Bruno Luiz Guidolin (*)
Para cada dia de 2020, em média três pessoas tiraram a própria vida no Rio Grande do Sul. Ao todo, o Estado registrou 1.419 óbitos por suicídio naquele ano, conforme apontaram dados da Secretaria Estadual da Saúde (SES). Esse índice nos leva à triste condição de primeiro lugar nacional na relação entre o número de ocorrências e o total de habitantes: são 13,34 a cada 100 mil pessoas, taxa duas vezes maior do que a média do Brasil. As explicações para esse fenômeno são diversas e, muitas vezes, se sobrepõem umas às outras.
Especula-se que as raízes europeias dos gaúchos, com forte presença alemã, possam ter alguma relação com esses indicadores. Em sua obra intitulada O Suicídio, publicada em 1897, o sociólogo Émile Durkheim já identificava altas taxas de suicídio na Saxônia, região pertencente ao Império Alemão. Até hoje essa conexão é feita: há estudos feitos especialmente nos municípios de colonização germânica do Estado que sugerem que a relação que esse povo tem com a ética do trabalho possa refletir em um número maior de suicídios.
Fatores socioculturais, como o machismo, também parecem impactar nos índices de mortes autoprovocadas. Quando exaltamos a figura do gaúcho aguerrido, deixamos de dar espaço à vulnerabilidade intrínseca a todo o ser humano — inclusive aos homens. Questões socioeconômicas, como desemprego e endividamento, somam-se ao rol das causas.
Outra explicação que se acrescenta a todas essas é a natureza das atividades econômicas praticadas aqui no Estado, como a agricultura. Estudos apontam que o uso de agrotóxicos pode estar relacionado a uma maior quantidade de casos de ansiedade e depressão. E sabemos que 95% dos indivíduos que tentam ou tiram a própria vida têm transtornos mentais.
É justamente para falar abertamente sobre o assunto que foi criada, em 2014, a campanha Setembro Amarelo, encabeçada pela Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP). Muito mais do que tratar exclusivamente de suicídio, o mês é dedicado à promoção da vida e aos esclarecimentos sobre o tema, ainda muito estigmatizado.
Ao contrário do que se imagina, falar sobre o suicídio não o incentiva. É por meio da conversa que se abre uma enorme janela de oportunidade enorme para oferecer ajuda às pessoas que estão passando por situações difíceis. E isso reduz a chance de elas se tornarem parte das estatísticas.
Para além de abordarmos a prevenção do suicídio, é importante que o mês de setembro sirva como pano de fundo para um debate mais amplo, englobando o cuidado integral com a saúde mental. No entanto, por que abrir essa discussão?
Nos últimos anos, o Brasil tem liderado o ranking dos países mais ansiosos do mundo, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS). Fora isso, dados do Covitel (Inquérito Telefônico de Fatores de Risco para Doenças Crônicas não Transmissíveis em Tempos de Pandemia) referentes ao primeiro trimestre deste ano apontam o Sul como a região brasileira onde há maior prevalência de depressão, com 18,3%. O índice de ansiedade também é alto: nossos três Estados estão em segundo lugar, com 30%, ficando atrás somente do Centro-Oeste, que registrou 32,2%.
Prevenir, diagnosticar e tratar esses transtornos mentais são os primeiros passos para evitarmos os casos de morte autoinfligida. Somente identificando e cuidando dessas doenças é que vamos reduzir o número de suicídios. Para isso, é preciso que a sociedade hasteie a bandeira da vida não somente em setembro, mas em todos os meses do ano.
(*) Médico psiquiatra e coordenador do Serviço de Psiquiatria do Hospital de Clínicas Ijuí