A Brigada Militar (BM) assumiu uma unidade da Penitenciária de Canoas, a Pecan 2, neste domingo (29). A medida, tomada para que presos provisórios sejam retirados de delegacias de polícia, causa desconfiança em profissionais que já trabalham na fiscalização de presídios há algum tempo.
Patrícia Fraga Martins, juíza da Vara de Execuções Criminais (VEC) de Porto Alegre, responsável pela fiscalização do Complexo Prisional de Canoas, afirma que a VEC ainda não foi comunicada sobre a forma de atuação da BM. No entanto, alerta para o perigo de o complexo se tornar um novo Presídio Central, onde a BM entrou há 20 anos e ainda segue:
– Como ainda não fomos comunicados sequer da forma de participação, esperamos que a Brigada Militar tenha esse compromisso de manter o perfil do preso em Canoas, de manter as facções afastadas. Assumimos o compromisso com a comunidade de Canoas de lá construir um sistema prisional diferenciado. Minha expectativa é de que efetivamente a Brigada Militar fique por três meses. É muito perigoso, em termos de segurança pública, que exista um novo Presídio Central – alertou, em entrevista ao Gaúcha Faixa Especial na noite deste domingo, apresentado por Eduardo Matos, com produção de Luís Felipe Amorin.
Conforme a Secretaria Estadual de Segurança Pública, a medida adotada será, em princípio, por três meses – até que os 480 novos agentes penitenciários nomeados na última semana se formem. Nesta tarde, agentes penitenciários, em protesto, cruzaram os braços no portão de acesso à penitenciária, mas não impediram o acesso da BM.
A Pecan 1, unidade que já está aberta, recebe apenas presos que não pertencem a facções. Os presos trabalham, estudam e têm ocupações a todo momento, o que faz com que o índice de reincidência seja inferior a 20%.
Luciano Pretto, promotor de Justiça que trabalha na fiscalização de presídios há mais de 12 anos, salienta que a função da Brigada Militar é fazer o policiamento ostensivo, e que o agente penitenciário é o profissional treinado para trabalhar em presídios. Ele afirma que vai acompanhar de que maneira será feita a atividade da BM:
– Em um primeiro, é óbvio que essa decisão é de governo. Mas a gente vai verificar que tipo de trabalho vai ser executado lá, e aí poderemos, eventualmente, questionar e entrar em uma discussão judicial. [...] Simplesmente colocar alguns agentes de estado para cuidar de presos não basta para que se cumpra a função do Estado na execução da pena – disse, também em entrevista ao programa.
A procuradora do Estado Roberta Arabiane Siqueia coordenou um grupo na Pecan 1 formado por diversas instituições de segurança que definiu o perfil dos presos e dos agentes penitenciários. O projeto é finalista do Prêmio Innovare. Ela afirma que "lugar de policial militar é na rua" e avalia que os agentes da Susepe devem participar do cuidado aos presos:
– Em Canoas, não temos facções: eles trabalham, estudam, têm ocupação todos os dias. Medi pessoalmente, analisei um por um os processos. O índice de retorno ao sistema é bem inferior a 20%, enquanto nos demais presídios está em mais de 70%;. O preso das delegacias é um ladrãozinho chinelo de celular, viciado em crack e maconha que, para sustentar seu vício, comete roubo a pedestre, veículo e motocicleta. Enquanto o Estado não souber tratar esse dependente químico, eles vão encher delegacias e presídios. E "os manos" sabem o que fazer: transformam ele em mais um soldado da facção – destacou.
Os agentes penitenciários também criticam a atuação da BM na penitenciária, afirmando que fizeram outras sugestões ao governo que seriam, inclusive, mais baratas:
– Essa decisão é absolutamente inoportuna e equivocada. Chegamos a oferecer alternativas na medida em que o governo se viu pressionado a inaugurar a penitenciária, como uma força-tarefa de agentes. Parece que estamos falando com as paredes, porque ninguém dá atenção às alternativas – lamentou Flávio Berneira, presidente do Sindicato dos Servidores Penitenciários do Estado do Rio Grande do Sul (Amapergs-Sindicato).
Atualmente, 570 presos ocupam a Penitenciária de Canoas, segundo dados passados pela Superintendência dos Serviços Penitenciários (Susepe). Desse montante, 393 estão acomodados no módulo 1, que atingiu sua capacidade máxima. O restante, 177 presos, estão no módulo 2, que pode receber até 288 detentos em duas galerias, segundo a Susepe. A SSP informou que não vai divulgar detalhes do processo, como o efetivo destacado para a operação e quando os presos serão transferidos para o módulo, no momento, por questões de segurança.
Nota oficial da SSP
A Secretaria da Segurança Pública (SSP) informa que teve início, neste domingo (29), a ocupação plena do módulo 2 do Complexo Penitenciário de Canoas (Pecan 2). A medida se dá com intuito de retirar presos de viaturas e desafogar as carceragens das delegacias de polícia, conforme anúncio feito pelo secretário Cezar Schirmer na última semana.
A gestão da penitenciária permanecerá sob responsabilidade da Superintendência dos Serviços Penitenciários (Susepe), enquanto a segurança e a operação ficarão à cargo da Brigada Militar. Os policiais militares permanecerão na casa prisional por um período pré-determinado, que corresponde à formação dos 480 agentes penitenciários aprovados no último concurso da Susepe cujo chamamento ocorreu na última sexta-feira.
A medida, que cumpre uma decisão judicial que determina a retirada de presos de viaturas e delegacias, permitirá a abertura de mais de 400 vagas no sistema penitenciário gaúcho.
Cabe ressaltar que a ocupação da Pecan 2 será realizada com número de policiais militares inferior aos que hoje fazem a custódia de presos em viaturas. A ação permitirá a liberação dos veículos para o policiamento ostensivo e garantirá a segurança dos policiais e dos próprios detentos.
A SSP segue trabalhando para superar dificuldades históricas e qualificar o sistema penitenciário do Rio Grande do Sul.