A Secretaria de Segurança Pública (SSP) decidiu diminuir a frequência de divulgação dos indicadores de criminalidade. A partir deste ano, em vez dos relatórios se tornarem públicos a cada três meses, serão liberados para consulta somente a cada semestre. Os dados mais recentes, fornecidos em janeiro, indicaram um aumento de 70% nos casos de homicídios ao longo da última década – o que colocou o Rio Grande do Sul entre os Estados mais violentos do país.
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Confirmada pela SSP no início desta semana, a decisão de aumentar o período entre as divulgações dos dados é apoiada na legislação atual, justifica o tenente coronel Luiz Porto, diretor de Gestão e Estratégia da SSP. O prazo, diz a lei, é de que as informações se tornem públicas sempre em até 60 dias após o término de cada semestre. Sendo assim, os gaúchos só devem ter acesso aos próximos índices do RS em agosto, mais de sete meses após o último balanço, de janeiro.
– Estamos cumprindo o que prevê a legislação. Além disso, identificamos que a divulgação trimestral não retrata dados consistentes sobre a violência, mas sim mudanças sazonais. Três meses é um período muito curto para que tenhamos uma análise mais acurada do comportamento criminal – explica Porto.
A justificativa é semelhante à fornecida no governo anterior, que também reduziu a periodicidade das divulgações. De 2002 a 2013, os índices eram fornecidos mensalmente. Já no final deste mesmo ano, passou a ser trimestral, sob o governo de Tarso Genro. Desde o início do governo Sartori, as mudanças parecem ter se acentuado. Em relação ao detalhamento dos números, entretanto, Porto garante que os critérios permanecerão os mesmos:
– Vamos seguir divulgando os dados na íntegra, assim como a lei nos pede. A população poderá seguir acessando por cidade, por tipo de crime, assim como sempre foi.
Especialistas temem menor pressão popular
Recebida com maus olhos por especialistas em segurança pública, a mudança segue o caminho oposto a outros Estados do país. Em São Paulo e Rio de Janeiro, por exemplo, os dados já são divulgados mensalmente. Esses são os locais que tiveram, também, os melhores índices de redução da violência nos últimos anos.
– Diminuir a frequência é um absurdo. Vai na contra-mão da ideia de deixar a população cada vez mais preparada e consciente do que está ocorrendo, de mostrar se os crimes estão crescendo ou diminuindo, se o Estado está sendo eficiente ou não. Diminuir a divulgação dos dados implica reduzir a pressão pública para mudanças – destaca o ex-secretário nacional de Segurança Pública José Vicente da Silva Filho.
Para o especialista, a justificativa de que o governo está apenas cumprindo a legislação é insuficiente, uma vez que a preocupação maior deveria ser em manter a população informada e protegida:
– A autoridade pública tem a responsabilidade de responder o que fez para chegar neste ponto e o que vai fazer para melhorar. Mas, para isso, precisamos saber que ponto é esse. Cumprir a lei com ainda mais eficiência daquilo que ela prevê é também cumprir a lei. Esse discurso que está sendo dado é pura conveniência.
O tenente coronel Luiz Porto, entretanto, explica que divulgar a cada três meses não significa necessariamente deixar a população melhor informada, uma vez que, segundo ele, quanto maior o período de coleta de dados, mais profunda é a análise.
– Se eu quero que as pessoas entendam se a violência está crescendo ou diminuindo, preciso de uma sazonalidade maior. A questão aqui é querer dar informação com mais fundamento e conteúdo para a sociedade, e não o contrário – justifica.
Já a OAB/RS, que também se posicionou contra a decisão, afirmou em nota que a iniciativa implica em ocultar os dados da criminalidade para a população, o que seria um retrocesso. Conforme presidente da OAB/RS, Ricardo Breier, a iniciativa aumenta sensação de insegurança e contraria os princípios básicos de governança moderna da gestão pública.
É o que defende também o sociólogo, jornalista e especialista em segurança pública, Marcos Rolim, que é categórico ao dizer que o Rio Grande do Sul está na vanguarda do atraso quando o assunto é o combate à violência.
– Acho uma decisão lamentável. O Estado não só deveria divulgar esses dados em prazos mais curtos, como também distribuir para a população os mapas de ocorrências. A ausência de informação dificulta também a prevenção – explica.
Conforme Rolim, outra questão que preocupa, não só no Rio Grande do Sul mas no Brasil todo é a forma como os dados são reunidos. Hoje, explica o especialista, os dados são coletados a partir das ocorrências policiais, na qual as vítimas procuram a polícia e efetuam o registro.
– O tema central é que a grande maioria das pessoas não efetua o registro. Quanto menor é a confiança da população no governo, maior é a taxa de sub-notificação. E o Brasil é um dos países onde este índice de confiança é muito baixo.
Para o especialista, seria preciso mudar a forma de reunir os dados, seguindo o modelo de países como Estados Unidos e Inglaterra, que fazem pesquisas de vitimização com a população, estimando também a violência que não chega nas delegacias:
Estado tem futuro incerto
Conforme a análise de José Vicente da Silva Filho, o RS está entrando em um ciclo crescente de violência que tende a aumentar nos próximos cinco a 10 anos. Enquanto o Estado alega dificuldades financeiras para reforçar polícias e combater crimes, o especialista destaca que talvez nem estas medidas sejam suficientes daqui pra frente:
– Quando começa um ciclo desses, um processo epidêmico de violência, os recursos para a redução da criminalidade que antes funcionavam passam a não ter mais o mesmo efeito. O Estado está passando por uma crise de segurança e é necessário, mais do que nunca, que o governo reconheça o problema e mostre o que está sendo feito para resolver a situação.