Em acentuada elevação desde o primeiro semestre de 2015, a quantidade de latrocínios cometidos no Estado neste ano evidencia: os roubos que tiram vidas acontecem a qualquer hora e lugar.
Nos seis primeiros meses de 2016, foram 89 latrocínios registrados no Rio Grande do Sul – 35% a mais que no mesmo período do ano passado. E o segundo semestre se iniciou com tendência de manutenção no quadro. Nos dois episódios mais recentes, em Porto Alegre, morreram o porteiro José Luís Godinho do Sacramento, 57 anos, e a médica Graziela Lerias, 32 anos. E a projeção é de que o ano termine com o recorde desse tipo de crime no Estado.
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Cada vez menos seletivos, criminosos não diferem alvos por raça, cor, classe social ou sexo. Motoristas e pedestres, homens e mulheres, são assassinados durante a noite ou à luz do dia por bandidos armados, com faca ou arma de fogo, à procura dos mais variados bens: dinheiro, relógios, bolsas, celulares e veículos.
A seguir, Zero Hora conta histórias de quatro gaúchos que tiveram a vida abreviada pela crueldade dos ladrões.
Isabel e Gerson perderam a vida por um carro
Foram poucos segundos entre a abordagem para tentativa de roubo de um Corsa e a morte da motorista em 11 de janeiro, no bairro Jardim Ypu, zona leste de Porto Alegre. Imagens de câmeras de segurança flagraram o crime às 22h04min, na Rua Altamira.
A vítima, Isabel Cristina Grandini Dias, 47 anos, foi assassinada com um disparo que a atingiu na testa. Ela chegava na casa da irmã, onde cuidaria do cachorrinho de estimação dela. Ao estacionar, foi surpreendida por um Corolla prata, que cortou a frente do seu veículo. Dois ladrões desceram e se aproximaram com arma apontada.
Ainda não se sabe o que motivou o tiro de um dos homens, mas a suspeita da polícia é de que Isabel tenha feito algum movimento brusco ou não tenha conseguido soltar o cinto de segurança a tempo – moradores tentaram socorrê-la e a encontraram ainda presa ao equipamento, com uma das mãos sobre o botão de destravamento. O disparo fatal atravessou o vidro lateral do carro, que não foi levado pelos ladrões.
– Foi tão de repente, uma morte estúpida. Minha irmã morreu tentando tirar o cinto de segurança. Ela foi julgada e executada em cinco segundos – lamentou o irmão Roberto Grandini Dias, 67 anos.
Sete meses depois do latrocínio, ninguém foi preso ou identificado.
– O crime ainda não tem autoria. Mas estamos investigando – explicou o delegado Fernando Soares, da 15ª Delegacia de Polícia da Capital.
Abordado por três criminosos no pátio de casa, Gerson Artur Meurer, 51 anos, foi morto com um tiro na barriga em troca do Corsa Sedan, ano 2001, que pertencia ao seu cunhado. O crime aconteceu no dia 13 de julho, na localidade de Linha Nova, interior de Santa Cruz do Sul, no Vale do Rio Pardo. O empresário, que chegava de uma visita à mãe no hospital, foi surpreendido pelo trio às 21h, quando subia as escadas que dão acesso à residência. Derrubado pelo bando e atingido por um único disparo, Meurer foi socorrido por familiares, mas morreu horas depois. O trio fugiu com o automóvel.
– Sabe quando tu olhas e não acredita? Eu vi meu pai caído no chão sem conseguir falar, gemendo de dor. Ele era meu herói – lembrou a filha única, Kethlin Meurer, 20 anos.
A jovem lamenta que as vidas de pessoas sejam interrompidas prematuramente em troca de bens materiais, que passam a ser insignificantes diante da dor que passa a assolar os familiares:
– Podem levar tudo, se quiserem, só não tirem a vida. Se tivessem dito: me dá o carro, me dá o dinheiro, o pai teria entregue. Por mais que a gente tenha fé, no primeiro momento, fiquei duvidando da existência de Deus quando ele foi morto.
Segundo o titular da Delegacia Especializada de Furtos, Roubos, Entorpecentes e Capturas (Defrec) de Santa Cruz do Sul, delegado Luciano Menezes, duas pessoas chegaram a ser presas no mês passado, mas foram liberadas em seguida, por não teriam envolvimento no crime que vitimou o empresário.
– Estamos trabalhando, quebrando sigilos (telefônicos), mas não podemos dar mais detalhes agora – explicou.
Shelli perdeu a vida por uma bolsa
Além de ter a bolsa roubada por duas pessoas, a relações públicas Shelli Uilla da Rosa Vidoto, 27 anos, recebeu três facadas – duas no braço esquerdo e uma no peito – que lhe tiraram a vida. Conforme apontou a investigação, a vítima, mesmo ferida, correu atrás da dupla, até, sem forças, cair no chão e morrer antes da chegada do socorro, a duas quadras de casa. O crime aconteceu em 8 de julho, por volta das 21h15min, na Rua Bento Gonçalves, bairro Nossa Senhora das Dores, em Santa Maria, na região central do Estado.
– Não consigo aceitar uma coisa dessas, matar a minha filha simplesmente por matar. Fiquei sabendo depois que ela tinha R$ 300, um iPhone e umas coisinhas na bolsa. Podiam ter levado tudo, menos a Shelli de mim. O monstro que deu a facada decretou a pena de morte à minha filha – desabafou Paulo Vidotto, 54 anos.
– Era feliz, mas ali terminou minha alegria. Era minha única filha. O assassino pôs fim à minha família naquele momento, não vou poder ter netos. É uma dor tão grande que não sei explicar – acrescentou o pai de Shelli.
Os autores do latrocínio foram identificados. Um deles é Bruno Laurindo Borges, 24 anos.
– Concluímos o inquérito. Um homem foi preso preventivamente (Bruno), e uma adolescente (de 15 anos) entregue aos cuidados do Conselho Tutelar – disse o delegado Laurence de Moraes Teixeira.
A primeira audiência na Justiça sobre o crime está marcada para 19 de setembro.
Valdoní perdeu a vida por um celular
O telefone que Valdoní Carvalho da Rosa, 59 anos, tinha nas mãos quando foi assaltado e morto nem dele era. O pedreiro não era afeito a este tipo de tecnologia. Em uma das poucas vezes que saiu de casa com um celular, emprestado por um amigo, acabou assassinado com dois tiros nas costas.
Três homens em bicicletas o abordaram por volta das 20h na Rua 20 de Setembro, bairro Estação Portão, em Portão, no Vale do Sinos, na segunda-feira, quando se dirigia a uma lanchonete onde costumava assistir a jogos de futebol pela TV. Conforme a Polícia Civil, Valdoní teria se negado a entregar o aparelho, e os assaltantes o mataram.
– Ele era amado demais, uma pessoa maravilhosa. Não tinha inimigos. Foi um pedaço de mim que morreu – lamentou a mulher de Valdoní, Belanir Terezinha Garghetti, 49 anos.
Ela se diz indignada com a banalização da violência no Rio Grande do Sul:
– A vida de uma pessoa parece não ter valor algum, já que matam para levar um celular.
Os três criminosos, que fugiram levando o aparelho, ainda não foram identificados. Conforme o titular da Delegacia de Portão, delegado Ivair Matos, alguns suspeitos estão sendo investigados.