Silvia Sperling Canabarro (*)
Nós, familiares de autistas, ansiamos a cada novo obstáculo que a doença nos apresenta encontrar manejos e recursos que nos auxiliem proporcionar uma melhor qualidade de vida a quem tem transtorno do espectro autista (TEA).
Sabemos que durante o desenvolvimento da criança, passando pela adolescência até a vida adulta, o autista pode manifestar sintomas e comportamentos que trazem desde prejuízos sociais até impactos neurológicos mais comprometedores, como as convulsões. Meu filho teve seu primeiro episódio de convulsão generalizada ainda quando criança. Foi um episódio isolado até seus 17 anos.
A experiência é aterrorizante para quem nunca presenciou. Em um segundo, seu filho está sentado vendo TV, e no outro seus olhos reviram e seu corpo tomba num tremor incontrolável. Isso pode durar segundos ou minutos que parecem intermináveis. Não há o que fazer para cessar a crise, só manter seu corpo protegido de lesões físicas.
Nessa primeira experiência corremos para a emergência para avaliar suas condições pós evento epileptogênico. Nada constatado, volta-se para a vida normal, que nunca mais será normal, visto que já não o era.
O medo e a ansiedade permeiam os dias seguintes, mas com o apoio de profissionais e tendo em mãos o tratamento medicamentoso indicado nos tornamos mais confiantes e esperançosos de que esses eventos não se repitam, pelo menos num futuro próximo.
No início de 2020, um mês antes do início da pandemia, o terror se instalou novamente com três episódios em sequência de convulsões, a primeira, mais severa, a última, mais leve. Adequamos as medicações e, após um mês, a vida voltou ao nosso normal.
Isso tudo me impactou muito, pensei que afundaria na depressão. Não achava justo ter que lidar com o autismo e, de repente, com a epilepsia associada. Onde isso vai parar?, me perguntava. Sempre me esforcei para ser positiva e ter momentos alegres, cultivar meus momentos de paz e prazer, com minhas plantas e atividade física. Mas crises convulsivas não estavam no meu planejamento de manejo de problemas.
Como o tempo e o arsenal medicamentoso tratam quase tudo, novamente seguimos nosso caminho tortuoso, sem crises generalizadas, ou seja, sem aqueles eventos de tremores e quedas com perda de consciência. Mas quem convive com a epilepsia sabe que ela se manifesta de maneiras mais sutis e que o olhar atento do cuidador percebe quando as descargas neurológicas estão ocorrendo. Percebemos desde maneirismos faciais e corporais até comportamentos disruptivos.
Quando meu filho começou a andar nu em casa, com o olhar vago, perdendo o interesse pelo inseparável tablet, pela TV e até pela comida que adora, me desesperei. Pensei: agora tornou-se um alienado, típico de instituições psiquiátricas, como a que tive o desprazer de conhecer quando fiz um estágio de familiarização há muitos anos atrás. Algo entrou em disfunção no seu cérebro. Foi então que tive um insight e propus à médica o uso do canabidiol. E é sobre este assunto que quero me aprofundar.
No mês de conscientização do autismo, comumente fala-se sobre o preconceito que a pessoa autista sofre, mas não posso deixar de abordar o preconceito que também existe em relação a essa medicação tão promissora.
“Canabidiol não é maconha, isso deve ficar claro de uma vez por todas”
Nunca fumei maconha e nem pretendo. Mas o canabidiol não é maconha, e isso deve ficar claro de uma vez por todas, para que ideologias religiosas ou políticas não contaminem a compreensão e o apoio da sociedade na luta de milhares de pessoas que se beneficiam desse medicamento.
Após a introdução do canabidiol, em poucos dias meu filho voltou ao comportamento adequado. Desapareceu a mania bizarra de andar nu, melhorou muito a qualidade do sono, ficou mais feliz, tranquilo e focado. Também reparei que quase desapareceram os movimentos faciais involuntários que me afligiam, por sugerirem a iminência de uma convulsão.
Não há como ignorar os impactos positivos do canabidiol no tratamento da sintomatologia do autismo e de tantas outras enfermidades. Esse óleo extraído da planta Cannabis sativa, que não causa efeitos alucinógenos ou dependência, é um grande aliado na obtenção de qualidade de vida de pessoas que sofrem e fazem uso de inúmeras outras medicações danosas aos órgãos pelo uso prolongado das mesmas.
Chega de desconfiança das vacinas, da difamação da indústria farmacêutica e do repúdio ao desconhecido. É hora de ouvirmos os especialistas e celebrar o avanço da medicina. Não faço apologia ao uso recreativo da planta, mas sim à utilização medicamentosa do óleo, prescrita pelo profissional habilitado.
Assim, compartilho minha experiência exitosa com o canabidiol. Meu filho segue com inúmeras outras medicações, portanto, ainda não chegou a pílula milagrosa, mas espero que essas gotas que trouxeram alívio a um corpo e a uma mente possam fazer parte do tratamento de muitos outros autistas, e que o acesso seja facilitado com a regulamentação do plantio da Cannabis sativa para fins medicinais, o que acarretará em produção nacional com insumo próprio, barateando o produto de forma considerável.
Já que a sociedade clama por inclusão, devemos lutar também pela inclusão da população de baixa renda ao tratamento com canabidiol. A nossa sagrada natureza nos oferta esse insumo valioso para seu bom uso, e nisso não há nada de profano.
(*) Nutricionista e mãe de autista