Está marcado para os dias 21, 22 e 23 de junho o 22º Congresso da International Stress Management Association no Brasil (Isma-BR), entidade presidida pela psicóloga porto-alegrense Ana Maria Rossi. O evento será realizado no hotel Plaza São Rafael, na Capital. As inscrições estão disponíveis no site eventos.ismabrasil.com.br até 13/6 (com desconto até 31/5).
Estão na pauta temas como “As reparações dos danos decorrentes da covid-19”, “O cansaço das demandas” e “Suicídio: falar é a melhor solução”. As mudanças nas estruturas profissionais e a promoção de condições mais saudáveis de trabalho, dentro e também fora das empresas, também serão abordadas.
É aí que entra Gabriela Sartori, 40 anos, fundadora, com Priscilla Bencke, da NEUROARQ@ – Academia Brasileira de Neurociências e Arquitetura. Em entrevista por WhatsApp, ela contou que o interesse de aliar arquitetura e neurociência surgiu quando ela estava “vivendo um turbilhão”:
— Foi uma busca por sentido na profissão. Eu já estava estudando as áreas de desenvolvimento humano, autoconhecimento, neurociências, psicologia, espiritualidade. Estudei primeiro para me conhecer, por causa de questões pessoais fortes. Depois, comecei a questionar o que eu fazia na arquitetura, e em especial na arquitetura de interiores. Pensei: não pode ser só isso, o ambiente na arquitetura é mais do que isso, impacta as pessoas, é mais do que simplesmente forma e funcionalidade. Nessa busca, deparei com a neuroarquitetura, e daí passei a me dedicar a essa área.
A seguir, Gabriela fala sobre o impacto do ambiente no humor das pessoas, o papel da natureza e dos objetos e a importância da mudança, além de dar dicas para empresas e para o teletrabalho.
Pode explicar, para o público leigo, como arquitetura e neurociência se relacionam?
As áreas das neurociências estão se desenvolvendo mais fortemente desde a década de 1990, conhecida, inclusive, como a década do cérebro, e o que se entendeu desde então é que as neurociências podem ser aplicadas em outras áreas de atuação. Ou seja, podemos utilizar os conhecimentos das neurociências em áreas como economia, marketing, esporte... Com a arquitetura, não foi diferente. Os ambientes, sim, influenciam o comportamento humano, e essas duas áreas poderiam ser aliadas, serem complementares umas das outras. O início de tudo isso se deu com a fundação, em 2003, de uma academia chamada Anfa (Academy of Neurosciences in Architecture), que estuda esse tema nos EUA e reúne neurocientistas e arquitetos muito interessados em entender como os ambientes vão impactar o cérebro e como o cérebro vai impactar os ambientes.
O quanto se sabe sobre o impacto do ambiente no humor das pessoas? E o quanto o humor de cada um se reflete no ambiente? Em outras palavras, na linha do ovo e da galinha, como saber o que vem “antes”?
É a pergunta do milhão! Hoje, sim, já temos estudos que sugerem mudanças de humor por conta do ambiente em que se vive. Por exemplo, transtornos de humor, como depressão, bipolaridade, podem, sim, estar influenciados pelo ambiente em que se habita, especialmente em ambientes mais urbanos, onde não se tenha contato com a natureza. Mas também existe uma correlação do ambiente com a pessoa e da pessoa com o ambiente. O ambiente é um reflexo da pessoa, reflete como a pessoa está se sentindo, e pode reafirmar um eventual sentimento depressivo. Daí que entra a grande mudança de chave proposta pela aliança entre neurociência e arquitetura. O ambiente pode ser também uma grande ferramenta para uma mudança de padrão. Para uma pessoa depressiva, que vive em ambiente todo escuro, sem contato com a natureza, sem acesso à luz natural, nem vontade de ter acesso a uma iluminação natural, uma simples mudança de padrão nesse ambiente pode fazer com que ela se sinta de modo diferente, de repente comece a reagir diante daquilo. A iluminação a partir de uma janela ou a abertura de uma cortina já seria um passo importante.
Dito isso, qual é o papel da natureza?
A natureza é fundamental. Se a gente for para a nossa história, a história da evolução da espécie humana, veremos que o nosso desenvolvimento aconteceu no meio natural. Repare na nossa biologia: o ciclo circadiano, por exemplo, depende de nossa interação com a luz do Sol. Há hormônios que são liberados quando é noite e outros que são liberados quando é dia. Então, como espécie, seguimos com uma necessidade muito grande de integração com a natureza. Nós somos a própria natureza, pois somos seres vivos. A gente esquece disso, entramos em uma onda de separar: somos uma coisa e a natureza é outra.
Seja trocando um móvel de posição, fazendo uma nova pintura ou mudando o lugar um quadro ou um adereço, isso é muito positivo. Hoje a ciência já nos explica que essa movimentação traz benefícios para o cérebro, porque cria nova dinâmica espacial no ambiente e gera novas sinapses.
E qual é o papel das coisas que têm valor afetivo, dos objetos com memória?
Dentro da neuroarquitetura, temos um olhar muito positivo sobre esses objetos, desde que estejam ativando memórias positivas dentro de você. É importante prestar atenção nisso. De repente, você tem um objeto que vai lhe lembrar um momento triste, talvez por um período de tempo ter aquele objeto na sua casa pode não ser tão legal. Por isso, em conjunto com um time multidisciplinar, desenvolvemos uma ferramenta chamada EAME. É a Escala de Ambientes Memoráveis, que vai justamente investigar junto ao cliente memórias felizes ou positivas e, a partir da memória com o ambiente resgatado, utilizar esses elementos para fazer um projeto novo, criando ambientes que vão gerar memórias positivas.
Há pessoas que adoram mudar os ambientes. Troca o sofá de lugar numa semana, na outra pinta uma parede do quarto, depois resolve virar a cama de lado... Outras preferem manter tudo sempre do mesmo jeito. Existe um “certo” ou “errado”?
Seja trocando um móvel de posição, fazendo uma nova pintura ou mudando o lugar um quadro ou um adereço, isso é muito positivo. Hoje a ciência já nos explica que essa movimentação traz benefícios para o cérebro, porque cria nova dinâmica espacial no ambiente e gera novas sinapses. Assim, é produzida uma neuroplasticidade que é muito positiva para a manutenção e o desenvolvimento cerebrais. Em qualquer etapa da vida, isso é positivo. Mas vai minha ressalva: pessoas de mais idade ou com alguma deficiência, como cegueira, por exemplo, ou alguma demência, como Alzheimer, com elas temos de tomar mais cuidado, porque uma pequena mudança pode mudar toda a dinâmica deles no ambiente.
Na televisão e no streaming, são comuns programas que falam de organização e pregam o desapego. Existe um limite para a organização, ou seja, em algum momento não vira obsessão? E para o desapego? Se as pessoas não guardassem coisas/objetos/móveis/cartas/livros, quanto de memória não se perderia?
A questão a organização é bem estudada. Há muitos pontos positivos para o desenvolvimento do cérebro e para o trabalho, mas a gente tem de lembrar que tudo em excesso é ruim. Inclusive a organização. Ambientes estéreis demais, funcionais demais... Falta de equilíbrio não é bom. O ato de organizar o desapego ajuda a organizar o cérebro. A literatura da psicologia diz que crianças que nascem em casas com regras muito rígidas que são tendem, na vida adulta, a não reproduzir o mesmo padrão nas casas onde vão morar. Buscam o oposto, justamente com o objetivo de alcançar esse equilíbrio. Quanto ao desapego, vale aquela dica anterior: quando olhar para aquele objeto, entender se tem uma sensação positiva, se desperta uma lembrança feliz.
Às vezes, a demanda em uma uma empresa não é por espaços de descompressão, mas sim por ambientes de acolhimento, lugares silenciosos que permitam o foco e o descanso. Ou atém um espaço adequado para reuniões, sejam presenciais ou online.
Durante a pandemia, muita gente passou mais tempo em casa, inclusive levou o trabalho para casa. Muitos seguem em home office, não raro com o trabalho invadindo a sala de estar. Que conselhos você dá para quem vive essa situação? Como criar a sensação de separação de ambientes, por exemplo?
Pois é. O ideal seria ter um espaço dedicado, que gera inclusive um gatilho, “Agora é hora do trabalho”, “Agora é hora do descanso”, em vez de deixar o trabalho invadir outras áreas da casa. Na pandemia, um efeito colateral muito comum foi que as pessoas passaram a comer mais, por exemplo. Porque estão ocupando, no teletrabalho, um lugar associado à alimentação. Bem, mas não existe esse espaço único na sua casa, não existe essa possibilidade. Ainda assim, o negócio é tentar delimitar isso de algum jeito. Essa é a minha cadeira de trabalho e esse é o espaço da mesa onde vou trabalhar. Condicionar isso no espaço que existe. É no quarto? Então buscar elementos para uma divisão física, para no momento do trabalho não enxergar a cama, e vice-versa.
Quais são os erros mais comuns no teletrabalho?
Não dar bola para a ergonomia. É possível que muitas pessoas ainda estejam trabalhando de forma ajustada, não em um ambiente preparado. Aí, o temporário virou fixo. Temos cadeiras que não são próprias para trabalhar, mesas que não têm o conforto físico, não deixamos espaço reservado para o trabalho, ou seja, misturamos a mesa das refeições com a mesa do escritório, ou trabalhamos na cama. São os erros mais graves, digamos assim.
E nos ambientes corporativos, nos escritórios? Você poderia citar alguns exemplos que contribuem para o bem-estar dos trabalhadores? E quais seriam os exemplos negativos?
Ixe, tem uma série. Os ambientes nunca são neutros. Impactam positiva ou negativamente. A iluminação e o barulho, por exemplo, podem contribuir para problemas que vão de uma dor de cabeça a quadros de ansiedade ou depressão. No trabalho corporativo, eu diria que o essencial, primeiro, é entender qual é o público de colaboradores, conhecer o perfil das pessoas que trabalham com você, cruzando isso com a cultura da empresa para daí ter um ambiente mais assertivo. Ah, vou colocar um espaço de descompressão para meus funcionários. Mas será que a cultura da empresa vai permitir isso? Será que as pessoas vão de fato utilizar? É um ambiente super legal? Sim. A gente sabe que é benéfico? Sim. Mas talvez haja muitas pessoas que não utilizem. Às vezes, a demanda é por espaços de acolhimento, ambientes silenciosos, que permitam o foco, o descanso, ou então lugares onde se pode fazer reuniões, presenciais ou online, de forma mais eficaz.
Quais são as cores que mais ajudam e mais atrapalham nos ambientes de trabalho?
Outra pergunta de um milhão. A gente já tem alguns estudos de cores, inclusive para áreas de estudo e saúde. Mas a gente gosta de frisar que cor é um aspecto no qual a memória pessoal pesa fortemente. Pode ser que você pinte uma parede azul que, pelo senso comum, vai gerar calma, mas para alguma pessoa pode estar ligado a um episódio traumático. Então, podemos trabalhar cores para um objetivo específico, mas não é 100 por cento garantido. Não tem uma receita de bolo que funcione para todo mundo.