Aylla da Silva Lopes, 25 anos, é uma das vítimas ouvidas pela Polícia Federal na investigação que levou à prisão dos ginecologistas e obstetras Alfonso Aquim Vargas e José Solano Barreto de Oliveira, indiciados por cobrar de pacientes por partos feitos pelo SUS e também por realizar laqueaduras ilegais mediante pagamento. Um anestesista que faria parte do esquema e a secretária de um dos médicos, apontada como responsável por efetuar cobranças das vítimas, também foram indiciados pela PF.
Segundo o relato de Aylla, quando as dores levaram-na ao plantão do Hospital São Patrício, Alfonso disse-lhe que marcaria cesariana se ela pagasse R$ 500. A jovem respondeu que pretendia fazer parto normal. O problema é que as dores não cessaram, e o médico, segundo o depoimento dela, recusava-se a realizar o procedimento.
– No segundo dia, não aguentava mais. Mas ele disse que eu podia esperar. No terceiro dia, de manhã, liguei para ele, porque as dores estavam insuportáveis. Ele respondeu: "Isso aí, só de tarde, ou se tu me pagares". E disse que, se desse os R$ 500, ele iria na mesma hora para o hospital. A enfermeira também falou: "Ele pode fazer agora, mas vai te cobrar uma taxinha". Mas não tinha o dinheiro, não tenho condições. Só não paguei por causa disso, porque não aguentava mais a dor.
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Quarenta minutos depois, a bolsa de Aylla estourou, e Alfonso foi obrigado a fazer a cesariana, mesmo sem o pagamento. O bebê, João Lucas, hoje com um ano, estava enrolado no cordão umbilical. No quarto, a mãe descobriu que era a única que havia evitado a cobrança.
– Éramos cinco mulheres. As outras quatro contaram que pagaram os R$ 500 para ele – relata a jovem.
Número de vítimas é muito maior do que as do inquérito
Aylla recebeu ZH em sua casa na manhã de quarta-feira. Depois de contar sobre sua experiência com Alfonso, ela e a sogra, Celeni Romero, 43 anos, começaram a desfiar uma série de histórias semelhantes, em que as vítimas foram familiares ou vizinhas. Nesse momento, chegou de visita uma sobrinha de Celeni, Neita Romero, 31 anos. Ao se inteirar do assunto, fez uma revelação de que nem as parentes nem a polícia tinham conhecimento:
– Em 2013, fiz acompanhamento da gravidez da minha guria com o doutor Solano, no posto de saúde. Disse para ele que queria fazer um ligamento. Ele respondeu que a cesariana era paga pelo SUS, mas pelo ligamento me cobrava R$ 1,2 mil. "Tu me pagas, mas não podes falar nada", ele disse. No dia da internação, foi tudo pelo SUS. Internei na segunda-feira e, na terça de manhã, foi lá no hospital a secretária e pegou o dinheiro. Não deu recibo nem nada. Depois, ele fez a cirurgia. Arrumei o dinheiro com uma vizinha, e fui pagando para ela com o Bolsa Família, 100 pilas por mês – contou Neita.
A PF prendeu os dois médicos depois de recolher o depoimento de um número relativamente modesto de vítimas, menos de duas dezenas. A investigação concentrou-se principalmente nos partos ocorridos em fevereiro do ano passado. Os policiais pediram listagem de todas as cesarianas feitas durante o mês no Hospital São Patrício e foram ouvir o que as mães tinham para contar. Foi o suficiente. Mas Alfonso e Solano atuaram durante décadas em Itaqui, e há muitas outras mulheres, como Neita, que se declaram vítimas deles, sem estar arroladas no inquérito policial.
Clique nas imagens abaixo e veja os relatos de vítimas dos médicos investigados:
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CONTRAPONTOS
O que dizem Alfonso Aquim Vargas e José Solano Barreto de Oliveira
Nos depoimentos que deram depois da prisão, negaram todas as acusações, exceto a realização de laqueaduras durante as cesarianas, que disseram ter feito sem cobrar. Não explicaram porque esses procedimentos não eram registrados nos prontuários das pacientes. A defesa dos médicos informou que eles não vão se manifestar por enquanto.
O que diz o Hospital São Patrício
Em nota, informa que "repudia qualquer forma de procedimento ilegal e continua à disposição para contribuir com as investigações".