As facções criminosas Primeiro Comando da Capital (PCC) e Comando Vermelho (CV) disputam o domínio do tráfico de drogas nas fronteiras do País. Por isso, estão em guerra e buscam aliados do crime em todos os Estados. Na última semana, mais de 90 presos foram brutalmente assassinados em massacres ocorridos em penitenciárias do Amazonas e de Roraima. No total, segundo autoridades que investigam o crime organizado, pelo menos mais 25 facções criminosas participam dessa disputa, apoiando o PCC ou o CV.
Enquanto a facção paulista, após matar o narcotraficante Jorge Rafaat – que era o grande intermediário entre traficantes paraguaios e brasileiros –, em junho de 2016, passou a dominar o tráfico de drogas e de armas na fronteira com o Paraguai, o CV, via Família do Norte (FDN), controlar o tráfico na fronteira com o Peru, no caminho conhecido como Rota Solimões.
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Segundo delegados e promotores, os grupos criminosos querem o controle das duas fronteiras.
De acordo com o procurador de Justiça Marcio Sérgio Christino, especialista em investigações sobre o crime organizado, PCC e CV firmaram aliança no final dos anos 1990. Naquela época, a facção paulista começou a vender drogas no Rio por "atacado" e, ao mesmo tempo, passou a investir o dinheiro do crime na expansão de atividades em outros Estados, formando parcerias com grupos locais.
– Percebemos que o PCC dava aos bandidos locais a estrutura e noção de organização que eles não tinham. Por isso, acabou ganhando inúmeros simpatizantes em vários Estados. Isso fez a facção crescer e se expandir. Enquanto o CV consolidou o domínio na maioria dos morros do Rio, principais mercados de consumo de drogas no País –, diz Christino.
Com um exército de 10 mil homens – 7 mil nos presídios e 3 mil nas ruas –, o PCC se tornou a principal facção criminosa do Brasil e movimenta, segundo o Ministério Público Estadual (MPE), 40 toneladas de cocaína e R$ 200 milhões por ano.
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Esse comportamento, porém, trouxe inimigos dentro do crime, que são facções menores concentradas principalmente no Norte e Nordeste.
– Os bandidos rivais de São Paulo estão em facções menores que não fazem diferença no cenário da criminalidade do Estado –, afirma Christino.
Para o procurador, com a morte de Rafaat, que foi assassinado com tiros de metralhadora calibre .50 (capaz de derrubar um helicóptero), o Comando Vermelho acabou virando dependente do PCC no tráfico na fronteira com o Paraguai.
– A partir desse momento, a aliança foi rompida. E as consequências estão aparecendo, que são os massacres nos presídios –, afirma o procurador.
Para o promotor Lincoln Gakiya, do Grupo de Atuação Especial de Combate e Repressão ao Crime Organizado (Gaeco), o CV percebeu a necessidade de fazer alianças com outros grupos criminosos para enfrentar o PCC. O grupo do Rio então se aliou à FDN, facção que comanda o crime no Amazonas e domina a cobiçada Rota Solimões, e determinou a morte de membros do PCC em cadeias do Norte. O CV também fez aliados em outros Estados do Norte e Nordeste.
Em contrapartida, a facção paulista ganhou mais força nas regiões Sul e Sudeste do País, principalmente no Paraná e Mato Grosso, o que consolidou o domínio na fronteira com o Paraguai.
FDN enfrenta facções ligadas a PCC para crescer
Se estar ao lado dos três maiores produtores de cocaína do mundo fez a facção Família do Norte (FDN) se expandir nos últimos seis anos, o poder adquirido ainda não foi suficiente para que represente uma força dominante em toda a Amazônia. Imitar o modelo de facções como o Comando Vermelho (CV) garantiu o tradicional pagamento de mensalidade por parte dos afiliados e a FDN se estabeleceu como dominante em parte da fronteira. O grupo quer agora consolidar o domínio dessa rota, ocupando um vácuo de facções no Pará, e ter maior acesso à Bolívia, por meio de sua expansão no Acre e em Rondônia.Tudo isso não deve acontecer sem novas disputas, que podem incluir brigas nas penitenciárias, como em Manaus, que deixou 56 mortos.
Para executar seus planos, a Família terá de quebrar um "cinturão" do Primeiro Comando da Capital (PCC) que envolve o Amazonas. Em Roraima, acima, no Acre, abaixo, e no Pará, ao lado, as forças dominantes, segundo investigações policiais, são simpatizantes da organização paulista ou de grupos que se autodenominam de forma homônima.
Para ganhar força, a FDN aposta nas fronteiras, principalmente no encontro brasileiro com cidades colombianas e peruanas, na tríplice fronteira. Foi lá que a facção já desenvolveu negócios milionários e quer ter acesso a quantidades cada vez maiores de cocaína para revenda a Estados nordestinos, onde encontra um bom mercado. O Amazonas tem 2,7 mil quilômetros de fronteira.
– Amazonas é vizinho dos únicos produtores de cocaína do mundo: Colômbia, Peru e Bolívia. Nesse contexto territorial, há sinais claros do empoderamento dessa facção – disse o policial civil aposentado e professor da Universidade do Estado do Amazonas Antônio Gelson de Oliveira Nascimento.
Nascimento diz que, nas décadas passadas, havia grupos locais que se diluíam com as ações policiais. Quando as lideranças começaram a ser segregadas em presídios federais, houve contato com o know-how das grandes organizações, o que permitiu o crescimento da FDN:
– Você tira o bandido perigoso do Amazonas e o coloca para dividir cela com Fernandinho Beira-Mar. O que se pode esperar desse camarada, que era inexperiente, é aprender como se faz.
Para ele, "ignorar a proteção das fronteiras é subestimar o crime organizado".
Para consolidar o escoamento da sua mercadoria para o Nordeste, a Família poderá bater de frente com o Primeiro Comando do Norte (PCN), expressão do PCC fundado no Pará. O PCN encontra dificuldades para aumentar sua influência nas cadeias, pois não consegue afirmar seu poder em mercados consumidores crescentes de drogas, como Altamira e Marabá.
– No Pará vimos uma migração para o interior diante de um crescimento demográfico significativo – disse Aiala Colares, pesquisador da Universidade do Estado do Pará. Colares destaca que no Estado ainda funcionam grupos autônomos, como a Equipe Rex, que domina o Complexo Penitenciário de Americano, na região de Belém.
Já no Acre, a chegada do PCC, segundo a professora da Universidade Federal (UFAC) Marisol de Paula Reis Brandt, deu-se pela localização da fronteira com a Bolívia. Aliada ao Bonde dos 13, a organização paulista disseminou o expertise em gestão criminosa, com direito a estatuto, cadastro e mensalidade. O Bonde dos 13, porém, já passou a enfrentar a dissidência de criminosos, alimentando o ciclo de disputas e acirrando a tensão dentro e fora das cadeias.
PCC aprofunda aliança com facção na Rocinha
A Polícia Civil fluminense identificou que o Primeiro Comando da Capital (PCC) aprofunda, desde o ano passado, uma aliança com a Amigo dos Amigos (ADA), facção carioca menor que a majoritária Comando Vermelho (CV) no domínio do tráfico de drogas.
O PCC quebrou o acordo de cooperação de mais de 20 anos com o CV no ano passado. Em outubro, a facção paulista oficializou a união com a ADA, o que levou a mudanças no Complexo Penitenciário de Gericinó, em Bangu, zona oeste do Rio.Segundo o promotor André Guilherme de Freitas, da execução penal do Ministério Público, após o rompimento cem criminosos do PCC que estão em unidades cariocas pediram para mudar de galeria. Eles estavam espalhados por prédios dominados pelo Comando Vermelho e emitiram um "seguro" (pedido de segurança) para serem transferidos para a galeria B7 da Penitenciária Jonas Lopes de Carvalho, conhecida como Bangu 4. Ali ficam os detentos ligados à ADA, menor que o CV.
Freitas considera que a mudança pode ter facilitado o trabalho de integração das duas facções.
– Agora, eles estão juntos, o que facilita a tomada de decisões e de estratégia para expandir o controle do tráfico. Tenho informações de que bandidos da ADA já migraram para o PCC. Eles oferecem uma logística organizada, disciplinada, coisa que a ADA não tem. O CV enterra dinheiro no chão, a ADA briga entre si – disse.
Apesar de dominar menos comunidades no Rio que o CV, a ADA controla pontos importantes do tráfico, como a Rocinha, na zona sul, e o Complexo da Pedreira, com 11 favelas, na zona norte. A polícia estima que 60% das comunidades do Estado sejam dominadas pelo CV, e os outros 40% estejam divididos entre ADA, Terceiro Comando Puro (TCP) e milícias.
A Rocinha é controlada pela ADA desde 2004. O delegado titular da 11ª Delegacia de Polícia (Rocinha), Antonio Ricardo, disse ao Estado que ainda não há registros oficiais de bandidos do PCC no local. Atualmente, a favela é controlada por Rogério Avelino da Silva, conhecido como Rogério 157 (artigo do Código Penal que qualifica o roubo). O Disque-Denúncia oferece recompensa de R$ 30 mil para quem fornecer informações sobre o criminoso. Antes de Rogério, o líder era Antônio Francisco Bonfim Lopes, o Nem, principal traficante da facção, preso em 2011.
A Polícia Civil de São Paulo apurou que integrantes do PCC estão morando na Rocinha para ajudar a gerenciar o tráfico de drogas na favela. Estão também, segundo as investigações, reforçando a segurança. Há informação de que a facção paulista mandou 14 fuzis para a ADA no segundo semestre de 2016 para ajudar na luta contra o CV.
Para o procurador de Justiça Marcio Sérgio Christino, que investiga o PCC há mais de 20 anos, a tomada da Rocinha é o primeiro passo da intenção da facção paulista de ampliar a participação no tráfico de drogas no Estado.
– A guerra com o CV é por motivo exclusivamente comercial: o lucro de drogas.
Ligações telefônicas interceptadas por policiais mostraram que a facção paulista já teria conseguido "batizar" pelo menos 90 criminosos no Rio e teria penetrado em municípios da Baixada Fluminense, Regiões Serrana e dos Lagos e Norte Fluminense. O trabalho de cooptação é feito de dentro das prisões de outros Estados, por conferências via celular.
– Estamos com o tabuleiro montado dentro do Rio – diz um áudio.