A psicanalista francesa Marie-Christine Laznik, especialista em autismo, foi a convidada internacional da jornada Inquietações Contemporâneas: Autismo, Psicose na Infância e Sexualidade Feminina, que o Instituto Contemporâneo promoveu em Porto Alegre. A pesquisadora, que morou anos no Brasil, defende que é possível reverter o autismo com intervenções em bebês ainda no primeiro ano de vida. Ela se baseia em dados organizados por mais de 15 anos em pesquisas na Universidade de Paris, onde atua, e em outras instituições do mundo.
As ideias de Marie-Christine não são consenso entre aqueles que se dedicam a entender as pessoas que estão dentro do chamado espectro autista, especialmente entre os que questionam se os psicanalistas estão habilitados para esse fim. A francesa conversou com GaúchaZH sobre suas pesquisas.
Por que, aparentemente, temos observado mais casos de autismo?
O critério atual de inclusão no espectro de autismo utilizado mundialmente é o DSM-5, o Manual de Diagnóstico e Estatística dos Transtornos Mentais americano. Ele inclui no espectro não só os autismos, que são diversos e devem ser postos no plural, mas também as antigas psicoses infantis da nomenclatura francesa que tomam o nome de "não específicos". Foram acrescidos os retardos graves de linguagem e desenvolvimento e, na outra ponta do espectro, os autistas de alto funcionamento e os aspergers. Temos, então, um leque de problemas diferentes que vão da criança deficitária, sem linguagem e que pode não comunicar, até sujeitos extremamente brilhantes e por vezes monotemáticos. Segundo o doutor Laurent Mottron, do Centro Rivière des Près em Montreal, no Canadá, apenas 38% dos autistas não falam. Ele é um especialista dos autistas de alto funcionamento e lida com aqueles que vão à universidade. O que não quer dizer que tudo seja fácil para eles porque, segundo Mottron, o mundo não aceita a especificidade destas pessoas. Elas hoje se organizam na América em associações, o que nos permite saber em que profissões elas são mais eficientes: matemática, física, engenharia. O Google lançou há alguns anos um chamado para algumas centenas de engenheiros com a condição de que estivessem no espectro, porque os considerava mais eficientes que outros para determinadas tarefas. Em geral, encontra-se apenas uma fração desta população nos consultórios, as crianças com atraso de desenvolvimento e muitas vezes sem linguagem. Isso dá uma falsa impressão do que é o espectro do autismo.
Os pais, muitas vezes, não aceitam o diagnóstico?
De fato, num primeiro momento é duro ouvir um diagnóstico destes. Mas pode ser muito relativizado se abrirmos o prognóstico. Gosto de mostrar aos pais uma foto em que se encontram autistas de baixo funcionamento misturados com alguns aspergers (pessoas com transtorno de Asperger, um tipo de autismo) bem conhecidos: Bill Gates, Einstein, Glenn Gould (pianista canadense, considerado um dos grandes músicos do século), Newton e, claro, também o Rain Man. Digo então que, neste momento, a criança se encontra no espectro. Vamos trabalhar e muito. Quem ele vai ser mais tarde, não sabemos, está aberto. Isto muda tudo, não fechar o prognóstico. Sabe-se, também, que quando a criança é muito pequena, até três anos, por exemplo, pode sair, em certos casos, do espectro nos anos que seguem. O importante é dar um diagnóstico para que os tratamentos comecem e que os pais parem de correr de um lugar para outro em busca dele.
A senhora está dizendo que os autismos não são tão terríveis assim?
São terríveis, sim, porque, depois de um ano, o cérebro da criança se organizou de outra maneira. É isso que os organicistas dizem: "O cérebro do ser humano, para se organizar, demanda um certo número de interações psíquicas, com o chamado meio ambiente". O que podemos modificar como psicanalistas é a interação com a mãe ou com o cuidador. Se o bebê recusa esse tipo de interação, ele vai lesar o cérebro, que vai se desenvolver de outra maneira. Por vezes, com uma tal especificidade, que temos gênios. Por isso que digo que autismo não é necessariamente deficiência, mas são pessoas monotemáticas. Há outro asperger que eu gosto muito, o Lewis Carroll, autor do livro Alice no País das Maravilhas. Se ele não fosse autista, não teria escrito essa história. Você percebe que o autismo não é só coisa ruim? Isso é a primeira coisa que trabalho com os pais.
Quando o tratamento deve começar?
Segundo o neurocientista brasileiro-americano Ami Klin, o terrível é que o prognóstico depende muito da idade em que se começam os atendimentos. Para ele, deve-se intervir antes de dois anos, mas ele próprio imagina a possibilidade de uma reversão completa do quadro antes de um ano. Esta é minha experiência porque trato de bebês com risco de autismo e, de fato, parece haver uma reversão completa nos primeiros meses. Ami Klin dá uma explicação compreensível. Qualquer que seja a causa, e há centenas, o fato de um bebê não olhar nos olhos de seu cuidador, não se interessar por aquilo que lhe interessa – em geral, é a mãe que desempenha este papel de cuidador – vai levar o cérebro dele a não se desenvolver da mesma maneira que o dos outros. A nossa meta é intervir antes que esse desenvolvimento da patologia se dê.
Qual seria o maior equívoco quando se fala em tratamento para o autismo?
Bebês com risco de autismo não pedem para ser olhados, não chamam para que brinquemos com eles, não dão os dedinhos da mão para que provemos se são docinhos. Se a mãe já teve filho, ela se dá conta que este bebê não é como os irmãos.
MARIE-CHRISTINE LAZNIK
Especialista em autismo
O maior é pensar que a mãe é responsável pela doença. Desde o início, o bebê com risco de autismo tende a se fechar de tal forma que os esforços da mãe para entrar em contato com ele vão de encontro a uma parede. Incriminar as mães não só não faz sentido como vem reforçar a culpabilidade inata que cada uma de nós, mães, tende a sentir quando nossos filhos têm qualquer problema. Esta acusação é não somente falsa como contraproducente, porque faz a mãe perder a criatividade que precisa para ajudar a tratar seu filho.
Que sinais as mães podem observar em seus bebês que sugerem risco de autismo?
Bebês com risco de autismo não pedem para ser olhados, não chamam para que brinquemos com eles, não dão os dedinhos da mão para que provemos se são docinhos. Se a mãe já teve filho, ela se dá conta que este bebê não é como os irmãos. Ela fala disto com o pediatra, mas o profissional acaba falando com o bebê por meio de sua prosódia particular, chamada de "manhês", e que costuma ser desenvolvida pelos médicos sem que eles percebam. Diante dessa prosódia, o bebê com risco de autismo pode responder. Quando essa resposta acontece, muitos médicos dizem à mãe que ela está aflita sem razão e que a criança está se desenvolvendo bem. Depois é tarde. Uma das lições mais importantes que aprendi é ouvir os pais.
Depois do primeiro ano de vida, é possível reverter o quadro?
Pode melhorar muito, principalmente antes de dois anos. Mas uma reversão total é mais rara e exige um trabalho transdisciplinar intenso. Na França, temos conseguido bons resultados com três sessões de psicanálise por semana articuladas com uma psicomotricidade de uma abordagem especial, desenvolvida por André Bullinger. Os resultados são ainda melhores quando se consegue, além disso, implantar na casa da criança uma equipe de voluntários que aplicam uma versão francesa do método Sunrise. Vemos que se trata de um protocolo intenso. Nos primeiros meses de vida, consegue-se reverter o quadro com apenas uma sessão por semana com um analista que aprendeu a reanimar o bebê com a ajuda dos pais. Esse trabalho precisa ser articulado, em paralelo, com uma sessão de psicomotricidade. Mas vê-se logo que o protocolo é muito mais leve e os resultados, mais garantidos.
A senhora já falou que o bebê autista deseduca os pais. É isso?
Ele destrói a competência de parentalidade dos pais. Há pesquisas científicas que nada têm a ver com autismo, mas que mostram a que ponto a nossa reação enquanto mãe depende do que faz o bebê. Descobriram que, desde o primeiro dia de vida, o bebê apresenta micromovimentos dos dedos quando a mãe fala com ele. São movimentos imperceptíveis, mas que podem ser filmados. Quando um bebê não apresenta estes micromovimentos, notou-se que a mãe se endereça menos vezes a ele e com frases mais curtas. Imaginem um bebê que praticamente nunca a olha e que nunca a busca. Isso acaba desorganizando a função materna. Tive a sorte de assistir a uns 50 filmes caseiros de bebês que se tornaram autistas, emprestados pelos professores Muratori e Maestro, italianos do serviço de neuropsiquiatria da Faculdade de Medicina de Pisa. Os pais os haviam filmado bebês quando não pensavam que teriam problemas. É patético de se ver como as mães são carinhosas, tentam por todos os caminhos, e os bebês não respondem. Pouco a pouco vão desanimando e, no segundo ano de vida, desistem de conseguir o contato. Mostram-se prostradas e deprimidas. São essas mães que os profissionais encontram mais tarde e tomam seu estado, muitas vezes, como causa do problema, quando ele é a consequência.