Ao completar seis meses à frente da Secretaria Estadual da Segurança Pública (SSP), Cezar Schirmer fez um balanço de sua gestão. Em meio a um aumento de 12% nos casos de latrocínio e de 10% nos de homicídio, segundo levantamento da editoria de Segurança dos jornais Zero Hora e Diário Gaúcho, Schirmer reconheceu a gravidade das estatísticas, mas afirmou atacar "em todas as pontas esse problema".
– Não se resolve essa realidade do dia para a noite. Não há milagre – disse o secretário, em entrevista a ZH.
Confira abaixo os principais trechos da entrevista:
O que lhe levou a aceitar o convite para assumir a pasta?
Fundamentalmente, duas razões. A primeira, é que eu e o governador (José Ivo Sartori) temos uma relação de muitas décadas, bem antes de entrarmos na vida pública, e percebi que ele enfrentava uma dificuldade grave na segurança pública. Então imaginei que poderia eventualmente auxiliá-lo. A segunda razão é que sou movido a desafios. Fui secretário da Fazenda, não conhecia finanças e, modéstia à parte, fui um bom secretário. Fui secretário da Agricultura, não tenho formação ligada à produção primária, nem sou produtor rural e, modéstia à parte, fui um bom secretário. Agora, na Segurança Pública, o desafio é muito maior. E mais, a capacidade de solução transcende o âmbito específico do Estado. Política de fronteira é federal, a legislação é federal, parte dos recursos são federais. É um grande desafio. Como um ponto que obviamente é negativo, sou obrigado a dizer, é a escassez de recursos financeiros. Se eu tivesse um pouco mais de dinheiro, posso te assegurar que faríamos uma revolução na SSP. Esse é um quadro em que falta pessoal, efetivo, equipamentos, material de enfrentamento do crime, os presídios estão superlotados.
Leia também:
Schirmer fecha seis meses à frente da Segurança com explosão de violência
Linha do tempo: os fatos e crimes que marcaram os seis meses de Schirmer
Veja quais promessas de Schirmer foram ou não cumpridas
A queda de seu antecessor foi provocada por um caso de latrocínio. Esse tipo de crime segue ocorrendo com muita frequência e muitos à luz do dia. O que o senhor pretende fazer para combater esse tipo de crime que assusta toda a população?
O latrocínio é um crime contra a vida e que normalmente acontece com pessoas do bem. A vítima é uma pessoa que tem uma trajetória de trabalho, uma vida digna, séria, então tem uma maior repercussão do que quando gangues ou facções disputam uma área do crime e se matam. Então obviamente que quando morre uma pessoa do bem repercute muito mais do que quando morre alguém vinculado ao crime, ao tráfico de drogas.
Esses números, não só de latrocínios, mas da segurança pública, são aterradores, são brutais. E não só no Rio Grande do Sul, mas no Brasil. São 60 mil homicídios no Brasil, por ano. Isso é mais do que a guerra da Síria, que ocupa todas as manchetes internacionais. São 500 mil veículos roubados e furtados por ano, 40 mil estupros, isso é uma loucura. Nós vivemos em uma sociedade mergulhada na violência e no crime. Nos homicídios, o Rio Grande do Sul está no 17º ou 18º lugar entre as unidades da União. Porto Alegre é pior, é a décima cidade entre as capitais. Pelo volume de homicídios, isso é muito grave.
Claro que eu não tenho uma tranquilidade em relação a isso. Tenho plena convicção do desafio. Aceitei sabendo. Tem muitos problemas. Alguns tu tens que atacar no médio prazo, outros no longo prazo, outros no curto prazo, e outros, ontem. Não se resolve essa realidade do dia para a noite. Não há milagre. Nós estamos atacando em todas as pontas esse problema.
O que pode ser feito para que as pessoas tenham mais tranquilidade para andar nas ruas, inclusive à luz do dia?
Nós vamos começar agora em março uma operação conjunta com a prefeitura de Porto Alegre. A prefeitura tem 650 guardas municipais. Eles podem nos ajudar. Tem 17 instituições em Porto Alegre que têm câmeras de videomonitoramento, que não conversam, não se ligam. Então nós estamos montando um sistema de integração, com as da prefeitura e da iniciativa privada com as do Estado.
Estamos tentando montar o cercamento eletrônico. A Força Nacional vem para Porto Alegre, até esse final de semana teremos os 200 que estamos esperando, mais 400 da Brigada Militar que vão trabalhar em horário extraordinário, são 600 novos operadores do sistema de segurança em Porto Alegre. Estamos trabalhando muito em parceria com o Exército. Enfim, tem uma série de ações que nós estamos convencidos de que vão reduzir os homicídios. O pessoal da operação no Litoral também está voltando para Porto Alegre.
Por que o reforço da Força Nacional de Segurança ainda não surtiu efeito no combate à criminalidade?
Nesse momento (a entrevista foi concedida a ZH na segunda-feira), a Força tem 71 pessoas aqui, é pouco, mas é dado, então são bem-vindos. A ideia agora é 200. Esse número pesa na balança. Mais 400 PMs em horário extraordinário, com pagamento de diárias, serão 600 policiais a mais no policiamento ostensivo. Na semana passada, a Força Nacional se envolveu no enfrentamento com criminosos, trocaram tiros, etc... Então a Força é bem-vinda, bem-vindo o Exército, bem-vindas as guardas municipais. Não tendo dinheiro, por que não trazer todo mundo? Tem que quebrar esse paradigma, essa postura de "sou eu, eu não compartilho, não aceito colaboração". Então nós temos que integrar mais, trabalhar integrado.
De que maneira o Exército pode trabalhar na segurança pública?
Na minha opinião, de quatro formas. A primeira, como mão de obra. Eles construíram um centro de triagem. Tu podes contratar sem licitação, sem aqueles procedimentos burocráticos. A segunda, através dos treinamentos, em que fazem abordagens, barreiras, isso também nos ajuda, pois pega o camarada que está com arma, com droga, com carro roubado. A terceira, na questão da fronteira, aqui em quase todas as cidades de fronteira tem o Exército. E quarto, em informação. A inteligência militar é muito qualificada.
Na questão prisional, uma das dificuldades é a superlotação, que acaba provocando um efeito cascata. Então vemos seguidamente presos em viaturas. Quando esse problema será resolvido?
Na verdade, o Brasil é o país que tem a terceira população carcerária do mundo, e no mundo é o país que mais prende. No Rio Grande do Sul, nos dois últimos anos, a população carcerária aumentou de 29 mil para 35 mil. Então aumentou 6 mil presos. E quantas vagas amentaram? Obviamente não aumentou nem 10% disso. Então era um problema que já existia, não é de hoje a falta de unidades prisionais e, se aumentou a população, então agravou um problema que já existia. E mais, mistura-se presos. O camarada entra mais ou menos no presídio e sai pós-graduado, é uma escola de criminalidade. Recuperação, quem faz são as igrejas, faz bem, mas pouco. O Estado faz muito pouco. Esse é o quadro. Qual é a alternativa? Parar de prender? Eu como secretário da segurança vou ter a coragem de dizer: parem de prender? Seria coragem e burrice, convenhamos.
Lugar de criminoso é na cadeia. Então nós estamos tentando ver fórmulas rápidas de resolver o problema. O Trovão Azul (ônibus da Susepe) estava lá desativado, eu trouxe de Uruguaiana e durante um tempo coube ali 20 ou 30 presos, e ainda está em atividade. Houve uma circunstância num dia infelizmente em que houve um excesso de prisões, as delegacias estavam lotadas, o Trovão estava lotado e prenderam os presos algemados em um corrimão de uma escada. A pergunta que eu me faço: as pessoas estavam ali porque eram uns anjos? Foi um desrespeito aos cidadãos que trabalham, que pagam impostos, enfim, a um cidadão do bem? Não, ali estava um cidadão que cometeu um crime. Ou matou, ou traficou, ou assaltou, enfim, ele cometeu um crime. Se tu me perguntares: "concorda com isso?" Eu vou te dizer, não, eu não concordo que se dê um tratamento inadequado. Mas qual era a alternativa? Não prender? Deixar solto? Aí ele fica solto, mata mais alguém, trafica mais, assalta mais alguém.
Então a equidade, te coloca em meu lugar se for possível, qual é a minha visão. Bom, eu sei que não deveriam ter prendido o preso no corrimão da escada. Não é adequado, não é correto, é ilegal. Mas qual era a outra alternativa? Nas circunstâncias, se fez isso. Não estamos tratando com anjos, com todo o respeito. Tem o ser humano de bem e o ser humano do mal. Às vezes eu fico impressionado, o pessoal dos Direitos Humanos, pelo qual tenho o maior respeito. Eu fui prefeito de uma cidade, tenho 40 anos de vida pública. Eu já vi pessoas de bem, que nunca cometeram crimes, em uma maca, em um corredor de hospital, esperando 20 dias por uma cirurgia. Eu nunca vi o pessoal dos Direitos Humanos contestando isso.
O senhor não acha que a prisão em condições degradantes, como ocorre no Presídio Central, com superlotação, não faz com que a pessoa se torne pior com o tempo?
Sim e não. Não vou contrariar o que o senso comum diz, mas tem pessoas que são irrecuperáveis. O camarada que matou cinco, seis, 10, dificilmente será recuperado.
Uma penitenciária federal pode ser solução ou criará mais problemas?
O presídio federal é de segurança máxima. Em várias cidades do Brasil têm presos que deveriam ser retirados da convivência dos demais. Qual o caminho que historicamente se encontrou? É uma prisão de segurança máxima e os presídios federais. Então, se o governo federal adotou essa postura de construir prisões de segurança máxima sem ônus para os Estados, para presos de alta periculosidade, ótimo. Muita gente contesta dizendo que não será para os presos do Rio Grande do Sul. Você sabe quantos presos do Rio Grande do Sul estão em prisões federais? Cinco, e são mais ou menos mil vagas.
Isso não seria um indicativo de que presos de outros Estados virão para cá?
Não sei. Eu não serei o secretário quando tivermos um presídio federal. Vai ser outro ministro da Justiça, vai ser outro juiz. Como é que poderemos dizer: "Eu não quero porque no futuro vai vir presos de lá pra cá e daqui pra lá". Eu não sei. O importante é ter uma prisão de segurança máxima no Rio Grande do Sul. De preferência para presos daqui.
De um a dez, qual nota o senhor daria para os seus primeiros seis meses na Secretaria?
Bah, não vou me dar nota. Deixo que vocês dêem. Aliás, é difícil avaliar um trabalho em uma área como a Segurança Pública em seis meses. Eu aprendi que aqui é tipo futebol: todo mundo é técnico. Então, se o atacante perde um pênalti, perde um jogo, perde um segundo jogo, aí pede-se a cabeça do técnico. Secretário da Segurança Pública é o que mais muda no país. Pode olhar. Tu dá uma satisfação à opinião pública, mas não resolve o problema. E todo mundo é especialista. Todo mundo é técnico. É uma coisa impressionante.