No ano passado, o Instituto de Psiquiatria (IPq) do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP) divulgou uma pesquisa sobre o perfil sexual dos brasileiros, em que 95,3% dos participantes consideravam sexo algo importante ou muito importante.
O estudo, batizado de Mosaico 2.0, foi coordenado pela psiquiatra Carmita Abdo, do Programa de Estudos em Sexualidade (ProSex) do IPq e ouviu 3 mil homens e mulheres de 18 a 70 anos em cinco regiões metropolitanas, incluindo a de Porto Alegre. Quando o questionário abordou as preocupações sobre sexo, as mulheres voltaram suas respostas à possibilidade de contrair doenças sexualmente transmissíveis (DSTs). Entre os homens, o maior receio apresentado foi não satisfazer a parceira. E no detalhe dessa resposta pode estar a causa de parte das disfunções sexuais masculinas que hoje chegam aos consultórios de psicólogos e especialistas de áreas ligadas à saúde do homem: fatores psicológicos.
Leia também:
Saiba a melhor forma de reverter a disfunção erétil
Conheça os principais tratamentos para a disfunção erétil
No gigantesco balaio chamado "fatores psicológicos" estão velhos conhecidos dos médicos, como traumas, depressão e ansiedade, mas a vida contemporânea tem cobrado seu preço na cama. O estresse e a própria mudança de postura das mulheres em relação a sua sexualidade colocaram o homem numa crise de identidade, pela qual busca redefinir seu papel na sociedade e nas relações afetivas.
Se em outros tempos o prazer da parceira pouco importava e a virilidade do homem se media pelo número de filhos, hoje saíram debaixo dos lençóis outras questões para as quais boa parte deles não foi educada a enfrentar, como lidar com as próprias emoções e as da parceira. Psicóloga especialista em aconselhamento familiar e saúde mental, Auriciene Araújo Lidório, de Londrina (PR), reconhece em muitos pacientes com disfunções sexuais a figura de um homem em busca de identidade, que tenta amar e ser amado, querer, receber e dar prazer e satisfazer o outro não só sexualmente, mas intelectualmente, afetivamente e psicologicamente.
– A palavra satisfação é a grande questão, e o mundo do desempenho sexual é envolvido pelo mundo das emoções. O homem que está sendo convocado atualmente não pode só ter um carro, uma moto e uma conta. Ele é um homem emocional. Mais do que nunca, o desejo deles é atravessado pelo da mulher, e o desejo delas está mudando – diz.
Para Auriciene, as disfunções sexuais, como dificuldade de ter ou manter uma ereção, falta de desejo ou ejaculação precoce podem ser reações orgânicas para um problema psicológico sufocado e negligenciado pelos homens exatamente por estarem inseridos em uma sociedade em que saúde mental é tratada como "frescura". Quando se reflete na vida sexual, eles resolvem dar atenção ao sinal de alerta.
– Entendo que, muitas vezes, esses problemas são a comunicação de um corpo que está calando outros problemas – avalia a psicóloga.
Autor do livro Ereção e Falha, Falhou por quê?, o andrologista Sergio Iankowski costuma observar e registrar as situações que levam os homens ao consultório dele em Porto Alegre. Diante de tantas causas psicológicas, não pensou duas vezes em apoiar seu trabalho clínico em um psicólogo. A demanda de queixas por problemas de ereção, diminuição da libido e ejaculação precoce chega via pacientes de diferentes idades, e não raro a mulher está à frente da busca por ajuda.
– Geralmente, eles chegam aqui porque a parceira reclamou, e eu acho essa crítica muito inteligente. Há homens que convivem por anos com essas disfunções e não procuram ajuda – diz Iankowski.
A resposta dos homens à pesquisa do IPq também vai ao encontro de outro problema com o qual o andrologista depara no dia a dia de consultas: a ansiedade sexual. Homens com uma vida normal na cama levam um baque quando "falham" pela primeira vez. Essa falha pode ser pontual, motivada por questões momentâneas, mas eles ficam tão preocupados que comprometem o desempenho em futuras relações, sem ter um problema orgânico ou psicológico que justifique.
– O medo de falhar é tão alto que provoca uma descarga de adrenalina, que é um vasoconstritor, e não consegue ter a ereção – explica o médico.
Sexo saudável exige corpo saudável
Apesar de os fatores psicológicos estarem muito associados às disfunções sexuais masculinas, as causas orgânicas têm papel importante nessas ocorrências e precisam ser consideradas pelos homens. A urologista Nancy Tamara Denicol, presidente da Sociedade Brasileira de Urologia na seccional do Rio Grande do Sul, ressalta que, a partir dos 50 anos, nota-se mais dificuldades de ereção, o volume de ejaculação pode diminuir e o tempo para uma segunda ereção por vezes também aumenta. É nesta fase que se observa a incidência maior de hipertensão, diabetes e síndromes metabólicas, que ampliam os riscos de desenvolver doenças cardíacas e vasculares.
Nesse contexto, os médicos costumam examinar a saúde geral dos pacientes para compreender as causas da disfunção sexual, que podem ser psicológicas, mas também ter ligação aos níveis de testosterona, à vascularização do pênis, entre outros. Esses problemas ainda podem ser comorbidades (doenças relacionadas) ou consequência do uso de medicamentos específicos, como antidepressivos e ansiolíticos, ou de tratamentos e cirurgias, como a retirada da próstata em casos de câncer.
Por esse leque de possibilidades, automedicar-se com o intuito de resolver a questão não parece ser uma boa saída.
O andrologista Sergio Iankowski lembra que a chegada do Viagra duas décadas atrás – e o sucesso que fez – serviu para acabar com a ideia de que as disfunções sexuais são incomuns ou problema de meia dúzia de desafortunados. Por outro lado, muita gente consumiu a pílula azul sem o devido cuidado e orientação.
– Dessa forma, não está se tratando a causa, e é possível até que essa automedicação piore certos quadros e crie uma dependência no paciente – alerta o médico.
Nem vergonha, nem exclusividade de poucos
As disfunções sexuais masculinas podem ir da falta de desejo sexual, a dificuldades de ter ou manter uma ereção até a impotência completa. Em qualquer um dos casos, é o médico que deve diagnosticar. Uma simples "falha" não significa necessariamente um problema, porém, se há ocorrências frequentes, é fundamental conversar com um especialista, porque o diagnóstico precoce amplia as chances de sucesso do tratamento. Esquivar-se da ajuda não só atrasa a solução como pode comprometer o relacionamento e até resultar em separação do casal. Como ainda é um tema espinhoso para muitos homens, os médicos notam que o assunto chega camuflado ao consultório.
– A gente ainda vê muito a queixa disfarçada em uma consulta de rotina. Então, mesmo que o motivo da conversa seja outro, acho importante fazer sempre a pergunta sobre a saúde sexual. Às vezes, no final da consulta, o paciente diz "lembrei, doutora!" e fala sobre o que está acontecendo. Isso não é vergonha, e ele não é o único. Nas conversas de bar, podem até dizer "nunca falhei", mas aqui no consultório, todo mundo falha – diz a urologista Nancy Tamara Denicol.
Inevitavelmente, a busca por soluções em qualquer uma das disfunções passa por um check-up do paciente, com exames dos níveis de testosterona, o hormônio masculino, e de taxas que podem influenciar no quadro, como níveis de colesterol, pressão arterial e glicose.
Os tratamentos, de acordo com cada caso, envolvem reposição hormonal – muito menos controversa do que a usada pelas mulheres na menopausa – e até implante peniano, utilizado em casos de lesões mais graves (como cirurgia de próstata). Em todos os métodos, o acompanhamento psicológico é aconselhado.
– Mesmo que a origem do problema não seja psicológica, sempre terá um reflexo psicológico – pondera a psicóloga Auriciene Lidório.
Frente à preocupação de manter e prolongar o bom desempenho sexual, os homens devem ficar atentos a fatores que podem antecipar problemas. Obesidade, diabetes sem controle, sedentarismo e tabagismo são inimigos da saúde de um modo geral e não fogem da lista de fatores de risco nos casos de disfunções sexuais.
– O homem que não mantém cuidados gerais consigo mesmo está em busca de um problema sexual – sentencia o andrologista Sergio Iankowski.