e a gente não pode enterrar, o que é um direito nosso — diz Lidyane.
Investigação policial
O caso é investigado pela 1ª Delegacia de Homicídios. O delegado Rodrigo Reis, que coordena a investigação, se surpreendeu ao saber que o corpo ainda não havia sido liberado. Ele diz não haver dúvidas de que a menina foi assassinada.
Reis diz que a polícia solicitou e teve deferidas várias medidas ao Judiciário. O delegado conta que enfrenta grande dificuldade em conseguir elucidar esse caso.
— A família não sabe exatamente o que ocorreu, como a menina não estava em casa quando desapareceu. Da mesma forma, o namorado que ela estava não soube dizer nada. Então a gente ficou perdido — comenta o policial.
Também dificulta a investigação o fato de todo o contexto ter sido no bairro Bom Jesus, um dos que mais sofrem com a violência de Porto Alegre.
— O problema todo se deu na Bom Jesus, um bairro dificílimo da polícia trabalhar, onde todo mundo tem medo da criminalidade — conta o delegado.
A polícia diz que tem um suspeito do crime, só que ele ainda não foi formalmente identificado. Chama a atenção, também, que o carro incendiado onde o corpo estava havia sido roubado na mesma noite.
Confira a nota do IGP sobre o caso:
"Em face dos casos recentemente veiculados na imprensa, envolvendo a não liberação de corpos carbonizados pelo DML, o Instituto-Geral de Perícias informa: nos dois casos divulgados pela mídia, cujas vítimas são duas jovens, Thiellen e Lysiane, e tantos outros similares a esses, a norma padrão é somente liberar o corpo às famílias mediante autorização judicial. Ainda que o exame de DNA comprove vínculo genético de parentesco entre o material fornecido pelo familiar e a amostra questionada, ele por si só não individualiza a identidade dos restos mortais, quando é impossível o reconhecimento pelos meios habituais (digitais ou arcada dentária). Portanto, cabe ao IGP analisar o material coletado e emitir o laudo dentro dos padrões científicos. A decisão de autorizar o sepultamento é dá Justiça."