A americana Christina Maslach foi uma das primeiras psicólogas a pesquisar o fenômeno da síndrome do burnout – a especialista estuda o tema há mais de 40 anos. Atualmente, é uma das principais autoridades no assunto. PhD pela Universidade de Stanford, Christina é professora da Universidade da Califórnia em Berkeley e autora dos livros Burnout: the Cost of Caring (Burnout: o custo do cuidado, em tradução livre) e The Truth About Burnout: How Organizations Cause Personal Stress and What to Do About It (A verdade sobre o burnout: como as organizações causam o estresse pessoal e o que fazer sobre isso). A especialista esteve em Porto Alegre para o 17º Congresso de Stress da International Stress Management Association (Isma-BR), e Zero Hora conversou com ela.
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Qual é a abordagem usada para evitar ou curar burnout?
Diferentes países têm diferentes respostas para essa pergunta. Na Suécia, há algum tempo, viu-se um aumento no número de afastamentos entre os profissionais de tecnologia da informação e da área da saúde. Essas pessoas estavam sendo diagnosticadas com depressão severa. Para dois terços delas, os motivos da depressão estavam relacionados somente ao trabalho. O sistema, naquela época, funcionava assim: se a pessoa fosse diagnosticada, ela seria afastada do trabalho por 18 meses e teria um tratamento com psiquiatra. Depois disso, ela voltaria ao mesmo trabalho. Vários especialistas e eu fomos levados até lá para entender o que estava acontecendo. Certo dia, estava andando pelas ruas de Estocolmo e uma das mulheres que estava afastada por causa da doença disse: "Não quero voltar para o trabalho de maneira alguma". O que é muito interessante: o sistema consistia em afastar a pessoa, tratá-la e mandá-la de volta. Mas ela não queria, ela queria trabalhar em qualquer outro lugar. Não estamos prestando atenção ao que causa o burnout. Não é só tratar, é perguntar por que esse problema está acontecendo.
E o que estaria causando o burnout?
Vejo, em alguns casos, que, se contratassem mais pessoas, a carga de trabalho melhoraria. Isso é uma loucura. A produtividade e a moral dos funcionários iria aumentar. Quando as pessoas começam a experienciar esses sentimentos de burnout, deve-se acender o sinal vermelho. O que pode ser feito antes que isso se torne uma depressão severa? Se há apenas uma pessoa em todo um setor que está com problemas, provavelmente pode haver algo específico sobre aquele indivíduo e suas expectativas. Mas, quando há várias pessoas no mesmo setor, é preciso olhar para o que está causando isso. Não preciso fazer grandes coisas, às vezes nem é necessário gastar muito para realizar mudanças. No caso de pessoas que acham que ninguém se importa com o seu trabalho, que se sentem subvalorizadas, uma das soluções mais fáceis é que as pessoas no topo (as lideranças) andem pelo setor, façam com que os colaboradores saibam periodicamente que são valorizados. Não é preciso trazer uma consultoria. Apenas esteja lá, presente, e não somente ganhando uma grande quantidade de dinheiro sem ao menos conhecer os seus funcionários e suas dificuldades. Não é difícil fazer, mas é preciso reajustar as estruturas hierárquicas e sociais.
Quais áreas mais sofrem de burnout?
Há diferentes tipos de trabalhos e ocupações que não tive a oportunidade de estudar. Então, não poderia dizer se há um "antídoto" para o burnout, algo como "seja um escritor, eles nunca passarão por isso!". Fizemos mais estudos com profissões que cuidam de outras pessoas. Eles precisam falar sobre isso, e para muitos é um estigma. Imagine como seria para um assistente social dizer que não quer mais escutar as pessoas que precisam dele. Estamos ouvindo também profissionais de outras áreas, que não trabalham com cuidado humano. Tenho feito pesquisas com a indústria da tecnologia, e pessoas jovens, de start ups, têm falado sobre suicídio. Há relatos de trabalhadores que pedem ajuda aos colegas e ouvem "Ah, isso não importa. Você é que não é forte o suficiente". Há uma cultura nessas empresas de quem trabalha com tecnologia que tem de dar 150%, e se você mostra qualquer sinal de fraqueza, de depressão, o errado é você. É uma cultura do medo, de que o estresse separa os fortes dos fracos. É um teste para ver se você vai se dar bem. As pessoas estão com medo de pedir ajuda, de dizer "Não, eu não quero vir aos finais de semana". Já ouvi de gerentes e CEOs que burnout é uma coisa boa, pois assim as pessoas pedem demissão e os poupam de demiti-las.
Um colaborador pode mudar a cultura da empresa onde trabalha? O que, sozinho, ele pode fazer?
Não há muito o que uma pessoa sozinha possa fazer para mudar as coisas. Mas uma equipe pode. Se o ambiente de trabalho não está saudável e todos entendem e percebem isso, eles podem, juntos, pensar em alternativas, tentar identificar o que é problemático e se ajudar mutuamente. Os colegas são o maior recurso, tanto para o bem como para o mal. Tanto é que, algumas vezes, as pessoas vêm até mim e dizem que gostam do trabalho, gostam de executá-lo, têm uma atitude positiva, mas há muita disputa política e fofocas dentro do ambiente e, por isso, elas não querem mais estar naquele lugar.
O que pode ser feito fora do trabalho para prevenir o burnout?
Quando alguém está sobrecarregado com o trabalho, chega em casa e fica no sofá. Só quer dormir, descansar, assistir televisão, comer fast-food, e tudo isso afeta os relacionamentos fora do trabalho, o que pode ser um grande processo de sabotagem. É claro que é preciso dormir, descansar e ter tempo para diversão, mas você precisa ser mais consciente sobre as relações que tem fora do trabalho. E se você se distancia das pessoas que ama, está se distanciando dos melhores recursos da vida para buscar apoio, que são a família e os amigos. Você precisa usar o seu tempo fora do trabalho para construir coisas boas.
Como seria a prevenção a longo prazo? Preparar-se antes de escolher uma carreira profissional?
Quanto mais conhecimento sobre uma profissão, melhor. Os mais velhos, com mais experiência, podem ser mentores para dizer como é a vida naquela profissão e como é a rotina. Já tive estudantes de psicologia que dizem que querem ajudar as pessoas. Eu os aconselho a estagiar em uma instituição de saúde mental. Quando voltam, alguns falam que foi a pior situação da vida. Outros dizem que a foi a mais incrível.
A profissão pode ser a certa, mas exercida no lugar errado?
O interessante daquelas seis áreas (leia mais aqui) é que as pessoas usam como um check list para identificar o que há de errado. Uma vez, uma cientista veio falar comigo e disse que via problemas naquelas áreas. Ela começou a ficar deprimida porque achou que tinha tomado a decisão errada de seguir pela carreira científica, já que havia pouco reconhecimento no laboratório onde estava. Ela identificou o que estava errado, mudou de laboratório e agora está vibrante, com muitas publicações feitas, ofertas de emprego. Ela é uma boa cientista e se deu conta de que precisava tentar aquela profissão em um lugar diferente. Se ela mudasse e continuasse ruim, talvez estivesse na área errada. Mas ela estava certa, era o lugar que estava errado.
Férias são uma maneira de aliviar esse sentimento?
Uma das coisas que as pessoas precisam para lidar com o estresse do trabalho é se distanciar. Mas isso leva à questão: por que não tornarmos o trabalho melhor? Uma das maneiras de se distanciar, além dos dias de folga, é sair de férias, claro. Precisam ser férias relaxantes, para recarregar as baterias, ver lugares novos, esse tipo de coisa.