Um homem foi espancado até a morte dentro de uma cela de delegacia em Santa Vitória do Palmar, no sul do Estado. O suposto autor do assassinato, conhecido na região por ser usuário de drogas e ter cegado uma mulher durante uma briga, foi levado para o presídio Estadual da cidade, sob acusação de homicídio qualificado. Já os policiais, que só se deram conta da agressão quando a vítima estava morta, poderão no máximo sofrer uma suspensão do serviço.
O assassinado foi Ailson Lemos Alves, trabalhador rural de 42 anos sem antecedentes criminais até a madrugada de segunda-feira, quando foi preso por embriaguez ao volante com 1,25 decigramas de álcool no sangue.
- Ele era uma pessoa séria, mas foi lá fazer as festas dele e acabou preso. Tudo bem ser preso, merecia porque bebeu. Mas ser morto? E dentro da delegacia, onde supostamente haveria segurança? - se questiona o irmão, Alessandro Rocha.
A família se revolta e clama por justiça, dizendo que vai entrar com uma ação contra o Estado.
- Eu não vi o corpo do meu primo porque tivemos que enterrá-lo com caixão fechado. Não dava pra botar roupa, o que sobrou dele foi ensacado. Tu imaginas o que o cara fez com ele? Me falaram que a cela era um banho de sangue. E ninguém escutou? - se apavora a prima, Lisiane Martins Lemos.
Apesar da cela ficar a apenas oito passos do plantão, onde um policial civil e outros dois brigadianos varavam a madrugada, o delegado Rafael Vitola Brodbeck garante que ninguém ouviu os gritos. Somente às 2h15min um servidor notou um barulho e "foi checar imediatamente", como diz Brodbeck. Mas já era tarde.
- Eu tinha saído para comer e descansar um pouco. Os dois presos estavam calmos quando os pusemos ali, na única cela disponível - se defende o delegado.
Mas há outras versões. O indiciado como assassino, Crisciano dos Santos, 26 anos, teria já chegado nervoso na delegacia. Isso porque ele foi detido após armar uma confusão no Hospital da Santa Casa de Misericórdia da cidade. Tratado como dependente químico de crack, ele teria surtado depois de uma negativa para seu pedido de raio-x no hospital:
- Depois de falarmos que ele só poderia fazer raio-x no dia seguinte porque não era grave a dor no pé e não temos plantão para esse serviço, ele saiu e pouco depois voltou gritando e batendo em tudo. Quebrou a porta de entrada e alguns computadores da sala de enfermagem - lembra o chefe da recepção do hospital, Peter Jansen.
Segundo a investigação, Santos teria atacado Alves sem qualquer motivo. Os dois sequer se conheciam. Assim, ele será indiciado por homicídio qualificado por motivo fútil. Já a Delegacia Regional de Rio Grande, que abrange Santa Vitória do Palmar e tem poder de corregedoria, instaurou um inquérito em que irá apurar a conduta policial e como futuramente isso pode ser evitado:
- Em uma eventual falha policial nesse caso, poderia haver uma "falta média", que corresponde a suspensão do trabalho dos servidores - explica o delegado regional Elione Lopes.
Outras recomendações também podem ser expedidas como colocação de câmera de segurança na cela. O relatório deve ficar pronto dentro de 30 dias. Já o Ministério Público afirma que irá aguardar o inquérito da polícia para tomar qualquer medida sobre a atuação dos servidores:
- Temos independência para investigar a atuação dos policiais, caso acreditemos que o caso não esteja sendo tratado de forma devida pelos órgãos competentes (no caso, a delegacia regional). Mas como acreditamos que todos procedimentos estão sendo feitos de forma correta, vamos aguardar - justifica o promotor Rogério Meirelles Caldas.
O corpo de Alves foi enterrado no Cemitério Municipal às 9h desta terça-feira. Ele deixa três irmãos vivos.