Por Philip S. Gutis
Uma doença que se desenvolve lentamente, como o Alzheimer, nos dá tempo para duvidar. Talvez o diagnóstico esteja errado e os lapsos de memória e a luta para lembrar palavras sejam parte do envelhecimento normal. No mais profundo de nosso íntimo, ainda brilha uma pequena esperança. Chega o momento, porém, em que a negação não é mais uma escolha. Como o próprio Alzheimer, esse momento aparece sorrateiramente, cuidando para não se revelar de uma vez só.
Meu momento aconteceu recentemente, enquanto eu passava pelo teatro Bucks County, no centro de New Hope, Pensilvânia. Pude me lembrar, corretamente, de que meu marido, Tim, e eu tínhamos assistido a um musical lá e até de quem nos acompanhou, mas não tinha lembrança do que havíamos assistido. Tim me informou que foi "Guys and Dolls", mas essa memória não estava disponível. Nenhuma música, nenhuma história, nenhuma cena. Simplesmente nada.
Na manhã seguinte, sentei-me na cama silenciosamente e perguntei ao Tim:
— Está chegando, não está?
Sem questionar a intenção da minha pergunta, Tim respondeu gentilmente:
—Sim, está.
Chorei, claro, mas só um pouco. Obviamente, eu já sabia que algo estava mudando. Eu fui testado, picado, injetado e estudado por mais de dois anos como parte de um estudo clínico, mas, olhando para o passado, percebo que ainda alimentava uma sombra de dúvida.
A sombra se foi junto com a esperança. Agora, precisamos planejar seriamente o futuro. O Alzheimer vai continuar me tirando coisas e, a menos que um improvável milagre aconteça, nada vai barrar essa perda insidiosa. Perda da memória. Perda da mobilidade. Perda da liberdade. Apesar disso, não me entreguei. Lá no fundo, sei que há ainda muita vida para ser vivida, muito tempo para lutar e amar.
Os anos desde meu diagnóstico não têm sido de todo ruins. Alguns meses após termos recebido a notícia, eu e Tim, meu parceiro há 12 anos, fomos ao cartório e nos casamos. Minha irmã, minhas sobrinhas e meu sobrinho estavam junto e tiraram fotos quando demos nosso primeiro beijo de casados e, seguindo a tradição judaica, quebramos um copo para atrair boa sorte.
Também fui chamado para integrar o comitê do conselho nacional da Associação de Alzheimer. Durante o ano em que exerci a função, fiquei maravilhado com o apoio que a causa recebe e com as pesquisas país afora. Conheci um grupo fantástico de pessoas, incluindo algumas com demência e outras que trabalham duro todos os dias para frear a doença.
O sintoma mais perceptível que tive da doença até hoje foi a luta contínua para encontrar palavras. Estou conversando e, de repente, me dá um branco. Sinto como se tivesse caído em um vazio.
Tive sorte também de conseguir continuar trabalhando. A pequena organização sem fins lucrativos onde atuo permitiu que eu deixasse o cargo de diretor para assumir uma função de liderança em meio período. Não posso imaginar minha vida sem a estrutura e o propósito do trabalho.
Fui capaz também de manter um programa de atividades físicas por oito anos. Do crossfit à pedalada leve na bicicleta ergométrica, e tudo o mais que foi incluído, pude fazer algum tipo de exercício todos os dias para manter o sangue circulando. E, enquanto algumas pessoas não sentem prazer nisso, eu até que gosto (um pouco), e acredito, como sugerem pesquisas, que o exercício físico me ajudou a manter o monstro do Alzheimer sob controle.
Falando de pesquisas, participei de um estudo clínico para um remédio experimental, o aducanumab, da Biogen. Durante a fase "cega", que durou 16 meses, não sabia se estava recebendo o placebo ou a medicação em si. Hoje, participo da fase aberta, em que é garantido que eu receba o remédio que está sendo testado. Felizmente, nunca tive uma reação negativa ao tratamento e conheci muitas pessoas incríveis que trabalham arduamente para encontrar a cura para o Alzheimer.
Também culpo o Alzheimer por ter cada vez mais vontade de me isolar, o que acaba desencadeando ideias suicidas quando me sinto particularmente deprimido.
O sintoma mais perceptível que tive da doença até hoje foi a luta contínua para encontrar palavras. Estou conversando e, de repente, me dá um branco. Sinto como se tivesse caído em um vazio e acabo recorrendo a uma linguagem de sinais rudimentar para tentar me expressar. Às vezes, após 30 segundos mais ou menos de angústia, a palavra vem. Outras, não, e meu interlocutor fica tentando adivinhar o que eu queria dizer, podendo me levar a lágrimas de frustração.
Aliás, as lágrimas parecem ser um dos efeitos colaterais mais comuns do Alzheimer. Uma noite, estava em um restaurante com minha família quando comecei a me sentir cansado e, subitamente, comecei a chorar. Não conseguia parar e, meio sem jeito, Tim e eu deixamos o local. Só consegui me controlar quando estávamos chegando em casa, quase trinta minutos depois. Aquele tinha sido um dia exaustivo, mas não justificava o choro.
Em outra ocasião, pude sentir a emoção tomando conta do meu corpo após uma tensa reunião de trabalho. Assim que o escritório ficou vazio, comecei a soluçar. Interessante que nunca fui de chorar, mas agora tomo remédio para ansiedade, que pode ser o responsável pelo descontrole dos meus dutos lacrimais.
Também culpo o Alzheimer por ter cada vez mais vontade de me isolar, o que acaba desencadeando ideias suicidas quando me sinto particularmente deprimido. Encarar a realidade de estar perdendo o juízo é devastador. Junte a isso o medo de tornar-se impotente e dependente dos outros e, às vezes, acabar com tudo pode parecer a decisão mais acertada. Passei a concordar com quem defende de forma apaixonada que o suicídio assistido – ou o chamado suicídio racional – é uma questão de direitos humanos.
Por ora, contudo, estou convencido de que ainda tenho muita vida para viver. Vou seguir em frente, amando minha família e meus bichos, e trabalhando o máximo que puder pela conscientização sobre o Alzheimer. Continuarei participando do teste clínico para o remédio, não para mim, mas porque quero ajudar a eliminar essa doença; assim, futuras gerações, nossos filhos, sobrinhas, sobrinhos e os filhos deles, não precisarão encarar o Alzheimer nem testemunhar o esmorecimento daqueles que amam.
Enquanto isso, meu mais profundo agradecimento àqueles que têm oferecido palavras de apoio ou contribuído com a Associação de Alzheimer em meu nome. O apoio é muito importante, mas também gostaria de deixar um lembrete: por favor, não se surpreendam se eu esquecer, não se ofendam caso precisem me lembrar de quem são ou de algo que compartilhamos.
Vou lutar um pouco mais, porém assumindo uma postura mais realista sobre o que o futuro vai trazer.