Conhecedores do tema segurança pública no Rio Grande do Sul não descartam, mas acreditam em reduzidas as chances de o Estado enfrentar rebeliões com dezenas de mortes em penitenciárias, como aconteceu em Manaus, no primeiro dia de 2017. O tumulto no Norte envolveu desafetos de um grupo ligado ao Comando Vermelho (CV), com origem no Rio de Janeiro, e a facção paulista Primeiro Comando da Capital (PCC).
Mesmo diante de aguda crise financeira, déficit elevado de servidores e cadeias superlotadas, os gaúchos têm maior capacidade de prevenção e reação, avaliam especialistas ouvidos por Zero Hora.
– Apesar da situação atual, o Estado é melhor estruturado do que os do Norte e do Nordeste, onde gangues do Rio e São Paulo chegam e dominam tudo como se fosse terra arrasada. Aqui, a oposição a esses grupos, tanto da polícia quanto das próprias gangues locais, seria muito forte – afirma o sociólogo Juan Mario Fandino.
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É sabido que há tempos líderes de facções do Estado negociam armas e drogas com integrantes do PCC, inclusive se refugiam na região da fronteira do Brasil com o o Paraguai, mas não se tem relatos de controle de presídios.
Atuando como promotor durante duas décadas na fiscalização de presídios do Ministério Público Estadual, o procurador de Justiça Gilmar Bortolotto lembra que o PCC já tentou roubos de grande porte no Estado e cooptar apenados, mas as investidas foram sufocadas pelas autoridades.
"Dificilmente aconteceria aqui", avalia procurador
Ele diz haver acompanhamento de perto das cadeias por MP, Judiciário, Susepe e a própria Brigada Militar, que administra as duas maiores casas prisionais, o Presídio Central e a PEJ (Penitenciária Estadual do Jacuí, em Charqueadas).
– Acho que, dificilmente, se repetiria no Rio Grande do Sul o que aconteceu em Manaus porque teríamos conhecimento do plano antes. Hoje, não temos cenário para esse tipo de coisa. Mas não se pode fazer previsões. Não se produz mágica, é preciso melhorar o sistema prisional.
Um dos maiores conhecedores das prisões gaúchas, o juiz da Vara de Execuções Criminais da Capital (VEC), Sidinei Brzuska, concorda com o procurador. O magistrado diz que PCC e CV não se aventuram pelo Rio Grande Sul porque precisariam de "muita gente" para controlar cadeias e as bocas de fumo das periferias.
– Não teriam mão de obra para tudo isso. Existem poucos presos de outros Estados aqui, inclusive de Santa Catarina. Eles não vêm para cá. Jamais um preso me disse: eu sou do PCC – afirma Brzuska, que há oito anos atua na VEC.
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Há outro aspecto que inibe grandes motins no Estado. Diante da fragilidade do Estado em atender necessidade dos presos, as quadrilhas locais assumiram esse papel, sob a complacência do poder público, e não se envolvem em rebeliões para não estragar seus negócios. Com espaços loteados em galerias dos maiores presídios, ganham dinheiro vendendo aos demais presos insumos para sobrevivência, como roupas, material de higiene pessoal, comida e também drogas dentro e fora das cadeias.
O acerto de contas entre grupos rivais de presos, lembra Brzuska, acontece nas ruas.
Com visão dos fatos a partir de São Paulo, o cientista político e analista criminal Guaracy Mingardi tem opinião divergente. Para ele, embora as resistências locais no Rio Grande do Sul, a longo ou médio prazo, o PCC pode desembarcar no Estado.
– Aos poucos, grupos organizados vão se espalhando pelo pais, e o PCC é organizado. Dá apoio às famílias dos presos – analisa.