Conhecida Brasil afora por atentados contra rivais, atuação dominante em São Paulo e tentáculos na América do Sul, a facção Primeiro Comando da Capital (PCC), sediada na capital paulista, é a principal suspeita de comandar um ataque a Prosegur em Ciudad de Leste, na madrugada desta segunda-feira. Segundo a Polícia Nacional do Paraguai, cerca de 50 homens roubaram U$$ 40 milhões (R$ 124 milhões). A transportadora não confirmou valores.
No início da tarde, três suspeitos foram mortos em confronto com a Polícia Federal brasileira. Segundo os agentes, cerca de 10 pessoas conseguiram cruzar a fronteira e passar para o lado brasileiro por volta do meio-dia, pelo lago de Itaipu.
Os bandidos entraram em confronto com agentes do Núcleo Especial de Polícia Marítima (Nepom) durante a travessia, na altura do município de Itaipulândia, a 70 quilômetros de Foz do Iguaçu. Os policiais faziam patrulhamento nas águas quando avistaram os assaltantes. O patrulhamento no lago e no Rio Paraná foi reforçado logo após o anúncio do ataque à empresa paraguaia.
Leia mais
Ataque com as digitais do PCC
Três suspeitos de assalto no Paraguai são mortos em confronto com a polícia
Ataque no Paraguai é semelhante a série de assaltos cometidos no Brasil desde 2016; relembre
A suspeita de autoria é corroborada por policiais federais paranaenses que investigam o caso, já que o megarroubo aconteceu na fronteira com a cidade paranaense de Foz do Iguaçu e, também, porque alguns dos criminosos falavam português – segundo relataram testemunhas.
O Ministério Público do país vizinho confirmou que a quadrilha é brasileira e que pelo menos quatro carros apreendidos após o crime têm placas de São Paulo. Foram usados dezenas de explosivos e pelo menos cinco detonações foram ouvidas por moradores próximos ao local – a polícia ainda encontrou dinamites que não foram detonadas dentro da transportadora de valores.
A facção paulista é hoje dominante nas cadeias paranaenses, em Mato Grosso do Sul e também controla parte do sistema penitenciário paraguaio. Um dos sócios do PCC no Paraguai é Jarvis Pavão, megatraficante que atua nos dois lados da fronteira.
Nascido nas cadeias de SP, o PCC logo espalhou tentáculos para todas as bocas-de-fumo do Estado, eliminando rivais em sangrentas disputas. Consolidado o território, buscou a fronteira com o Paraguai para conseguir na fonte a droga que revende no mais rico estado brasileiro. Nessa transformação para atacadista de maconha e cocaína, a organização se consolidou no MS e PR, se tornando a mais influente nessas fronteiras, analisa o procurador criminal paulista Márcio Christino, um dos maiores especialistas em PCC no Brasil.
– O tráfico já não é a única meta do PCC, está longe disso. Eles viraram uma organização com departamentos. E parte dos criminosos se dedica a grandes assaltos, como esse que ocorreu no Paraguai e pode ter sido praticado por eles – descreve Christino.
Procurador fala em Narcosul do crime
Christino atuou durante uma década no Grupo de Atuação Especial de Repressão ao Crime Organizado (Gaeco) do MP paulista. Ele diz que os grandes assaltos – leia no quadro abaixo os três ataques em SP e um no Recife – servem para sustentar as quadrilhas e, também, para envio de dinheiro à cúpula do PCC nos presídios. É uma maneira de financiamento, mais rápida que o tráfico.
O roubo é realizado por um núcleo composto de "batizados" (filiados à organização), que muitas vezes terceirizam serviços, subcontratando ladrões que sequer conhecem os líderes do bando. Todos atuam juntos nas ruas e fazem os grandes golpes, dividindo parte do espólio e enviando soma considerável para as cadeias. A suspeita de que o ataque no Paraguai seja do PCC se fortalece porque foi na fronteira com o Paraná, onde a organização é dominante.
– Quando o Geleião (José Márcio Felício, um dos fundadores do PCC, posteriormente expulso) esteve no Paraná, em 1998, deixou lá uns 50 batizados. Fez o mesmo em Mato Grosso do Sul. O PCC montou na fronteira, um "Narcosul do Crime" – compara o procurador Christino.
Organização pode ter "terceirizado" crime
Para o doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo e associado ao Fórum Brasileiro de Segurança Pública, Guaracy Mingardi, é comum membros do Primeiro Comando da Capital executarem esse tipo de ação, mesmo que de forma terceirizada.
– Provavelmente sejam pessoas ligadas ao grupo, mas que não agem em nome dele. É como se fosse um trabalho particular. Alugam as armas do PCC, se valem dos contatos e do know-how da organização para cometerem os assaltos. Depois, repassam parte do dinheiro para o "partido" – explica Mingardi, dizendo que essa autorização é concedida pela facção.
O fruto do roubo é utilizado para pagar o aluguel das armas, os atiradores, que, de forma geral, são pessoas contratadas, e fortalecer a organização. Com os líderes do ataque fica a maior parte, geralmente legalizados com empresas de fachada. Porém, Mingardi faz um alerta. Como todos os indícios do crime no Paraguai apontam para participação do PCC, essas obviedades precisam ser analisadas com cautela para que não seja uma ação de outro grupo para tentar incriminar a organização paulista. A hipótese é remota, mas não descartável.
Confronto em terras brasileiras tem mortes
Três assaltantes que participaram do mega-assalto à sede da Prosegur morreram nesta segunda-feira após troca de tiros com agentes das polícias Federal (PF) e Rodoviária Federal (PRF). Segundo a PRF, três veículos usados pela quadrilha foram localizados.
De acordo com a PRF, houve perseguição a uma caminhonete em que estavam entre oito e 10 envolvidos no assalto. Em um trecho da BR-277, os bandidos pararam e começaram o confronto. Dois morreram no local, um ficou ferido, foi socorrido, mas não resistiu e morreu no hospital. Os demais conseguiram fugir. Na caminhonete havia um fuzil 762, com 16 munições. Em um dos três veículos abandonados pela quadrilha e havia sete quilos de explosivos.
Ainda nesta segunda-feira, o presidente Michel Temer emitiu nota colocando a PF à disposição das autoridades paraguais para a investigação do crime.