O velório de Graziela Muller Lerias, morta em um latrocínio na noite do último domingo, ocorreu na capela C do cemitério São Miguel e Almas, em Porto Alegre. Cerca de cem pessoas foram dar adeus à médica por volta das 16h desta segunda-feira. Familiares, amigos e colegas de estudos e trabalho pareciam não aceitar o fim trágico e precoce da oftalmologista. Os pais preferiram não falar sobre o caso, mas permitiram que a reportagem de ZH acompanhasse a cerimônia.
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– É difícil ver uma menina alegre, que teve um ótimo acompanhamento dos pais, que se criou com a gente, ser morta de uma maneira tão banal. Vivemos em um Estado onde saímos todos os dias com medo de nos tornarmos a próxima vítima. Ontem, infelizmente, foi a Graziela, que entrou para as estatísticas – lamentou Simone Mallmann, 42 anos, amiga da família de Camaquã.
– Vimos ela crescer. É difícil ver uma menina tão jovem perder a vida por um motivo tão fútil – completou.
O crime aconteceu na esquina das avenidas Sertório e Ceará, no bairro Navegantes, zona norte da Capital, por volta das 19h30min de domingo, quando a médica foi atingida por um disparo de arma de fogo na região do abdômen.
Conforme a Polícia Civil, pelo menos dois bandidos abordaram o veículo de Graziela, que estava com sua irmã na carona. Ela teria se assustado e acelerado o carro após um dos indivíduos tentar abrir as portas do veículo. Os criminosos efetuaram três disparos contra o Citroën C4 da vítima e fugiram do local com o carro roubado. A vítima foi encaminhada em estado gravíssimo ao Hospital Cristo Redentor, chegou a passar por cirurgia, mas não resistiu e morreu na madrugada desta segunda-feira.
O marido de Simone, Marcelo Mallmann, 47 anos, disse que a família de Graziela sonhava que ela pudesse abrir uma clínica e trabalhar em Camaquã.
– Eles queriam muito que ela concluísse os estudos e fosse trabalhar lá em Camaquã, próximo da família. Era o sonho deles, mas isso foi interrompido por essa tragédia – disse abalado.
Um ex-colega de Graziela, que preferiu não divulgar seu nome, disse que a vítima era calma, querida por todos e que sempre buscava ajudar as pessoas. Ele estudou com ela na Universidade Federal de Pelotas (UFPel).
– Era excepcional. Uma ótima aluna. Era aquele tipo de pessoa que sentava na primeira fileira de classes da turma. Muito estudiosa e proativa – descreveu.
Vizinhança perigosa
A região onde aconteceu o crime que vitimou a médica de 32 anos é descrita pelos comerciantes do entorno como um local perigoso.
– Quando começa alguma movimentação suspeita, a gente já baixa a grade da frente. Tenho medo de que entrem aqui na loja – relata Roberto Vilodre, dono de um centro automotivo que fica na mesma esquina do crime.
Roger da Luz, 28 anos, já presenciou algumas cenas de violência em apenas dois meses de trabalho em uma loja de móveis no local. Uma delas inclusive foi gravada pelo funcionário.
– Tinha um carro estacionado aqui na frente, e dois homens tentaram abrir o veículo. Gravei tudo e chamei a polícia, mas ninguém apareceu – conta Luz.
Na manhã desta segunda-feira, a reportagem de ZH ficou por cerca de uma hora no entorno do local do crime e não registrou a presença de nenhum policial no local.
Luto em hospital
Formada em Medicina na UFPel, Graziela fez residência em Oftalmologia na Santa Casa, na Capital. Atualmente, cursava especialização na área e fazia residência no Banco de Olhos.
– A Graziela estava concluindo 11 anos de estudos. Já era oftalmologista e extremamente dedicada aos pacientes. Era uma menina cheia de vida – conta Ricardo Morschbacher, coordenador da área de ensino do Banco de Olhos.
Na manhã desta segunda, o hospital divulgou uma nota de pesar pela morte da oftalmologista.
"É com muito pesar que o Hospital Banco de Olhos informa o falecimento da médica Graziela Muller Lerias vítima de uma fatalidade da violência urbana", diz o texto. Graziela estava no último ano da residência de oftalmologia e fazia atendimentos pelo Sistema Único de Saúde (SUS) na instituição.
Colegas de trabalho e de estudos preparam uma manifestação contra violência e em homenagem a Grazi, como era conhecida. O ato irá ocorrer em frente ao Museu de História da Medicina do Rio Grande do Sul, na Avenida Independência, na Capital, às 16h de terça-feira.
Contraponto
Procurado por Zero Hora, o comandante do 11º Batalhão da Brigada Militar, tenente-coronel Valdeci dos Santos, disse que é difícil apurar porque a reportagem de ZH não avistou nenhum policial na manhã desta segunda-feira no entorno do local do crime. Segundo o comandante, o 11º BPM possui poucas viaturas e atende uma área extensa da cidade.
– Temos poucas viaturas e nossa área de atuação é muito extensa. No momento da pesquisa de ZH, provavelmente nossos policiais deveriam estar atendendo ocorrências em outros bairros, mas é difícil afirmar isso sem os dados de nossas viaturas – disse.
O tenente-coronel também ressaltou que a região onde ocorreu o latrocínio não é um local que regista muitos crimes desse tipo. Segundo ele, esse caso foi "pontual".
– Atendemos outras regiões com maiores índices de criminalidade. O bairro navegantes é uma área comercial, onde os crimes mais registrados são furtos e roubos. O latrocínio de domingo foi pontual e ocorreu de maneira atípica – disse.
*Zero Hora