Encher de crianças o banco traseiro do carro era o sonho da professora Katiúscia, 34 anos, e do metalúrgico Éric Salgado, 40 anos, que tentaram engravidar durante sete anos. De 2016 para cá, eles acabaram precisando comprar uma minivan para acomodar toda a prole.
No mesmo mês em que os irmãos Vitória, seis anos, Cássio, nove, e Lucas, 12, foram adotados, o casal engravidou da primeira filha biológica, Zahra. E se a adoção já foi rápida – levou 15 dias entre conhecer as crianças e levá-las para casa –, a chegada de um bebê terminou de transformar a vida do casal de Nova Petrópolis, na serra gaúcha.
– Quando vi as duas linhas vermelhas no teste de gravidez, eu não sabia se chorava de alegria ou de desespero – conta Katiúscia, que, hoje, acha graça.
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Éric e Katiúscia fizeram vários exames, tratamentos e até fertilização in vitro buscando engravidar. Quando pararam de tentar, conheceram os três irmãos, que havia mais de um ano estavam em um abrigo de Santa Cruz do Sul. Adotaram as crianças em agosto. Em outubro, a professora de espanhol descobriu que estava grávida.
Para o ginecologista e diretor do Fertilitat - Centro de Medicina Reprodutiva, Alvaro Petracco, embora não haja dados que comprovem se é comum os casais ganharem bebê após adotar, sabe-se que a ansiedade pode atrapalhar nas tentativas de engravidar. Ele ressalta que dificuldades nesse processo podem gerar grande frustração e estresse, ainda mais se aliadas ao sentimento de inadequação, à cobrança de familiares e à pressão imposta pelo meio em que se está inserido – ele relata que muitos casais até sofrem um isolamento social, pois os amigos já têm filhos.
Petracco ressalta que a realização de terapia, orientada especificamente para esse assunto, pode ajudar.
– Todo esse processo tem um gasto físico, do qual amanhã nem se lembra mais, mas também tem o gasto emocional do insucesso, e só quem passa por isso sabe avaliar o quanto é pesado. O casal quer bebê na barriga, e não existe essa certeza, portanto, a ansiedade é muito grande – relata o especialista. – Normalmente, quando vemos que o nervosismo é acima do aceitável, encaminhamos os casais para uma ajuda psicológica.
Muita gente disse a Katiúscia e Éric que eles conseguiram engravidar depois de adotar porque "desligaram". O casal, que tem muita fé, vê outra explicação.
– A gente acredita que Deus tinha planos grandes para o Cássio, para a Vitória e para o Lucas – diz Katiúscia. – Cada um veio com uma história, que nada vai apagar. Mas agora estamos escrevendo uma nova história juntos.
Aprendizados e adaptações
Os nove meses da gestação também foram o período de adaptação da família Salgado. Hoje, os dois filhos mais velhos acordam sozinhos, arrumam a cama, tomam café e pegam transporte para ir à escola, com uma autonomia elogiada pelos pais. Eles também ajudam em casa: recolhem "as dinamites" dos pets, enquanto Vitória até já passa schmier no pão para Katiúscia, quando a mãe está amamentando. Muito em função das longas horas de estudos com os pais, o desempenho na escola também já melhorou muito.
Katiúscia apressa-se em esclarecer que ser mãe de quatro não é um comercial de margarina. Antes requisitada apenas aos sábados, a máquina de lavar roupa hoje "bomba todo santo dia", e o "sofá da disciplina" já testemunhou muitas conversas. Mas isso tudo tem suas recompensas.
– Esses dias, me olhei no espelho e me senti o bagaço da laranja: descabelada e com olheiras pela noite mal dormida. Daí, chegou a Vitória em casa e falou: "Nossa, mãe, como tu tá linda hoje" – relata a professora. – Por mais que eu estivesse cansada, isso pagou o preço.
Zahra nasceu em 18 de maio, mas os irmãos tiveram que controlar a ansiedade e esperar mais cinco dias para conhecê-la – após uma convulsão, a caçula precisou fazer uma série de exames e ficou na UTI. Foi no dia do aniversário de Cássio que a menina recebeu alta, perto da meia-noite. Ao chegar em casa, Katiúscia e Éric encontraram os três filhos dormindo sentados na sala.
– Babando – acrescenta Cássio, que não ficou chateado por ter de guardar o bolo para o dia seguinte: – Fiquei feliz porque foi bem no meu aniversário.
Os manos fizeram uma fila para pegá-la no colo, por ordem decrescente de idade.
– Dava vontade de apertar ela – lembra Lucas.
A caçula ainda nem completou seu segundo mês de vida, mas Lucas, futuro jogador de futebol, Cássio, que quer entrar no Exército, e Vitória, que é professora de uma turma de aluninhos imaginários, já escolheram a profissão dela: estão confiantes de que Zahra vai ser modelo, afinal, mesmo dormindo sorri para as fotos.
Bem como Katiúscia e Éric, eles se dizem muito felizes com a família numerosa. Mas são unânimes quando a repórter pergunta se haverá um sétimo integrante.
– O lugar que sobra na minivan é para as bolsas – decreta Katiúscia.
Mas e o ciúme?
Carinho não falta na casa dos Salgado. Na tarde em que a reportagem visitou a família na Serra, testemunhou um ritual repetido sempre que alguém chega em casa. Com seu lacinho amarelo na cabeça, combinando com o moletom do uniforme, Vitória distribuiu uma sequência de abraços no retorno da aula. A mãe relata que todos fazem isso, sem que seja preciso pedir.
Então, não é de se espantar que Zahra tenha recebido toda a atenção antes mesmo de chegar: os manos já conversavam com ela dentro da barriga. A única que pareceu ter um pouquinho de ciúme foi Vitória, que "gostaria de ser o bebê da mãe". Éric destaca que ele e a esposa não deixaram de conversar com os filhos.
– Eu expliquei que o Lucas tem uma idade que não necessita de tanto cuidado quanto o Cássio, que, por sua vez, não necessita de tanto cuidado quanto a Vitória. Com a chegada da Zahra, falei que teríamos que cuidar mais dela, mas isso não queria dizer que ela é mais amada – relata Éric.
Usando a experiência de quem leciona há 13 anos, Katiúscia recorre ao lúdico para mostrar aos filhos que todos têm a mesma importância dentro do "castelo dos Salgado":
– Aqui tem duas princesas, dois príncipes, uma rainha e um rei.
Em casos como esse, a professora do curso de Psicologia da Unisinos Denise Falcke sugere que os pais envolvam os filhos adotivos durante a gestação, traduzindo cada passo para uma linguagem que as crianças entendam.
– Assim, vai tornando a vinda do irmão um processo significativo para eles também, ajuda a construir o vínculo deles com essa criança que está chegando – relata Denise.
A especialista ressalta que é natural o sentimento de ciúme diante da chegada de um irmão biológico, e que ele é, inclusive, esperado. Mas a questão central não é sentir, e sim o que será feito com essa sensação.
– É necessário explicar que, depois da chegada do irmão, a criança vai seguir tendo afeto garantido, que ela sempre vai poder contar com os pais. Dar a garantia de que o irmão não vem para substituí-la, mas para se unir à família – afirma, explicando que a mesma dica vale nos casos em que os pais resolvem adotar depois de ter filhos biológicos.
Denise dá ainda outra sugestão: ir combinando com antecedência com os filhos adotivos como eles vão poder ajudar na criação do mais novo membro da família. Assim, eles conseguem valorizar o posto de irmão mais velho.