Jéssica Dandara Padilha Oliveira, 23 anos, mãe de João Miguel, um ano e oito meses, é uma das vítimas dos ginecologistas e obstetras Alfonso Aquim Vargas e José Solano Barreto de Oliveira, presos por cobrar de pacientes por partos feitos pelo SUS e também por realizar laqueaduras ilegais mediante pagamento. Jéssica nunca falou com a polícia, mas contou ter pago R$ 2 mil a Alfonso, para que ele fizesse a cesariana que foi totalmente coberta pelo SUS.
Com 38 semanas de gestação, Jéssica sofreu infecção na bexiga, que atingiu também os rins, e precisou ser internada no hospital de Itaqui. Seguiram-se semanas de tratamento, com altas eventuais, para que fizesse exames de ultrassom em Uruguaiana. Jéssica perdeu muito líquido e padecia de fortes dores.
Tinha medo de morrer e de perder o bebê. Mas Alfonso, o obstetra, teria dito que não poderia fazer a cesariana, porque a criança era prematura.
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Naquela altura, depois de vários dias de hospital, conversas com outras pacientes já a haviam deixado a par de que, para a cesariana do SUS acontecer, era necessário pagar um valor extra ao médico. Um dia, uma tia de Jéssica tratou do assunto com Alfonso.
– Quando ela falou em dinheiro, porque eu não aguentava mais, ele disse: "Então a gente te dá alta hoje e amanhã tu baixas de novo e consegues fazer". Daí, a criança deixou de ser prematura, deixou de ter complicação. Quando se falou em dinheiro, parou de existir problema – afirma a jovem.
Segundo o relato de Jéssica, Alfonso orientou que ela marcasse uma ida ao consultório dele, pela qual cobrou R$ 200. A conversa girou em torno de valores. Alfonso queria R$ 1,8 mil. No mesmo dia, a mãe da gestante, Tania Fernandes Padilha, 50 anos, voltou ao consultório para entregar o dinheiro, obtido por meio de uma vaquinha na família. Tania afirma ter entregue o montante diretamente ao obstetra:
– Ela tinha uma infecção. O médico que fez o ultrassom disse que estava com pouca água e que aguentava no máximo três dias. Lá no hospital, todas as pacientes diziam: "paguei R$ 800, paguei R$ 1 mil". Eles só faziam cesariana quando a paciente estava entre a vida e a morte. Então, fui lá no consultório particular e paguei. Se o médico está corrompido, estou consciente de que também me corrompi. Mas fiz isso por ver minha filha naquela situação, com ela e a criança correndo risco de vida.
Jéssica concorda que fazer o pagamento foi errado, mas diz, com lágrimas a correr, que não queria passar pelo que viu outras sofrerem:
– Houve uma moça que desmaiou na minha frente, uivando de dor, e teve a filha acocorada, e ele só olhando, porque ela não tinha dinheiro. Só queria salvar meu filho. Uma enfermeira até aconselhou: "Pede alta e vai para Uruguaiana, vai para São Borja, porque a gente está vendo a tua situação, mas não podemos passar por cima do médico". Estava internada havia 25 dias no hospital e sabia o que estava acontecendo lá. As mães que não tinham como pagar ficavam dois, três dias em trabalho de parto, sem dilatação, sem estourar a bolsa, e eles não queriam fazer. A gente via que quem pagava tinha prioridade. Foi errado que a gente pagasse, mas se não tivesse pago, alguém me garante que meu filho ia nascer bem, que ele não ia morrer?
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CONTRAPONTOS
O que dizem Alfonso Aquim Vargas e José Solano Barreto de Oliveira
Nos depoimentos que deram depois da prisão, negaram todas as acusações, exceto a realização de laqueaduras durante as cesarianas, que disseram ter feito sem cobrar. Não explicaram porque esses procedimentos não eram registrados nos prontuários das pacientes. A defesa dos médicos informou que eles não vão se manifestar por enquanto.
O que diz o Hospital São Patrício
Em nota, informa que "repudia qualquer forma de procedimento ilegal e continua à disposição para contribuir com as investigações".