O mês atual tem uma importante campanha para ser difundida: o Setembro Amarelo, dedicado à prevenção do suicídio. Em tempos de pandemia de coronavírus e isolamento social, ela ganha ainda mais relevância.
GZH conversou com Damir Huremovic, psiquiatra do Hospital Universitário North Shore, em Nova York, e formado pela Universidade de Sarajevo, capital da Bósnia e Herzegovina. Ele é editor do livro Psychiatry of Pandemics (A Psiquiatria das Pandemias, sem tradução para o português). Veja trechos da entrevista:
Depressão e suicídio são normalmente relacionados com isolamento e falta de perspectivas futuras. Tendo em vista que esta pandemia impõe justamente isso às pessoas, o que podemos esperar como possíveis consequências para nossa saúde mental? O senhor antevê uma epidemia de doenças mentais?
Para mim, cada pandemia chega acompanhada de algo chamado "explosão de emoções à sombra", um contágio que se espalha de mente para mente e chega com a pandemia. Estamos experienciando essa explosão emocional nos últimos seis meses. Mas há algo mais. Com o tempo, assim como qualquer outro desastre, esta explosão vai deixar um dilúvio de novos problemas mentais e emocionais em seu rastro. Podemos esperar uma piora de problemas mentais já existentes devido ao estresse e acesso limitado a tratamento. Depois, podemos esperar o estabelecimento de novos problemas, também devido ao estresse prolongado, perda, isolamento, disrupção na rotina e contínuo acesso limitado a tratamento. Eu fico particularmente preocupado com os estilos de adaptação que chegam à superfície na forma de abuso de substâncias e de comportamentos abusivos (como violência ou abuso sexual). Não posso fazer comentários sobre países ou sociedades específicos, porque cada comunidade acabará tendo sua própria "assinatura emocional" da pandemia de covid-19.
Em tempos de guerra, taxas de suicídio costumam cair e subsequentemente crescer quando as coisas ficam menos difíceis. Por que isso ocorre? O senso comum esperaria que as taxas de suicídio caíssem durante os tempos difíceis, não depois.
As pesquisas têm mostrado que, durante um desastre, as pessoas se reúnem em torno da ideia de sobrevivência, que fornece a cada um uma razão forte, um significado e um papel social útil. Tal período de desastre a psiquiatria chama de "fase de lua de mel", quando as pessoas unem forças e compartilham recursos para mitigar o desastre. Só depois que esse período termina e não há mais ameaça imediata às vidas é que as pessoas retomam suas situações e podem experienciar desespero devido à perda de entes queridos, recursos ou significados. Não é incomum que as taxas de suicídio cresçam meses após um desastre.
Experts em saúde mental estimulam as pessoas a ir para a rua e encontrar amigos e família, uma vez que esses encontros trazem benefícios importantes para a autoestima. Mas, nesta pandemia, encontrar pessoas não é bom _ aliás, é desaconselhado. O que devemos fazer?
Fazemos o possível. Humanos são seres sociais que dependem muito de contato físico, com algumas sociedades (como a brasileira) sendo mais expressivas do que outras (como a escandinava). Quando não podemos simplesmente encontrar e tocar as pessoas com quem falamos, ou abraçar aqueles que amamos e sentimos falta, é frustrante, uma situação que machuca. Devemos fazer o que podemos para superar a perda de contato físico e substituir com contato virtual por um tempo. As pessoas têm feito isso há meses, por chats em vídeo e redes sociais. Se esta pandemia continuar, contudo, prevejo que as pessoas estarão dispostas a aceitar certo grau de risco para ficarem mais próximas de seus entes queridos. Eu, pessoalmente, fiz uma viagem na qual cruzei oceanos neste verão para manter minha família junto. Foi uma decisão difícil e eu a tomei pesando cuidadosamente todos os prós e contras.
Desigualdade e violência estão relacionados a uma maior taxa de suicídio. Qual a relação entre pobreza e problemas de saúde mental? Como isso afeta pobres e ricos?
Pobreza e desigualdade causam vários estresses associados a violência, exploração, abuso e desnutrição, todos levando a problemas emocionais e mentais significativos. Combine isso com o fato de que a sociedade brasileira (tal qual muitas outras no planeta) tem problemas de acesso a cuidados básicos de saúde, sobretudo de saúde mental, o que leva a múltiplas questões de saúde mental que fermentam em comunidades pobres, invisibilizadas, subdiagnosticadas e não tratadas. Por outro lado, ser rico não oferece imunidade a doenças mentais. Se os pobres tiverem acesso a cuidados básicos de saúde, incluindo saúde mental, isso ajuda a ter uma sociedade mais equilibrada e menos fraturada, mais resiliente e menos suscetível a explosões violentas que podem estremecer sociedades muito após a pandemia ter acabado.
Como você pode ajudar
- Muitas pessoas que cogitam o suicídio não querem necessariamente morrer, mas fugir de um sofrimento muito profundo. A relação com o tempo e a realidade é distorcida: sente-se que a dor vai durar para sempre, que não há saídas possíveis, que ninguém poderá ajudar.
- A depressão que costuma caracterizar a angústia leva o indivíduo a crer que está isolado e sozinho no mundo — é a "redoma de vidro" citada pela escritora norte-americana Sylvia Plath. Mas, quando se recebe apoio psicológico, o desejo de suicídio enfraquece.
- A nível macro, o Estado pode aumentar o número e contratar mais profissionais para Caps (postos de saúde mental do Sistema Único de Saúde) e investir em campanhas de prevenção ao suicídio, enquanto empresas podem oferecer auxilio psicológico aos funcionários — em um pensamento econômico, mente saudável rende mais.
- A nível individual, terapeutas recomendam observar sinais de alerta (veja a seguir), oferecer apoio aos mais próximos e, para cuidar da própria saúde mental, valorizar as conquistas e os privilégios e focar no presente. Pequenos rituais prazerosos a cada dia ajudam a motivar em meio a um tempo de incerteza.
- Uma janta bem preparada, um filme com a família, um livro lido com uma taça de vinho são pequenas experiências que evitam que a pandemia se torne apenas um mesmíssimo borrão de dias de trabalho, cuidado dos filhos e Netflix no sofá.
- Falar sobre as ansiedades e temores com outras pessoas também ajuda _ é uma forma de fazermos, do isolamento, solidão compartilhada.
- Psicólogos também orientam a adquirir consciência de que o tempo passa na pandemia, portanto não podemos viver em suspenso: o que você contará sobre esse período da vida no futuro? Não é questão de buscar uma doida produtividade diária, mas sim de evitar o pensamento de viver "à espera da vacina".
- Uma saída, diz a psicóloga Maria Ângela Bulhões, da Associação Psicanalítica de Porto Alegre (Appoa), é se propor a estar junto no enfrentamento das dores. "Existir é solitário: ninguém sente o que tu sentes. O contato com o outro é que nos dá o sentimento de que compartilhamos."
Fatores de risco
- Tentativa prévia de suicídio
- Depressão
- Bipolaridade
- Vício em álcool ou drogas
- Suicídio na família
- Solidão
Sinais de alerta
- Vontade de dar uma pausa na vida
- Aumento do uso de álcool e de outras drogas
- Desesperança, desinteresse, desamparo
- Isolamento
- Afastamento de amigos ou familiares
- Despedidas
- Falta de perspectiva de futuro
- Demissão, separação ou perda de parentes podem ser gatilhos
Em adolescentes, fique de olho
Distorção na imagem corporal, tristeza constante, insegurança, problemas em se relacionar com outros adolescentes, crises de raiva, baixa autoestima, lesões que nunca cicatrizam (às vezes escondidas, nem sempre nos braços e pernas) e perda de cabelo em lugares específicos da cabeça.
O que fazer para melhorar a saúde mental
- Privilegie ligações por vídeo ou voz em vez de mensagem em texto
- Veja pessoas próximas com todos os cuidados, em locais abertos e com máscara
- Expresse a religiosidade, seja na igreja, em yoga ou meditação
- Pratique exercícios
Fontes: Cartilhas do Conselho Federal de Medicina (CFM) e da Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP)
Para buscar ajuda
Centros de Atenção Psicossocial (CAPS) do Sistema Único de Saúde (SUS)
- São postos dedicados à saúde mental. Em Porto Alegre, veja a lista em gzh.rs/caps-gzh
Consultas a baixo custo
Instituto Wilfred Bion
- Endereço: Rua Pedro Pieretti, 90, Jardim Botânico
- Telefones: (51) 3319-7665| 9-9172-7977
- R$ 55 na primeira consulta, depois valor é negociado com terapeuta
Fundação Universitária Mário Martins
- Endereço: Rua Dona Laura, 185, Rio Branco
- Telefones: (51) 3333-3266 e 98585-0120
- R$ 80 a consulta
ITIPOA Psicanálise e Criatividade
- Endereço: Rua Ramiro Barcelos 1517/208
- Telefones: (51) 3311-3008 e 99926-2936
- Valores abaixo do mercado conforme combinação com terapeuta
Instituto Cyro Martins
- Endereço: R. Gen. Souza Doca, 70 _ Petrópolis
- Telefone: (51) 3338-6041
- A partir de R$ 25 com estagiários em Psicologia e R$ 70 com terapeutas formados
Grupo Wainer
- Endereço: Rua Mathias José Bins, 1.510 _ Chácara das Pedras
- Telefone: (51) 98152-0143
- A partir de R$ 60