Mariana Bohns Michalowski (*)
Crianças enfrentando o câncer é uma realidade que toca o coração de todos nós. No entanto, muitos desconhecem que, quando detectadas precocemente, essas doenças têm altas chances de cura.
Por esta razão, foi lançada a campanha do Setembro Dourado, que visa conscientizar a população sobre os sinais mais frequentes destas doenças e, assim, aumentar as taxas de diagnóstico precoce. Entre os cânceres da infância, o mais frequente é a leucemia linfoblástica aguda (LLA) com taxas de cura próximo de 80% em nosso país.
Por ser uma doença do sangue, os sintomas mais frequentes das LLAs estão relacionados à anemia (cansaço, palidez), baixa das defesas (febre) e alterações da coagulação (manchas roxas no corpo sem história de impacto, pequenos pontos vermelhos na pele, sangramento de nariz, gengiva ou urina). Em alguns casos, ínguas ou aumento do fígado ou baço também podem ser observados, além de dor nos ossos.
Apesar de ser uma doença altamente curável, o tratamento não é fácil tanto do ponto de vista médico quanto pessoal, familiar e social, pois envolve internações prolongadas e múltiplas, além de complicações que necessitam de medicações endovenosas, transfusões de sangue e antibióticos. Isto tudo acaba ocasionando uma grande mudança na vida da criança e sua família. Para a criança, a frequência na escola e espaços de brincadeira, assim como contato de familiares, amigos e bichos de estimação, é restrito ao longo dos meses de tratamento. Já dos responsáveis é exigida uma presença quase constante que dificulta muitas vezes suas funções profissionais, cuidado com outros filhos e atividades sociais de apoio emocional e de cuidado da própria saúde.
Novas tecnologias e medicações
Sendo assim, novas formas de tratamento que garantam a qualidade de vida e ao mesmo tempo melhorem as taxas de sobrevida são tão importantes. A boa notícia é que algumas delas já são realidade por aqui. Novas tecnologias e medicações vêm sendo regularmente incorporadas no rol da Agência Nacional de Saúde (ANS) do Sistema Único de Saúde (SUS) beneficiando inúmeras crianças ao tratar melhor e com menos efeitos adversos a curto e longo prazo. Enquanto o tratamento quimioterápico padrão destrói todas as células que se multiplicam rápido, incluindo cabelo, mucosa e medula óssea, medicações mais modernas chamadas de terapia alvo (como o blinatumomab) eliminam quase que exclusivamente as células da doença. Apesar disto, é importante salientar que, infelizmente, nem todas as terapias já incorporadas estão disponíveis para pacientes do sistema público de saúde.
Neste cenário desafiador, a união do diagnóstico precoce com o acesso ao melhor tratamento é a ferramenta essencial para garantir a cura de crianças com menos sequelas e, assim, com maior potencial para se tornarem adultos com integridade física e psíquica, capazes de ampla inserção social. O Setembro Dourado é o início desta trilha rumo a mais crianças livres do câncer.
(*) Oncologista e hematologista pediátrica formada na Université de Lyon (França), chefe da Unidade de Internação em Oncologia Pediátrica do Hospital de Clínicas de Porto Alegre e professora do Departamento de Pediatria da Faculdade de Medicina da UFRGS