Desde que foi diagnosticada com depressão há seis anos, a advogada Bárbara (o sobrenome foi ocultado a pedido da entrevistada), 24 anos, faz terapia psicológica e usa remédios para ansiedade. Durante o auge da pandemia, em meio à falta de perspectiva e o solitário isolamento no apartamento de Porto Alegre, as crises depressivas pioraram – sobretudo nos frios meses do inverno gaúcho, mais melancólicos.
— Minha depressão é cíclica: passo um período bem e depois posso ter um episódio complicado. Nas minhas crises, me torno apática. Não é ficar triste chorando sozinha, mas ficar quatro dias sem sair da cama, sem tomar banho, sem comer. É não conseguir reagir. Na pandemia, tive mais episódios complicados — afirma.
Bárbara ilustra o resultado de uma pesquisa do Ministério da Saúde divulgada no mês passado, segundo a qual Porto Alegre é, proporcionalmente, a capital com mais diagnósticos de depressão. Os resultados sugerem que a doença cresceu entre jovens.
Realizada anualmente pelo Ministério da Saúde, a pesquisa Vigilância de Fatores de Risco e Proteção para Doenças Crônicas por Inquérito Telefônico (Vigitel) indagou no ano passado a seguinte questão: “Algum médico já lhe disse que o(a) senhor(a) tem depressão?”. Responderam 27.093 brasileiros de todas as capitais.
Em Porto Alegre, 17,5% das pessoas relataram já terem sido diagnosticados com a doença, o maior índice entre capitais — na outra ponta, está Belém, no Pará, com 7,2%. Na média nacional, 11,3% dos brasileiros foram classificados, por seus médicos, como pessoas que vivem com depressão.
Uma contradição se desenha em Porto Alegre: a cidade com pôr do sol e rua mais bonitos do mundo, como clama o afetuoso bairrismo, abriga, também, os brasileiros mais deprimidos. A constatação não é novidade: a cidade é conhecida nacionalmente pelos altos índices de depressão e suicídio desde antes da pandemia.
Em 2021, Porto Alegre registrou a maior taxa de suicídio entre todas as capitais brasileiras, segundo análise de GZH sobre dados do Sistema de Informações sobre Mortalidade (SIM), plataforma do Ministério da Saúde. Foram 9,65 suicídios a cada 100 mil habitantes. A seguir, estão Campo Grande e Teresina.
A depressão, vale lembrar, tem influência genética (se seus familiares têm depressão, você tem maiores chances de desenvolver), mas é afetada por fatores sociais (pobreza, desigualdade, desemprego, violência urbana), comportamentais (traumas, maus-tratos na infância) e até climáticos (países escandinavos têm mais taxas de depressão por conta do inverno rigoroso, por exemplo).
Uma mistura em algum grau desses fatores explica a maior presença de depressão em Porto Alegre desde antes da covid-19. O inverno mais forte e prolongado em comparação a outras capitais e a comum ascendência alemã e italiana entre gaúchos são algumas hipóteses, diz a médica psiquiatra coordenadora do departamento de saúde mental da Secretaria Municipal de Saúde da capital gaúcha (SMS), Cristiane Stracke.
— Países com mais tempo de inverno têm índices de depressão mais altos, pela menor luz solar e interação durante o frio. Muito inverno e escuro interferem na biologia do organismo. Além disso, a maior parte das pessoas aqui tem descendência europeia, que é mais propensa a depressão e suicídio. Pode ser gene ou questão cultural. Alemães, por exemplo, têm uma rigidez maior — pontua Stracke.
Ainda assim, a alta incidência da depressão na Vigitel deve ser lida com cuidado: as pessoas responderam se já haviam sido diagnosticadas ao longo da vida, e não se estavam com depressão naquele momento de pandemia, diz Marcelo Fleck, coordenador do ambulatório de Depressão do Hospital de Clínicas de Porto Alegre (HCPA) e professor de Psiquiatria na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).
Ele destaca que Porto Alegre tem altos índices de depressão, mas pondera que o número de deprimidos pode não ser tão maior do que em outras capitais por duas razões: a cidade tem um dos Sistemas Únicos de Saúde (SUS) mais fortes do país e é reconhecida nacionalmente por treinar profissionais em saúde mental com excelência – fatores que facilitam o diagnóstico da população.
— Os dados detectam depressão, mas também qualidade do serviço médico. Pode ser que, em outra capital, a pessoa esteja deprimida, mas ninguém detectou. Os médicos daqui podem detectar melhor do que em outros Estados porque o sistema de saúde está mais organizado — afirma Fleck.
A hipótese conversa com os dados da pesquisa: as capitais com mais pessoas relatando depressão são mais ricas e com sistemas de saúde robustos: Porto Alegre, Belo Horizonte e Florianópolis. Na outra ponta, as capitais com menos diagnóstico foram Salvador, São Luís e Belém, conhecidas pela maior desigualdade social.
Tradicionalmente, doenças crônicas como depressão e diabete afetam pessoas mais velhas. Mas observamos aumento de casos diagnosticados em adultos mais jovens, de 18 a 34 anos, algo que é novo
RAFAEL MOREIRA CLARO
Coordenador da coleta de dados da pesquisa Vigitel
— Todas as doenças que exigem diagnóstico têm relação estreita com a presença de serviços de saúde: onde ha mais serviços, há mais diagnósticos. Um pouco da discrepância entre as cidades se deve a isso, o que não sabemos é o quanto dos dados se deve à falta de diagnóstico — afirma o coordenador da coleta de dados da Vigitel e professor do Departamento de Nutrição da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Rafael Moreira Claro.
O atendimento pelo SUS em um Centro de Atenção Psicossocial (Caps) ocorre somente após consulta em posto de saúde. Porto Alegre conta com oito Caps para atendimento de usuários de álcool e outras drogas, quatro Caps para adultos com transtornos mentais e três para crianças e adolescentes.
Quais são os sintomas mais comuns de depressão?
Desânimo, indisposição, tristeza, desinteresse, apatia, dificuldade de concentração, ansiedade, pensamentos de morte, sono alterado (dormir muito ou pouco), fome alterada (muita ou pouca fome).
Como devo lidar com um familiar ou amigo com depressão?
- Mostre-se disposto a ouvir
- Não diga que o problema é frescura nem que a pessoa não se esforça o bastante
- Incentive a pessoa a realizar acompanhamento psicológico, psiquiátrico e a realizar atividades físicas
Como pedir ajuda?
Busque um posto de saúde do SUS, que fará o encaminhamento para um Centro de Atenção Psicossocial (Caps), onde psicólogos, psiquiatras e assistentes sociais poderão fornecer auxílio.
Se você estiver em momento de crise, o Centro de Valorização da Vida (CVV) conta com voluntários que oferecem ajuda pelo telefone 188, 24 horas por dia, de segunda a segunda, gratuitamente.