A suspeita de três auditores da equipe de repressão aduaneira da Receita Federal de Cascavel, no Paraná, de que algo ilícito era transportado em um Space Fox, foi confirmada quando eles abriram o painel do carro.
Dentro de um compartimento falso, estavam dois fuzis 556 e cinco fuzis 762, além de 550 projeteis e carregadores. As armas, avaliadas em pelo menos R$ 280 mil, segundo a Polícia Federal, eram novas e de primeira linha.
Ainda que a região esteja próxima da fronteira com o Paraguai, esse tipo de apreensão é incomum, assim como o destino da entrega. O armamento pesado estava sendo transportado para Lajeado, no Vale do Taquari.
O caso expõe o elo entre os criminosos de uma das maiores facções gaúchas com o tráfico internacional de armas e o recrudescimento da violência no Interior.
Os auditores desconfiaram do condutor do veículo, com placas de Vera Cruz, no Vale do Rio Pardo, que acabou abordado no início da tarde de sexta-feira (22), na BR-277, em Cascavel. Dentro do carro estava um casal, que, segundo a Polícia Civil, residia em Lajeado. Como os dois estavam nervosos, os fiscais decidiram levar o automóvel para ser analisado na sede da Receita Federal.
No painel, perceberam que alguns parafusos pareciam gastos. Descobriram um fundo falso atrás do airbag. Do local, saíram os sete fuzis desmontados (dois Colt M4 calibre 556, quatro AK 47 e um fuzil israelense 762), a munição e os carregadores.
Os fiscais se surpreenderam porque armamentos longos desse calibre não costumam ser apreendidas em veículos de passeio. Normalmente, os criminosos são flagrados transpondo pistolas, mais fáceis de serem escondidas devido ao tamanho.
O veículo teria partido de Foz do Iguaçu, na fronteira com o Paraguai, a 140 quilômetros de Cascavel. As armas, segundo a PF, foram adquiridas em território paraguaio.
O motorista contou aos fiscais que seguiria para Lajeado e argumentou que não sabia que os fuzis estavam no painel do carro. Na PF, os dois presos permaneceram em silêncio. O presídio para qual eles foram levados não foi informado, assim como os nomes dos envolvidos.
O destino, a qualidade da mercadoria e o modo de transporte foram diferenciais em relação às apreensões comuns, quando fuzis são levados em meio a carregamentos de drogas. O delegado Marco Berzoini Smith, chefe da delegacia da PF de Cascavel, estima que cada fuzil poderia ser comercializado por valores entre R$ 40 mil e R$ 50 mil no RS.
— A quantidade já é grande e a qualidade dessas armas não é usual. O destino menos ainda. É extremamente incomum. Ainda mais indo para o Rio Grande do Sul. São todas armas novas e de primeira linha. Os Colt M4 são algumas das armas mais caras que se pode comprar desse tipo — avalia o delegado, que abriu inquérito para apurar o caso.
Especialização do crime
A circulação de armas de guerra entre a facção ligada ao tráfico no Vale do Taquari é algo que já preocupava a polícia. Em 18 de janeiro, durante uma operação de combate aos homicídios em Lajeado, um fuzil AR-15 calibre 556, com cinco carregadores, foi apreendido em uma casa, no bairro Moinhos.
Os policiais receberam informações de que criminosos da região estariam inclusive recebendo instruções para aprender a atirar com fuzis.
Há cerca de duas semanas, uma residência foi alvo de disparos de pistola e fuzil no bairro Conservas. Foram apreendidos no local 15 cartuchos de fuzil calibre 556.
Uma das hipóteses investigadas é de que o tráfico estaria aprimorando seu armamento em função da disputa pela exploração do jogo do bicho.
— A criminalidade mudou de perfil. São organizações criminosas, com hierarquia, divisão de tarefas e diversificação da espécie de crimes que pratica. Eles recebem apoio de Porto Alegre e da Região Metropolitana, tem contato com o Paraguai, com a Colômbia, com a Venezuela. É uma criminalidade profissional — analisa o delegado Juliano Stobbe.
Roubos a bancos
Além das disputas pelo domínio do tráfico, outro crime no qual os grupos empregam armamentos pesados no Interior são os ataques a bancos.
Segundo o delegado Joel Wagner, da Delegacia de Roubos do Departamento Estadual de Investigações Criminais (Deic), embora não exista confirmação de que as armas poderiam ser destinadas a esses grupos, não é descartada a possibilidade.
— São armas também empregadas no tráfico. Mas claro que se na origem se fala numa facção criminosa nada impede que outros grupos aluguem ou até mesmo comprem essas armas para atuação em roubos a bancos ou em outros delitos — afirma.