Na terapia, um desenho pode ser visto como uma tela onde a criança manifesta seu mundo interno. É uma forma de expressão tal como uma brincadeira cujo aspecto simbólico pode nos remeter a uma espécie de “sonho acordado” – portanto, um caminho para acessar o seu inconsciente. Katia Wagner Radke, psicanalista da Sociedade Psicanalítica de Porto Alegre (SPPA), afirma que até os 10 ou 11 anos as crianças ainda brincam e desenham no consultório. Depois, geralmente preferem jogos com regras e, a partir dos 13 anos, já na adolescência, passam a optar pela conversa.
— Enquanto os adultos falam, às vezes lembrando de músicas e livros, as crianças falam desenhando, modelando argila, brincando — afirma.
Essa "fala", no entanto, pertence ao campo da metáfora. E não há bula para interpretá-la, já que o mesmo desenho pode ter vários significados dependendo da criança e do momento em que ela se encontra. Onde os adultos enxergam uma casa, a criança pode ver um castelo com princesas e reis.
Um teste bastante aplicado por psicólogos pede que crianças desenhem uma figura humana, uma árvore e uma casa. A criança, diz Katia, acaba colocando o que está se passando com ela. Uma criança com asma, filha de uma mãe superprotetora, poderia, por exemplo, fazer uma casa sem janelas nem portas. Mas uma criança com muito medo de sair de casa, por exemplo, também poderia desenhar isso.
O desenho é um instrumento de expressão individual. Crianças que passaram por eventos traumáticos, como situações de perda e medo, costumam expressá-los em desenhos.
— Lembro de uma criança adotada que desenhava duas cidades, uma estava sempre vazia e a outra tinha gente. Tinha a ver com o fato de nunca ter conhecido a sua origem — conta a psicanalista.
Outra desenhou uma árvore com um ninho vazio. Imaginpu-se que havia ocorrido uma perda e descobri que a mãe havia perdido um bebê naquele período.
Katia ressalta que não cabe aos pais tentarem fazer essas interpretações. Além disso, o conteúdo do desenho, por si só, não dirá muito a eles:
— O desenho de forma isolada pode não dizer muito, mas passa a ser uma referência a partir de um contexto, levando em conta manifestações da criança. Desenhos muito repetidos podem servir como alerta de que algo está acontecendo.
O desenho de forma isolada pode não dizer muito, mas passa a ser uma referência a partir de um contexto, levando em conta manifestações da criança. Desenhos muito repetidos podem servir como alerta de que algo está acontecendo.”
KATIA WAGNER RADKE
Psicanalista
O sinal de atenção deve ser ligado quando a criança não brinca nem desenha, ou seja, possui poucas ferramentas de comunicação lúdica.
— Se não desenha, mas brinca bastante, não há problema. Desenhar e brincar são maneiras de expressar a criatividade — diz Katia.
Além de expressar, a arte pode ter uma função elaborativa, ajudando a criança a resolver seus conflitos:
— Uma criança que consegue brincar, desenhar, criar, mostra que tem muito mais recursos simbólicos, capacidades, potencialidades do que uma criança que tem inibição para o brinquedo, para a atividade lúdica e criativa, para expressar-se. Uma criança que não brinca é como um adulto que não trabalha. Ficam impedidos de usar seus potenciais.