Os primeiros 31 dias do ano conseguiram mostrar que qualquer esforço das autoridades de segurança para reverter os índices de violência extremos observados em 2016 na Região Metropolitana – e especialmente em Porto Alegre – até agora foram em vão.
Pelo menos 200 pessoas foram assassinadas na região em janeiro, conforme o levantamento da Editoria de Segurança do Diário Gaúcho e Zero Hora. Em média, seis pessoas foram mortas diariamente. É o janeiro mais violento da região desde que o levantamento foi iniciado, em 2011.
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A morte da adolescente Ohana Souza, 16 anos, é símbolo de que o ano virou e a rotina violenta só piorou. Um grupo de homens armados disparou a esmo contra jovens que saíam de uma festa na madrugada do sábado, dia 28 de janeiro, junto ao local conhecido como Esplanada, que deveria ser ponto de encontro e marco da paz no bairro Restinga, na zona sul da Capital. Ohana morreu no local. Outros seis jovens ficaram feridos.
– Era uma menina linda, feliz e cheia de planos. Nunca teve nenhum envolvimento com nada de errado. Arrancaram um pedaço de mim, como vão arrancar de muitas mães. Infelizmente a minha filha vai ser só mais uma inocente morta pela violência. Me sinto um lixo com tudo isso – desabafa a mãe, Rosângela Sabre, 49 anos.
Ohana era a sexta de oito filhos da operadora de caixa. Havia concluído a sétima série e estava empolgada com a perspectiva de um primeiro emprego. Com medo da violência, há três anos a família havia abandonado o bairro.
– Naquele fim de semana, estávamos visitando familiares na Restinga e a Ohana foi para a casa do namorado. Ela acabou ficando em um barzinho porque a família dele estava lá, mas dizia para ela voltar cedo para casa. Ultimamente é impossível circular nas ruas da Restinga sem correr o risco de levar um tiro – diz a mãe.
Desde dezembro, 25 agentes e um delegado da Força Nacional de Segurança reforçam o Departamento de Homicídios da Capital. É esperado para o dia 15 o pontapé inicial do Plano Nacional de Segurança a partir de Porto Alegre. Por enquanto, o novo fôlego ainda não surtiu efeito. Pelo menos 95 pessoas foram vítimas de homicídios e outras duas de latrocínios (roubo com morte) na Capital. Em relação a janeiro do ano passado – o aumento é de 27,6%.
O janeiro violento não se restringe a Porto Alegre – Canoas e São Leopoldo multiplicaram os índices de mortes no primeiro mês do ano. Há, ainda, um agravante que tem na morte de Ohana uma amostra: a guerra entre facções criminosas, que até o final do ano passado parecia estar cada vez mais limitada à Zona Norte, explodiu também no bairro Restinga, do outro lado da cidade, com o mesmo terror que marcou o começo do conflito entre bandidos em janeiro do ano passado entre as zonas Leste e Norte.
Em 2016, pelo menos oito pessoas foram assassinadas no bairro em janeiro. Mais do que os sete casos ocorridos de 2015, considerado até agora o ano mais violento na Restinga desde o começo da década e superior a uma vítima de janeiro passado.
Ainda assim, os bairros Mario Quintana, com 11 vítimas, Sarandi, com nove, e Rubem Berta, também com nove – todos na Zona Norte – concentram o maior volume de assassinatos em Porto Alegre na arrancada de 2017.
Um líder está isolado
Quando a guerra entre facções estourou no começo de 2016, não demorou muito para que os investigadores do Departamento de Homicídios da Capital detectassem em Jackson Peixoto Rodrigues, o Nego Jackson, 33 anos, o catalizador do conflito. Ele é apontado como articulador de aliança entre diversas quadrilhas para formar uma frente contra a facção criminosa originária do bairro Bom Jesus e que nos últimos anos teve o maior avanço na Região Metropolitana com ações violentas.
Ao longo do ano passado, a lista de homicídios atribuídos ao mando de Nego Jackson foi crescendo. Chegou a nove. E, no dia 12 de janeiro deste ano, o criminoso foi finalmente capturado pela polícia paraguaia em Pedro Juan Caballero, suspeito de envolvimento em um duplo homicídio no país vizinho. Na semana passada, o plano desenvolvido pela Secretaria da Segurança desde o ano passado, de isolar as lideranças em conflito em presídios federais, começou a se concretizar. Nego Jackson foi trazido do Paraguai para o presídio federal de Cascavel, no Paraná.
– O poder das facções têm estruturação dentro das cadeias na Região Metropolitana. É muito difícil conseguirmos isolar realmente um preso nessas condições. O presídio federal, hoje, é um lugar que ainda representa um freio para esses criminosos – avalia o diretor de investigação do Departamento de Homicídios, delegado Gabriel Bicca.
Canoas, alta de 130% nas mortes
Em janeiro, 23 pessoas foram assassinadas em Canoas. É mais do que o dobro das 10 vítimas do mesmo mês no ano passado.
– Esse aumento nos pegou de surpresa. O que temos é um grupo criminoso tentando se sobrepor a outro para tomar pontos de tráfico pela força, mas vamos diagnosticar esses homicídios para entendermos este fenômeno – afirma o delegado regional Rosalino Seara.
O delegado Valeriano Garcia Neto, titular da Delegacia de Homicídios de Canoas, limita-se a informar que os crimes são decorrência das disputas do tráfico. Já o comandante interino do 15º Batalhão de Polícia Militar, major Rogério Araújo, vai além:
– Temos a confirmação de que 21 vítimas tinham algum tipo de relação com o tráfico.
No bairro Mathias Velho, onde aconteceram oito assassinatos – a maioria na cidade da Região Metropolitana, uma facção que tem origem na zona leste da Capital entrou em confronto com rivais que controlavam o comércio de drogas local.
A crise – agravada pela superlotação da carceragem da Delegacia de Pronto-Atendimento local – forçou a realização de reunião de emergência entre a chefia de polícia, o comando regional da Brigada Militar e a Guarda Municipal de Canoas. A promessa é iniciar uma série de ações para "congelar" as áreas onde estão concentrados os maiores índices de homicídios.
– Queremos identificar lideranças. A ideia é inibir os criminosos – afirma o major.
São Leopoldo, quase o triplo de assassinatos
Pelo menos 19 pessoas foram assassinadas em São Leopoldo. É quase o triplo dos sete crimes de janeiro do ano passado.
A violência fora do comum, conforme o chefe de investigação da Delegacia de Homicídios de São Leopoldo, Odilei Bettanin, foi resultado de confronto do tráfico localizado.
– Não é um conflito com a participação direta de facções criminosas rivais, como acontece de modo geral na Região Metropolitana. Trata-se de um grupo criminoso tentando retomar pontos de tráfico na região da Vila Brás – explica o policial.
A matança concentrou-se na primeira metade do mês, quando 12 pessoas foram mortas.