A chamada já foi feita, os alunos estão em suas classes, e a aula vai ter início. Na sala com aproximadamente 45 estudantes de Direito, 16 estão com os olhos voltados para o celular. O professor recém começou a falar, está detalhando como deve ser feito um trabalho em grupo, coisas burocráticas. Em breve, os aparelhos serão deixados de lado, certo?
Errado. Cerca de 30 minutos depois, são 17 estudantes voltados ao smartphone e não ao professor, que fala sobre a matéria da próxima prova. Quase uma hora depois da primeira contagem, 16 universitários deslizam os dedos pela tela.
O repórter está ali fazendo o levantamento, tentando prestar atenção ao conteúdo da disciplina que ele também cursa e, vez que outra, olhando as mensagens que chegam pelo WhatsApp: uma colega contando que vai ter de usar óculos, o retorno de uma entrevista, e os balõezinhos verdes que aumentam nos grupos do trabalho, da família, dos amigos. Nada que não pudesse aguardar até o intervalo.
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O que se diz é que, hoje, somos multitarefa. Mas, de fato, lidamos bem com isso?
– Definitivamente, não. O cérebro tem a atenção sustentada em uma coisa só. Então, você está superficialmente mexendo no celular e superficialmente assistindo à aula – explica a neurocientista Carla Tieppo. – Você consegue fazer as duas coisas, mas não de forma profunda. E a uma aula nem adianta assistir de forma superficial, porque você precisa raciocinar sobre o que está sendo colocado – acrescenta a professora e pesquisadora da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo.
Estamos falando de concentração, um tipo de atenção focada em determinado assunto. E, para ficar efetivamente concentrado, é preciso bloquear os estímulos sem relevância para a tarefa a ser executada.
– Isso quer dizer que, ao mesmo tempo que inibe quase automaticamente esses estímulos irrelevantes, a pessoa concentra sua mente, seu cérebro, no que chama atenção – relata Benito Damasceno, professor aposentado de Neurologia e Neuropsicologia da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).
Uma habilidade a ser desenvolvida
A região do cérebro envolvida nesse processo é o córtex pré-frontal, responsável por gerenciar atividades como planejamento, tomada de decisões e controle inibitório. Pesquisadora do Centro de Memória do Instituto do Cérebro da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS), Cristiane Furini salienta que a concentração é desenvolvida ao longo do tempo. Algumas pessoas conseguem desenvolvê-la mais do que outras.
– Quanto mais cedo (se começa a desenvolver), melhor. Mas não significa que não possa ser desenvolvida na fase adulta. É um exercício, uma coisa que a gente tem de praticar, trabalhar em cima. Há ações que podem ajudar no processo que, acredita-se, possam levar a uma melhora no foco, na atenção – diz.
Enquanto o uso do celular é visto com mais ressalvas por especialistas, escutar música pode ser benéfico ou prejudicial, dependendo do caso.
– Há pessoas que não têm problema em se concentrar ouvindo música. Isso as deixa mais focadas. Depende muito do indivíduo e da importância que ele dá para o que está fazendo – avalia Cristiane, que é professora da Faculdade de Medicina da PUCRS.
A atenção focada resulta, afirma Carla Tieppo, de uma somatória de processos que o cérebro precisa fazer.
– A pessoa não deve ter um alto grau de ansiedade ou de insegurança nem ter baixa autoestima. A emocionalidade precisa estar compatível, senão, o pensamento oscila, é muito chamado por esses processamentos emocionais – ressalta, acrescentando que a concentração requer um bom treino, a partir de leitura e filmes, por exemplo.
A professora do curso de Psicologia da Unisinos Zuleika Köhler Gonzales aponta para outro aspecto:
– Penso que a capacidade que nós temos de nos concentrar mais ou menos está diretamente vinculada às demandas que nós, coletivamente, produzimos na sociedade e até exigimos como promessa de felicidade.
Ela acredita que essa "promessa" nos faz construir mecanismos e valores que alavancam "a corrida insana de fazer sempre mais":
– Um desses mecanismos e valores é o sentir-se conectado a tudo e a todos continuamente, porque, senão, parece que vamos perder todas as ofertas e oportunidades de ser indivíduos notáveis, notados e cobiçados.
Lembra o repórter que se desdobrava em várias tarefas na faculdade? Pois é, ele seguiu algumas dicas – guardou o celular na mochila, principalmente, e evitou as conversas paralelas – e teve um resultado bem melhor na aula seguinte: prestou mais atenção, anotou mais e se deu conta das dúvidas que tinha a tempo de saná-las com o professor.
Distraídos ao volante, perigo constante
O neurocientista americano David L. Strayer, da Universidade de Utah, nos Estados Unidos, é uma das principais autoridades quando o assunto são riscos da distração ao volante. Uma de suas principais pesquisas mostra que conversar ao celular pode ser tão perigoso quanto beber e dirigir. A prática é largamente difundida: um estudo do Hospital Samaritano de São Paulo, com 4,1 mil motoristas paulistas, diz que 80% confessaram que dirigem e usam o celular ao mesmo tempo, sendo que 42% admitiram mandar mensagens de texto.
– A concentração é de suma importância para que tu possas ter uma condução segura. Hoje, as pessoas estão deixando de falar no celular, mas estão escrevendo mensagens, lendo, olhando redes sociais. E manusear é pior do que falar – afirma Fabio Mello, especialista em segurança para o trânsito.
Para aprender na escola
Nossa capacidade de concentração é desenvolvida ao longo do tempo. E precisamos diferenciá-la daquela atenção como vigília, primitiva, direcionada para qualquer estímulo, que compartilhamos com o mundo animal.
– A atenção focalizada é aprendida com influência da família e da escola. É ensinada, inicialmente, por meio de palavras e gestos, que apontam para o que precisa ser feito. A palavra "não", ao ser dita para a criança, é um instrumento fundamental para que ela distinga o que é interessante do que não é – explica o professor aposentado da Unicamp Benito Pereira Damasceno.
A capacidade de concentração, afirma o neurologista, exige a participação da linguagem, tanto gestos quanto palavras, ao chamar atenção da criança para que atenda a determinado item do seu campo perceptivo.
– Inicialmente, ela dá atenção para qualquer estímulo novo. Depois, concentra. É um trabalho em que a criança internalizou o autocomando, antes dado pelos pais – acrescenta Damasceno.
Foque, mas não exagere
Para quem fica muitas horas focado em uma mesma atividade ininterruptamente, talvez tenhamos uma má notícia: há o risco de uma parcela do tempo estar sendo desperdiçada. Isso porque, segundo especialistas, os intervalos de descanso são fundamentais para o bom aproveitamento.
Não há um consenso de quanto tempo pode ser investido na mesma atividade sem pausa, mas fica em torno de uma hora e meia – um pouco mais se a pessoa está muito envolvida na tarefa. As avaliações sobre a duração do intervalo variam também, mas podem ser de 10, 15 e até 20 minutos (dá até para tirar uma soneca depois do almoço!) para que voltemos revigorados.
O sono também é apontado como um fator decisivo, pois trata-se de um momento de relaxamento.
– No início da noite, você tem um sono mais repousante, mais ligado ao descanso. E, na segunda parte, um sono funcional, que é muito importante para fixação de novas memórias. Quando você tem uma capacidade de aprendizado boa, isso ajuda na concentração – explica a neurocientista Carla Tieppo.
Para Cristiane Furini, pesquisadora do Centro de Memória do Instituto do Cérebro da PUCRS, é a boa noite de sono que faz com que a pessoa acorde disposta, conseguindo direcionar mais a atenção para as atividades.
– Se dorme pouco, não dorme bem, acorda durante a noite, a maioria das pessoas fica com pouca atenção, pouco foco no que precisa fazer – diz a professora.
Aquelas famosas oito horas de sono são, na verdade, uma média: algumas pessoas precisam de mais, outras de menos. Cada um tem de achar o tempo que o satisfaça.