640x360538x304
Aylla da Silva Lopes, 25 anos, pensou que os homens à sua porta fossem vendedores de TV por assinatura, ou algo do gênero, e convidou-os a entrar. Tomou um susto quando, já acomodados na sala de sua casa humilde, em um bairro periférico de Itaqui, eles se apresentaram como agentes da Polícia Federal (PF). Queriam saber detalhes sobre a cesariana feita pela jovem pouco tempo antes.
O relato feito por Aylla na ocasião e os depoimentos de mais uma dezena e meia de mulheres conseguiram algo que pouca gente julgava possível na cidade. Levaram à prisão, no domingo passado, os ginecologistas e obstetras Alfonso Aquim Vargas e José Solano Barreto de Oliveira, indiciados por cobrar de pacientes por partos feitos pelo SUS e também por realizar laqueaduras ilegais mediante pagamento. Um anestesista que faria parte do esquema e a secretária de um dos médicos, apontada como responsável por efetuar cobranças das vítimas, também foram indiciados pela PF.
As prisões surpreenderam – e foram bastante comemoradas por itaquienses – porque, como qualquer um que visite a cidade descobrirá, os crimes atribuídos aos dois médicos eram comentados há décadas e considerados por um grande número de mulheres algo quase indissociável da experiência de ter um filho pelo SUS.
Leia mais:
Prisão de médicos obstetras domina as rodas de conversas em Itaqui
Investigação contra médicos só foi aberta quatro anos após denúncia anônima
Em 13 anos, médicos presos em Itaqui teriam faturado R$ 1,6 milhão
Vídeos reforçam suspeita de acordo entre médicos para dividir lucro
– Quando o doutor Alfonso pediu R$ 500 para fazer minha cesariana, nem estranhei. Já esperava. Porque ele sempre fez isso. Em Itaqui, quem tem filho enfrenta esse problema. Mas achei que essa história nunca fosse estourar – afirmou Aylla.
Na quarta-feira, os dois médicos deixaram a Penitenciária Modulada de Uruguaiana, depois de cada um ter pago fiança de R$ 60 mil. Vão responder ao processo em liberdade, mas não poderão exercer a profissão. Tiveram o registro suspenso temporariamente pela Justiça Federal. Segundo a investigação, ambos exigiam pagamentos por fora para fazer cesarianas que eram cobertas integralmente pelo SUS. Em muitos casos, mantinham as gestantes em sofrimento por dias, caso elas não tivessem o dinheiro. Durante as cesarianas, também faziam laqueaduras, o que é proibido no Brasil. Cobravam das gestantes pelo procedimento e não o registravam nos prontuários.
Clique nas imagens abaixo e veja os relatos de vítimas dos médicos investigados:
Leia também:
Dois médicos são presos por cobrar partos cobertos pelo SUS em Itaqui
Vídeo mostra médicos cobrando por partos cobertos pelo SUS em Itaqui
CONTRAPONTOS
O que dizem Alfonso Aquim Vargas e José Solano Barreto de Oliveira
Nos depoimentos que deram depois da prisão, negaram todas as acusações, exceto a realização de laqueaduras durante as cesarianas, que disseram ter feito sem cobrar. Não explicaram porque esses procedimentos não eram registrados nos prontuários das pacientes. A defesa dos médicos informou que eles não vão se manifestar por enquanto.
O que diz o Hospital São Patrício
Em nota, informa que "repudia qualquer forma de procedimento ilegal e continua à disposição para contribuir com as investigações".
_________________
OS CRIMES
Corrupção
- Os médicos – dois obstetras e um anestesista – foram indiciados por corrupção por serem funcionários públicos cobrando valores irregulares. A secretária foi indiciada por participação em corrupção.
Associação criminosa
- A Polícia Federal (PF) entendeu que os quatro indiciados se associaram de forma organizada com fins de cometer crimes.
Estelionato
- O crime teria sido cometido por causa de falsificação de documentos, como os prontuários em que se dizia que as gestantes necessitavam de cesariana, quando isso não correspondia à verdade. A secretária não entra nesse crime.
Esterilização cirúrgica ilegal
- A realização de laqueaduras durante cesarianas, que teriam sido realizadas clandestinamente pelos médicos, não é permitida pela legislação. A secretária também está isenta desse crime.