A crise de violência vivida pelo Rio Grande do Sul – especialmente em Porto Alegre, onde até o final de novembro pelo menos 707 pessoas já haviam sido assassinadas em 2016 – não é inédita no Brasil. Rio de Janeiro e São Paulo que, estatisticamente, registram as maiores baixas nas taxas de homicídios do país nos últimos anos. Iniciativas sociais e independentes do poder público foram fundamentais para contrariar realidades críticas vividas nos anos 1990.
Em São Paulo, o Instituto Sou da Paz foi fundamental para a redução de 42 homicídios/100 mil habitantes para 13 no intervalo de uma década. Já no Rio de Janeiro, o Viva Rio, coordenado por Rubem César Fernandes, colocou a segurança pública na prioridade de qualquer debate sobre a cidade. Ele e Carolina Ricardo, uma das criadoras do instituto paulista, serviram de exemplos na manhã desta segunda-feira no 1º Encontro Gaúcho pela Segurança Pública, promovido pela OAB/RS em Porto Alegre. Em comum, apresentaram qual o pontapé inicial para quem pensa em uma ação semelhante de resposta à violência.
– É preciso deixar claro para toda a sociedade de que o fundo do poço chegou e que não é mais possível admitir essa realidade. Enquanto não se consegue o engajamento de todos para essa realidade, é muito difícil fazer todas as forças sociais agirem – diz Carolina Ricardo.
Mais de 70 representantes de entidades civis estavam no público . Entre eles, Marie Krahn, 60 anos, integrante da ONG Serviço de Paz (Serpaz), que atua em São Leopoldo, saiu satisfeita.
– É gratificante quando podemos escutar bons exemplos e ver que o trabalho com persistência para contrapor o cotidiano violento dá certo. O desafio é colocar tudo em prática e levar para a sociedade cada uma das soluções possíveis para sairmos deste cenário de violência – afirma a ativista que em 2004 fez parte da criação da ONG, e desde a adolescência é dedicada às causas sociais.
De acordo com o presidente da OAB/RS, o evento foi mais um passo no caminho do desejado pela entidade para um pacto pela paz no Estado. Há oito meses ele lidera movimentos com esse objetivo.
– Nossa ideia é absorver boas experiências e construirmos aos poucos um pacto pela paz no Rio Grande do Sul, com o comprometimento das forças sociais e sem esperar por soluções do poder público. É um papel nosso e responsabilidade de todos – afirma o presidente da OAB/RS, Ricardo Breier.
Na tarde desta segunda-feira, outro momento de mobilização contra a violência está programado para acontecer na Assembleia Legislativa. Será criada a Comissão Especial da Segurança Pública, a ser presidida pelo deputado Ronaldo Santini (PTB).
O exemplo da Viva Rio
Em 1993, a partir de duas chacinas, grupos começaram a se mobilizar e compartilhar a ideia de que a violência no Rio de Janeiro havia passado de todos os limites. Primeiro passo foi identificar qual a dimensão do problema, ouvindo os agentes de segurança. A seguir, definiram soluções viáveis a curto prazo.
- Promoção de ações midiáticas, com muita participação da imprensa e de agentes sociais dos mais variados setores, para que todos participem das soluções.
- Valorização dos espaços públicos, com campanhas para recuperação de áreas degradadas para que voltassem a ser de convívio social (Praia de Ramos, que se tornou o Piscinão de Ramos).
- Início da discussão, nos anos 1990, do que seria um policiamento comunitário adequado. Foi criada a campanha "a polícia que queremos", de onde surgiram diversas sugestões de melhoria do policiamento.
O exemplo do Instituto Sou da Paz
Em 1997 aconteceu o seminário São Paulo sem Medo como forma de mobilização após uma ação de extrema violência policial na Favela Naval, em Diadema, na Região Metropolitana de São Paulo. Foi iniciativa conjunta entre órgãos de imprensa e o Núcleo de Estudos da Violência, da USP. Dali, saíram as seguintes medidas:
- Desenvolver, a partir de estudos sobre a violência e a criminalidade, metodologias de enfrentamento ao problema e se tornar propositivo ao poder público. Boa parte do trabalho desenvolvido no instituto hoje norteia a política de segurança pública do estado de São Paulo.
- Reforma na PM de São Paulo, com o desenvolvimento da polícia comunitária, criação da força-tática e coordenadoria operacional. A prioridade passou a ser o trabalho de inteligência, com base em dados e estatísticas.
- Criação do Fórum Metropolitano de Segurança Pública, reunindo 39 prefeitos da Região Metropolitana de São Paulo. Incitando o protagonismo dos municípios no enfrentamento à violência. Alguns resultados foram a criação do banco de dados da segurança pública, integração entre as guardas municipais da região e a troca de informações.
- Elaboração de um diagnóstico com o perfil dos homicídios e, aí sim, investiu-se financeiramente na especialização do Departamento de Homicídios.
- Promoção de campanhas e ações pelo desarmamento. A queda nos homicídios coincidiu com a concretização desse projeto.
_ Incentivo às lideranças comunitárias em locais que mais são afetados pela violência. A mudança precisa partir de dentro para fora dessas comunidades. O papel do instituto está em fomentar a formação desses líderes e instrumentaliza-los.