Meu amigo Claudio foi uma das primeiras pessoas a saber da morte da minha cachorra. Ele dava aula naquela manhã de sexta-feira quando liguei. Conta que, antes de explicar ao seu aluno o motivo do telefonema urgente, perguntou:
– Você tem cachorro?
Esse detalhe da história me fez perceber o quão essencial era essa pergunta antes de contar a qualquer pessoa sobre a perda da Chloe, minha cadelinha de seis anos. Ela se foi de maneira súbita, após ficar apenas um dia internada no hospital veterinário. Meus amigos próximos compreenderam o momento, deram força, mas na verdade, nem eu conseguia dar sentido à intensidade daquela dor. Era difícil validar aquele sentimento, ficava insegura ao me expressar. Comecei a procurar mais sobre o assunto: afinal, por que essa perda é tão dolorida?
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É uma sensação estranha. Beirava até a imoralidade, pensava eu, quando lembrava da nossa inconsistência humana de valorizar mais a vida de alguns seres vivos em detrimento a outros. Explico: em 2013, uma pesquisa nos Estados Unidos (EUA) mostrou que pessoas sentiam mais empatia e aflição quando liam notícias em que crianças eram vítimas de algum mal. Filhotes e cães adultos ficavam em segundo lugar. Por fim, vinham as pessoas adultas.
Foi conversando com a psicóloga Maria Helena Franco, coordenadora do laboratório de estudos e intervenções sobre o luto da PUCSP, que comecei a entender melhor a situação e aceitar a dor que sentia, sem precisar me preocupar com qualquer questão moral. Primeiro, que o luto após a perda de um animal de estimação é real, confirma ela. Não é frescura, como alguns podem pensar. A ligação e o significado que os animais passaram a ter durante o convívio com seus donos são intensos. A morte de um não pode ser comparada a de qualquer outro ser.
Para a especialista, todo luto é único. Cada pessoa tem tempos de recuperação e reações diferentes a uma perda. Algumas ficam com raiva ou até mesmo desenvolvem um sentimento de culpa por não ter levado o animalzinho antes no veterinário ou feito algo de diferente. A superação leva tempo e não deve-se ter medo de passar pela fase de luto. O sofrimento, segundo Maria Helena, faz parte dessa fase de aprendizado e é importante que seja respeitado e vivido.
Animais de estimação ganharam um novo significado na vida de seus donos ao longo dos anos. Antes vistos como apenas bichos que ficavam no pátio, hoje dividem conosco a rotina e a casa. De acordo com levantamento da Pesquisa Nacional de Saúde 2013, feito pelo IBGE, 44,3% dos lares brasileiros têm a presença de ao menos um cachorro. E pesquisas feitas principalmente nos EUA com donos de animais de estimação mostram que os bichos já são considerados membros da família.
– Um membro da família significa que ele está próximo de nós, do nosso cotidiano, que nós temos uma proximidade e uma ligação afetiva com aquele ser. E ele é incluído nas nossas atividades, no nosso conceito de família. Ele não vai sentar à mesa com você, mas faz parte da programação da vida – diz a psicóloga Maria Helena.
Saí da minha cidade natal, após a faculdade, para começar meu primeiro emprego. Decidi que ia ter um cachorro, então a levei ainda filhotinha para a minha primeira casa. Por um ano, ela era minha principal companhia, num lugar onde eu não tinha amigos, ninguém sequer para tomar um chimarrão no fim de tarde. Mas com a Chloe, as voltas no parque ganharam sentido, era um motivo a mais para sair de casa. Não é a toa que universidades americanas trazem cães para uma terapia de boas vindas para calouros, e algumas faculdades já começaram a aceitar os cãezinhos e gatos nos dormitórios.
A maioria dos adolescentes, vivendo longe de casa pela primeira vez, tem dificuldade em falar sobre a saudade de casa com os outros. O resultado desse estudo de terapia com o uso de animais com estudantes publicado em 2016 ano mostrou que esses estudantes lidavam melhor com a saudade de casa e sentiam-se mais conectados à nova vida universitária. Então, como não fazer uma ligação intensa com um ser que traz alento em momentos importantes da vida?
– O luto depende do significado do animal na vida da pessoa. Os idosos têm animais de companhia, então, essa perda pode ser muito importante. Para crianças, às vezes é a primeira perda. A única questão é que a sociedade ainda não aceita. É um luto não reconhecido. Se a expressão não é trabalhada e compreendida, ela poderá causar problemas físicos e psicológico – diz a psicóloga.
Na literatura científica sobre psicologia, o desmerecimento da dor pela perda de animais de estimação já é estudada: subestimar o luto dos donos causa implicações no bem-estar da pessoa que sofre. É o chamado “luto não reconhecido”. Segundo Maria Helena, isso vem da falta de empatia com os que sofrem uma determinada perda. “Ah, é só um cachorro, não é uma pessoa”, podem dizer. Mas, se você perdeu o seu bicho, seja de qual espécie for, não tenha vergonha de sentir-se triste e não tenha medo de pedir apoio. Seja para o veterinário, que já está preparado para um tratamento sensível com os donos, ou para os amigos.
A veterinária Juliana Milan diz que os profissionais da área de saúde animal já usam uma abordagem bastante sensível para comunicar a saúde ou o risco iminente de perda do animal. – Vemos que a dor da perda tem aumentado. E vemos que as crianças se culpam por ter “abandonado” o pet ou se perguntam por que o cachorrinho as abandonou – diz Juliana.
Em alguns casos, os donos passam a frequentar mais vezes a clínica quando o animal fica mais velho, para buscar uma forma de conforto com o profissional.– Não é nem para examinar o paciente, que continua igual. É para que o tutor seja escutado um pouco melhor, para ele falar sobre o que pode fazer depois dessa perda. As pessoas têm se precavido já para o pós-perda. E nós temos que ter sensibilidade para isso e se colocar a disposição – conclui a veterinária.
A dor por animais perdidos ou roubados
A aflição e o luto podem ser igualmente ou mais dolorosos para os donos que perdem ou tem seus bichinhos roubados. – O roubo dos animais parece que é pior para os tutores. Eles ficam em uma esperança, imaginando o quanto o bicho está sofrendo por não estar em casa e não ter o carinho. A morte é algo que é tratado com o tempo, vai acostumando com o tempo, mas o luto de animais vivos é bastante sofrido – diz a veterinária Juliana.
O luto
– Respeite o luto e a sua dor. Não a compare com a de outras pessoas. Cada um sabe do significado que o animal teve na sua vida.
– Não fique com vergonha de pedir ajuda para amigos e parentes próximos que oferecem acolhimento.
– Pense antes de adotar outro bichinho. Leve um novo para casa quando o luto estiver superado, pois um não substituiu o outro. Cada animal terá o seu comportamento e a sua história.
– Esclareça a situação para as crianças e permita que elas se expressem. Pode ser o primeiro luto verdadeiro. É recomendável ecplicar o que aconteceu e não mentir sobre a situação.
– Não tenha medo de pedir ajuda para o veterinário ou chamar o profissional para conversar durante os momentos mais difíceis.