Duas brigas na mesma semana e entre grupos rivais dentro de unidades da Fundação de Atendimento Socioeducativo (Fase) em Porto Alegre revelam um cenário delicado de superlotação e insuficiência de profissionais. Nas 13 unidades de internação do Estado, onde a capacidade de engenharia é de 735 adolescentes, são abrigados atualmente 1.157, volume 57% acima do limite.
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Neste ambiente, frequentado por jovens arregimentados pelas mesmas facções e quadrilhas que dominam o sistema carcerário, é que se deram as duas brigas que feriram, no total, quatro agentes e um interno, todos sem gravidade conforme a direção da Fase. Um agente, porém, disse que o interno teve ossos da face quebrados. Os enfrentamentos aconteceram nos Cases Poa 1 e Poa 2, dentro do Complexo Cruzeiro, localizado na Vila Cruzeiro, em Porto Alegre, na segunda e na quinta-feira.
– Não houve ataque aos servidores. Foram enfrentamentos entre as facções. Além disso, todos os ferimentos foram por luxação, estiramento e torção – disse o presidente da Fundação, Robson Luis Zinn.
Zinn explicou que na segunda-feira, o agente ferido estava com hematomas nas costas, mas não soube detalhar o que causou o ferimento. Na quinta-feira, quando ocorreram a luxação, estiramento e torção, ele explicou que os ferimentos foram decorrentes de puxões e empurrões necessários para apartar os grupos.
– Conduzimos todos para atendimento médico por termos obrigação legal de fazer isso. É um procedimento de rotina. Mas todos já estão trabalhando – garantiu.
A instabilidade pela qual vive o sistema é explicado pela diretora colegiada do Sindicato dos Empregados em Empresas de Assessoramento, Perícias, Informações e Pesquisas e de Fundações Estaduais do Rio Grande do Sul (Semapi), Cristiane Kilca, como consequência da falta de servidores, superlotação e perfil mais agressivo dos jovens.
– Estão entrando na Fase adolescentes cada vez mais violentos, com crimes mais pesados e já membros de fações. Temos que reunir a sociedade, Poder Judiciário, Ministério Público, Defensoria Pública, enfim, todos os atores para discutir soluções – argumentou Cristine.
Em defesa da Fundação, o presidente lembra que no dia 28 de dezembro foram nomeados 91 servidores.
– Nos dois dias (de brigas) estávamos com os plantões completos. Portanto, não existe falta de trabalhador. Temos é uma superquantidade de internos – disse, citando elevação de 51% no número de internações entre 2014 e 2017 em relação aos três anos anteriores.
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Ameaça a servidor e resgate de interno
Dois episódios recentes mostram a fragilidade do sistema. Em um deles, no dia 17 deste mês, o adolescente suspeito de envolvimento na morte do agente da Empresa Pública de Transporte e Circulação (EPTC) durante assalto foi resgatado por criminosos quando voltava à Fase, em Porto Alegre. Conforme a Brigada Militar, ele saía de uma audiência judicial e, ao retornar para a instituição, na Avenida Padre Cacique, bairro Menino Deus, três pessoas armadas abordaram os monitores no portão de entrada. Ele foi levado até um Onix, antes do grupo fugir no mesmo veículo.
Nesta semana, um agente teria sido ameaçado por um interno ao encontrar maconha em posse de um familiar que visitava o adolescente. Os trabalhadores reclamam das revistas humanizadas, instituídas obrigatoriamente em todas as unidades desde 16 de janeiro para não expor os visitantes a posições vexatórias.
– O risco de entrar drogas e armas é muito maior. Estamos totalmente vulneráveis – reclama um servidor.
Zinn rebate dizendo que a revista humanizada é segura, pois são adotados procedimentos que garantem o encontro de materiais proibidos escondidos no corpo dos visitantes sem constrangê-los.
Nota de Esclarecimento da Fase:
A Fundação de Atendimento Sócio-Educativo (Fase), em virtude de matéria publicada na edição online de Zero Hora desta sexta-feira (27/01) e pelo jornal Diário Gaúcho deste sábado (28/01), esclarece:
– Adolescentes das unidades Case POA I e Case POA II envolveram-se esta semana em duas ocorrências distintas onde foi necessária a intervenção por parte de agentes socioeducadores das respectivas unidades para realização de contenção mecânica, o que resultou em 04 servidores com lesões leves. Cabe lembrar que, ao contrário do sistema prisional, os jovens, mesmo que se digam identificados com determinados grupos não são separados ou segregados, ficando todos lotados nas unidades que possuírem vagas disponíveis no momento da internação.
– Situações que envolvam o manejo de adolescentes mesmo que excepcionalmente, em circunstâncias de maior agitação no sistema, são inerentes às peculiaridades do cargo de agente socioeducador.
– Casos como estes constituem-se em exceção à rotina do sistema, que tem se mantido em estado de normalidade inclusive em períodos considerados críticos como Natal e Ano no Novo.– Como sugere matéria do Diário Gaúcho, a Fase não passa por qualquer ‘instabilidade no sistema’. As rotinas seguem dentro da normalidade institucional em que pese a existência da superpopulação nas unidades (148% da capacidade). Entretanto, cabe lembrar que a Fundação não é a gestora das vagas dentro do sistema.
– A matéria faz ainda referência a dois recentes episódios de resgates de adolescentes ocorridos no ano passado. O que não é revelado é que são realizados, somente na Capital, mais de 7 mil procedimentos por ano em circunstâncias de deslocamento idênticas. Tratam-se de atividades externas dos jovens, entre as quais o comparecimento às audiências no Judiciário. Só na unidade Carlos Santos, por exemplo, são 3,2 mil deslocamentos a cada ano.
– A despeito do que diz o sindicato sobre a suposta falta de profissionais, mesmo com a grave crise financeira atravessada pelo Rio Grande do Sul, o Governo do Estado contratou, em 2016, um total de 91 novos servidores concursados. A medida, além da geração dos empregos, possibilitou qualificar a execução das atividades do sistema, sendo que das unidades da Capital, os Cases POAI e POAII foram as unidades que receberam maior lotação de novos servidores (25 agentes).
– Por fim, destaca-se que a Fase trabalha para geração de novas vagas no sistema. A Fundação está investindo R$ 50 milhões na construção de três novas unidades (nas cidades de Osório, Viamao, Santa Cruz do Sul ) e na ampliação de 30 vagas em Novo Hamburgo, o que resultará na criação de novas 240 vagas. Ressalta-se que desde 2004, não há construção de unidades da Fase. Em matéria de investimento em infraestrutura, a Fase firmou um convênio com a Secretaria da Educação no valor de R$ 10 milhões para construção de nove unidades escolares dentro do sistema.
– É importante lembrar que, no último dia 16, foi implantada a Revista Humanizada em todas as unidades de internação da Fundação no Estado, com investimento de US$ 100 mil. Os centros de atendimento reformaram e readequaram seus espaços internos para viabilização do procedimento, além de fornecer treinamento e capacitação ao corpo técnico. Com a quantia foi possível ainda a compra de equipamentos, sendo 12 pórticos com detectores de metal, 24 banquetas, 210 raquetes, 12 nobreaks e 24 armários metálicos para armazenagem de bolsas e sacolas.