Há mais de cinco meses, o prédio-sede da perícia criminal no Estado está interditado por precaução contra incêndio e questões de direito de propriedade. Desde então, problemas se acumulam no setor. Espalhados por edifícios não projetados para funções técnicas, os peritos carecem de locais adequados para testar armas, realizar exames laboratoriais e até de silêncio para elaborar sofisticados laudos de engenharia, que demandam concentração. O resultado é que, além de instalações improvisadas, o setor acumula atrasos na entrega de perícias vitais para esclarecimento de crimes.
Mais de 3,4 mil perícias deixaram de ser realizadas entre novembro e fevereiro, apenas no setor de balística, o mais afetado pelas mudanças no Instituto-geral de Perícias (IGP), informa o Sindicato dos Peritos Criminais do Rio Grande do Sul. Vital para elucidar delitos como homicídio e latrocínio (roubo com morte), a área ficou fechada nesse período, sem emitir laudos, porque a interdição do prédio resultou no fechamento dos laboratórios onde eram feitos testes de tiro (para checar se a bala vem de uma determinada arma) e revelação química (para identificar a procedência de cada arma).
O setor de balística voltou a operar, mas continua com defasagem nas perícias. Os peritos dizem que uma sala para testes balísticos foi improvisada no almoxarifado do IGP, na sede da Secretaria da Segurança Pública (SSP).
- Mas lá há só uma caixa de disparo em uso para exame de comparação de teias e outra em construção, dos sete equipamentos (micro comparadores balísticos) existentes. Alguns estão em desuso por falta de espaço e três estão no prédio interditado do IGP, na Avenida Princesa Isabel. Só armas curtas (revólveres e pistolas) são periciadas. Espingardas e fuzis não, porque inexiste lugar para testar suas munições - informa Eduardo Lima Silva, presidente do Sindicato dos Peritos Criminais.
A direção do IGP admite que, até segunda-feira, 3,4 mil requisições de perícias esperavam concretização, sendo 1.260 para funcionamento de armas e 2.207 de comparação de projéteis. E novas perícias voltaram a ser feitas, mediante agendamento.
- Mas implantamos a atividade de força-tarefa, que está nos propiciando a redução do déficit e agilidade na elaboração de laudos - comemora Antônio Pedro Figini, diretor do Departamento de Criminalística, em resposta ao questionamento de Zero Hora.
Setor de engenharia está abrigado em sala emprestada
O problema é que os empecilhos não se limitam ao atraso em perícias. O setor de engenharia, que faz laudos sobre acidentes em prédios, por exemplo, trabalha em uma sala acanhada emprestada pelo Departamento de Identificação (DI), na Avenida Azenha. O acúmulo de gente em salas diminutas provoca reclamações dos engenheiros, que precisam se compenetrar para elaborar laudos complexos, com escassos computadores e muitos interessados em usá-los. O IGP admite que a sala é pequena para tanta gente, mas contrapõe que a engenharia ocupa também uma sala silenciosa na SSP e uma grande sala junto ao gabinete da chefia do IGP.
No DI, também atuam 20 peritos no plantão de locais de crime: os que vão aos lugares e coletam vestígios de delitos, como sangue e pólvora. Eles se queixam de dormir sobre colchões colocados em estrados de madeira e, também, de excesso de gente em um lugar pequeno. A direção do IGP estuda uma possível mudança para outro prédio estatal, para melhorar as condições dos plantonistas.
Aluguel de prédio pode diminuir problema
O IGP funciona hoje, provisoriamente, em metade de um andar do prédio da Secretaria da Segurança Pública (SSP). Na antiga sede, os peritos se espalhavam por três andares inteiros. Essa improvisação não deve durar, promete o governo do Estado. Duas soluções são estudadas. Uma, de longo prazo, é a construção de um novo prédio próprio para o IGP, que deve começar em 2015 e para o qual estão reservados R$ 28 milhões, garantidos pelo Ministério da Justiça, além de R$ 2,8 milhões de contrapartida da SSP. Há a necessidade de licitação.
Já a solução de curto prazo é o aluguel de um prédio. Um local, na Zona Norte, já estava escolhido, mas esbarra na negociação do valor. O governo estadual queria pagar R$ 25 mil mensais, os donos pedem R$ 85 mil, e a conversa está em andamento, informa o presidente do Sindicato dos Peritos, Eduardo Lima Silva. Enquanto isso, alguns laboratórios permanecem inoperantes. A direção do IGP diz que há negociação do aluguel, sem definição.
Profissionais queixam-se do espaço das salas destinadas ao trabalho (foto maior) e, também, do lugar destinado a plantonistas (imagem acima). Ao lado, o único equipamento balístico que estaria funcionando
Há quatro meses, família espera por IGP para enterro
A família de Osvaldo João Agrimpho, 61 anos, espera há quatro meses para sepultar o agricultor. O motivo: está no aguardo do IGP para a despedida. O que emperra a liberação do corpo no DML é a conclusão dos testes de DNA, que comprovariam a identidade de Osvaldo. De acordo com a direção do órgão estadual, não há sequer previsão para que isso aconteça.
- É angustiante essa situação. Meu pai queria apenas se despedir de forma digna do irmão - lamenta a professora Daiane Coelho Agrimpho, 28 anos, sobrinha de Osvaldo.
No dia 7 de dezembro, o corpo do agricultor foi encontrado sem a cabeça e parte dos braços, além de uma possível perfuração no peito, às margens de um córrego, nos fundos da sua propriedade rural, no bairro Espigão, em Viamão. A morte teria acontecido dias antes, e o corpo já estava em avançado estado de decomposição. Para a família, não havia dúvida de que se tratava de Osvaldo, que não era visto, na época, há cerca de um mês.
- Aquele era o local onde ele costumava lavar as roupas. Foi encontrado morto ali com diversos dos seus instrumentos de trabalho para a roça bem próximos. Mas não era o suficiente. Então o meu primo forneceu material para comparação do DNA - conta a sobrinha.
Desde que o caso foi encaminhado pela polícia ao IGP, com a necessidade dos exames para identificação, Daiane e o pai, Vilmar João Agrimpho, 60 anos, vivem uma rotina semanal de procura ao departamento para saber o resultado do DNA. Nunca obtiveram qualquer informação conclusiva. Ao contrário, os peritos disseram que só dariam informações à polícia. Não deram. E o caso tende a se arrastar.
De acordo com a chefe da Divisão de Genética Forense do IGP, perita Cecília Helena Matte, o material fornecido para comparação estava muito degradado. Não houve sucesso na análise. Por e-mail, ela respondeu à reportagem que "o IGP já solicitou novo material".
- Não há como fornecer um prazo para conclusão do laudo e liberação do corpo - resumiu.
De acordo com o chefe de investigação da 2ª DP de Viamão, José Patriarca, porém, nada foi enviado pelo IGP até o momento sobre o inquérito. A família também não foi contatada pelo órgão para que possa fornecer novo material de análise.
Polícia não tem conclusão sobre a causa da morte
O desaparecimento de Osvaldo Agrimpho foi registrado na polícia no dia 25 de novembro. Era a data em que ele deveria ter ido visitar o filho, mas não apareceu. Vizinhos relataram, no entanto, que ele já não era visto na região desde o começo daquele mês.
Para a família, há suspeita de que ele foi assassinado. A tese seria reforçada pelas constantes brigas que o agricultor tinha com alguns vizinhos. Para a polícia, porém, não surgiu nenhum elemento que comprove um homicídio.
- Não obtivemos nada que leve a essa suspeita ouvindo testemunhas. Precisaremos dos laudos periciais para determinar exatamente a causa da morte. Mas até agora não recebemos nada - aponta José Patriarca.
Ele não descarta que Osvaldo tenha morrido de causas naturais, como um mal súbito.